Cartoonista "preocupado". PSP apresenta queixa contra jornal Público

por RTP
Mário Galego - Antena 1

A Polícia de Segurança Pública anunciou esta sexta-feira a apresentação de uma queixa-crime contra o jornal Público por causa de um cartoon publicado pelo suplemento Inimigo Público, "aparentemente relacionado com uma ação com conotação política" junto à sede da SOS Racismo. Em reação, o ilustrador considera a queixa um atentado à liberdade de expressão. Já o responsável pela publicação diz-se "perplexo".

Em comunicado, a Polícia de Segurança Pública considera que as ilustrações "ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à instituição, consubstanciando a prática de crime" e que vai apresentar queixa ao Ministério Público.

Em causa está um cartoon, publicado na edição desta sexta-feira do suplemento humorítico do Público, que satiriza a manifestação racista de sábado passado em frente à sede da SOS Racismo.

No desenho vê-se uma fila de personagens mascaradas, com tochas nas mãos, onde as personagens aludem a outras tantas figuras da sociedade portuguesa e uma delas aparece fardada com um uniforme da polícia.

Segundo a PSP, o cartoon da autoria de Nuno Saraiva, diulgado no Inimigo Público, está aparentemente relacionado com uma ação com conotação política e associa "de forma explicita" a polícia "a um qualquer movimento político-ideológico".

Essa conotação, adianta a nota, afeta "publicamente a isenção e apartidarismo que caracterizam a instituição, resultantes não só de obrigação estatutária e da condição policial, mas também da convicção dos polícias".

A PSP lamenta ainda "a leviandade com que o jornal e o cartoon em questão feriram a boa imagem da instituição e dos polícias que nela servem e protegem os nossos concidadãos" e lembra que a Estratégia 2020/2022 contempla a "isenção e rejeição de qualquer forma de extremismo e discriminação" como um valor e um pilar ético fundamental.
Crime é atentar contra a liberdade de expressão, diz cartoonista
Em reação ao anúncio da PSP, o ilustrador Nuno Saraiva afirmou, entretanto, que é criminoso atentar contra a liberdade de expressão e mostrou-se "preocupado" com o rumo do país.

"Criminoso é acharem que isto é um crime, que um criativo, um jornalista, um opinion maker, um cartoonista não pode ter direito à sua liberdade de expressão", afirmou o autor, à Lusa.

Admitindo que nem é adepto dos cartoons "mais escatológicos e altamente ofensivos", do género dos do jornal satírico francês Charlie Hebdo, o ilustrador considera que este é até "um cartoon bastante pacífico" e, por isso, acha "absolutamente exagerado e sem sentido para uma queixa-crime".

Quanto a esta possibilidade, Nuno Saraiva deixa claro que não está minimamente preocupado consigo, mas sim com "o caminho que o país está a trilhar".

"Parece que estamos a dar uma reviravolta para mais de 40 anos atrás, isso é que me preocupa. E o silêncio institucional preocupa-me também", afirmou, considerando que nos últimos tempos sente que "está tudo muito pesado e esquisito", uma situação que, confessa, o "assusta".

No entanto, Nuno Saraiva deixa claro que não vai explicar o seu cartoon: "Um cartoon vale por si. Os desenhos ilustrados têm a faculdade de ter várias interpretações".
Inimigo Público "perplexo" com queixa da PSP
O diretor do Inimigo Público, Luís Pedro Nunes, também se manifestou, entretanto, "perplexo" com a intenção da PSP em apresentar queixa contra o Público por causa de um cartoon que inclui uma figura vestida de uniforme.

"Não deixo de ficar perplexo", começou por dizer Luís Pedro Nunes à Lusa.

"Estou espantado, numa semana que foi das mais complexas dos últimos tempos a nível a questões ligadas ao racismo, às ameaças a deputados, a declarações dos vários setores da sociedade portuguesa, a direção nacional da PSP arranjou tempo para, aparentemente, processar um cartoon do Inimigo Público à sexta-feira", apontou o responsáel suplemento humorítico do Público.

"Sou diretor do Inimigo Público desde 2004, fazemos isto semanalmente, milhares de cartoons, nunca fomos processados", salientou. "Acho um pouco estranho, tanto mais que isto começou de manhã com exigência do Movimento Zero para que a direção nacional fizesse alguma coisa", acrescentou.

"Quando uma sociedade que está com problemas mediatizados a nível de questões sociais vai atrás de cartoons ou se vira contra os cartoons, nós já sabemos que isso é um sintoma de algo está verdadeiramente mal", prosseguiu.

"Os cartoonistas, ultimamente, têm sido as primeiras vítimas de que qualquer coisa está errada na sociedade", considerou.Além disso, o diretor do Inimigo Público diz que no que respeita ao cartoon que está a gerar controvérsia, "nem sequer se pode dizer que [aquele] é aquilo que está a ser acusado".

"Estamos a falar de um jornal satírico", enfatizou o diretor do Inimigo Público.

Luís Pedro Nunes, que lamentou ter de explicar um cartoon em 2020, disse ainda, que perante a imagem da semana da manifestação frente à organização do SOS Raciscmo, decidiu extrapolá-la, em conjunto com o cartoonista Nuno Saraiva, para a sociedade portuguesa.

O cartoon extrapola as "manifestações de racismo que se escondem atrás da máscara do André Ventura, foi este o conceito", no qual se inclui desde o adepto de futebol até à polícia, porque "aqui e ali há sinais de que há polícias que têm este tipo de manifestações".

Recorde-se que esta semana, três deputadas e sete ativistas foram alvo de ameaças por uma autoproclamada "Nova Ordem de Avis – Resistência Nacional", que reivindicou também uma ação junto à associação SOS Racismo, levando o Governo a condenar estas ações como "uma ameaça à própria democracia" que deve indignar "todos os democratas".
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