Edições de Autor com chancela geram discórdia entre escritores e editoras

por Agência LUSA

Um Autor que não consiga publicar o que escreve nos moldes tradicionais pode recorrer a uma edição paga com chancela mas os acordos estabelecidos entre escritores e casas editoriais nestes casos nem sempre satisfazem as duas partes.

"Há muito preconceito em relação às edições pagas mas elas são, muitas vezes, rampas de lançamento para autores desconhecidos e, no fundo, estamos a prestar um serviço público", declarou Ângelo Rodrigues, que dirige o Departamento de Novos Autores da Editorial Minerva, em Lisboa.

Esclarecendo que "a Minerva não anda atrás dos Autores, são eles que a contactam, por vezes desesperados", o responsável assegurou à Lusa que, "apesar de a editora ser uma empresa", não é apenas o factor económico que a motiva, "pois mais de metade dos livros não dão lucro".

"Tentamos sempre que os Autores obtenham apoios para as obras mas quando não conseguem, têm de ser eles a pagar, pois a Editorial Minerva publica alguns livros a custo próprio mas são a excepção e não a regra", concluiu.

Todavia, nem todos os poetas ou prosadores têm imediata percepção de que lhes vai caber custear - ou arranjar quem custeie - a edição, julgando estar a estabelecer um acordo com uma editora tradicional.

Gilson Alves, de 25 anos, poeta e médico no Porto, foi um dos recentes Autores editados pela Minerva, tendo recordado à Agência Lusa todo o processo.

"Enviei o meu original de poesia para diversas editoras, como a Caminho, a Assírio & Alvim e a Editorial Minerva, e esta foi a única que demonstrou interesse, tendo-me enviado uma carta com um contrato- modelo, no qual não estava explícito que seria eu a pagar a edição", afirmou o Autor.

"Consultei também a página de Internet da editora mas não fiquei esclarecido sobre esse aspecto" - sublinhou ainda Gilson Alves, que, "só após um telefonema para a editora", começou "a perceber que a publicação do livro envolvia dinheiro" da sua parte.

Por "não estar a ver outra forma" de publicar o volume de poemas que tirou da gaveta, o autor aceitou as condições e, no início de Dezembro de 2006, lançou "Alvos na Planície Encharcada" - um volume de 104 páginas, cuja tiragem de 500 exemplares lhe custou "cerca de três mil euros".

Os problemas chegaram depois: "Apesar de o livro ter sido lançado há mais de dois meses, ainda não o encontrei em nenhuma livraria, pelo que estou muito descontente com a distribuição", afirmou à Lusa, acrescentando que também ficou com "uma parte dos livros para distribuir", o que não pretende fazer "porque ser o Autor a vender a própria obra é corromper todo o processo".

"Pensava que tinha sido seleccionado pela qualidade da minha escrita e não por poder pagar a edição mas como nunca tive uma apreciação da editora sobre o que escrevi e vejo que eles publicam tanta coisa, hoje tenho dúvidas acerca dos critérios. Haverá ali um processo justo de avaliação?" - questiona.

Uma suspeita que Ângelo Rodrigues esclareceu, ao assegurar que, "com frequência, a Minerva recusa originais por não terem qualidade suficiente, assim como edita autores que, embora hoje não sejam reconhecidos, podem vir a ter um lugar no panorama literário daqui a 50 anos".

Embora desiludido com a primeira experiência, Gilson Alves pensa voltar a editar poesia este ano, embora noutros moldes: "Só publicarei pela Minerva se a editora pagar parte da edição, pois, nas mesmas condições, não alinho".

Quem mudou de ideias ao ver a primeira proposta foi Paulo Santos [nome fictício de um autor inédito que solicitou o anonimato], que em Junho de 2004 enviou um original de poesia para as Edições Quasi, de Vila Nova de Famalicão.

"Um mês depois, responderam-me do grupo Do Impensável - que tem a Quasi e outras editoras - dizendo que publicariam o livro na Amores Perfeitos mas só se eu pagasse 200 dos 500 exemplares da edição", explicou o Autor, de 29 anos.

"Asseguravam-me que colocariam o livro nas livrarias, que o enviariam para os críticos de maior referência nacional e que eu receberia dez por cento sobre as vendas dos 300 exemplares que iam para o circuito comercial", explicou Paulo Santos, que fez chegar à Lusa a carta que recebeu.

O Autor não aceitou a proposta por várias razões: "Por um lado, como sou novo e não tenho pressa de editar, posso aguardar uma proposta melhor; por outro, sendo um Autor desconhecido, sem agente ou estrutura montada, não vejo o que faria com 200 livros, sobretudo porque o contrato da editora me proibia de os colocar nas livrarias, para não prejudicar as vendas dos outros 300".

"Considero ainda que um Autor já contribui com as suas palavras, pelo que não faz sentido ter de pagar para as fazer chegar aos leitores" - declarou.

Afirmando-se surpreendido com esta reacção, Jorge Reis-Sá, editor das Quasi, começou por esclarecer que "não faz sentido um Autor ficar indignado num caso destes, pois não foi a editora que lhe solicitou o envio do original".

"A Amores Perfeitos, que suspendeu a sua actividade em Maio de 2005, não era uma editora mas uma prestadora de serviços, ou seja, ela tratava do livro desde o design até à distribuição mediante pagamento por parte do Autor ou de alguma entidade que este encontrasse para apoiar a obra" - esclareceu.

Ainda segundo Jorge Reis-Sá, também ele escritor, "no grupo Do Impensável existem duas editoras - a Quasi e a Magnólia - em que os escritores não pagam para editar, e uma nova prestadora de serviços, a Atelier de Produção Editorial, que funciona nos moldes da antiga Amores Perfeitos".

"Acontece que alguns Autores não querem perceber as diferenças e, talvez por preferirem a Quasi, insistem em dizer que são publicados por esta editora, mesmo quando sabem que isso não corresponde à verdade", afirmou.

"As Edições Quasi têm uma fasquia de qualidade muito elevada, enquanto a Atelier se pauta por critérios comerciais e não estéticos, o que não é vergonha nenhuma e não pretende enganar ninguém" - rematou o editor.

No mesmo sentido se pronunciou João Barroso da Fonte, responsável pela editora Cidade Berço, de Guimarães, que nasceu em 1998 "para dar voz aos poetas e trovadores populares e aos Autores que estão fora dos grandes centros".

"A editora é familiar - composta por mim e por dois filhos licenciados que não arranjaram colocação - e publicamos entre 15 e 18 livros por ano, com tiragens que variam dos 500 aos mil exemplares na área da poesia, história local, contos, romances, teses e monografias" - explicou.

Barroso da Fonte considera o seu trabalho "mecenato cultural, pois as obras ficam quase ao preço de custo" e assegurou à Lusa que avisa sempre os Autores que o contactam de que "não têm nada a perder em tentar uma editora tradicional antes de se decidirem a pagar a publicação do trabalho".

"Na Cidade Berço não me sugeriram que tentasse publicar sem pagar noutras editoras mas, mesmo que o fizessem, não servia de muito, pois eu já contactara a Relógio d`Água e a Afrontamento e não obtivera respostas nem a devolução dos originais, o que foi muito desagradável", revelou Conceição Tomé, de 39 anos e com duas obras publicadas na editora de Guimarães.

Esta professora de Português/Francês, que já lançou "As Pequenas Coisas" (romance, 2000) e "Histórias Enluaradas" (novelas, 2002), disse à Lusa que o primeiro livro, quase com 400 páginas e uma tiragem de mil cópias, lhe custou "mil e poucos contos, já com a distribuição incluída".

Com três anos e meio de existência e 80 livros publicados, na sua maioria edições de Autor, a Folheto, de Leiria, afirma que procede a um estudo de mercado para que quem escreve tenha noção dos riscos antes de avançar mas não investe nem nos seus Autores mais regulares, como a Lusa apurou.

"Há Autores que têm sido muito bem sucedidos através do pagamento das edições" - afiançou Adélio Amaro, da Folheto, indicando o escritor Rui Matos - "que já tem um livro em terceira edição e dois que vão em segunda edição".

Questionado pela Lusa se, face a este êxito, não faria sentido a editora passar a custear as obras do Autor, Adélio Amaro assegurou que "ele agora prefere manter-se neste regime, pois todo o lucro da edição é dele, em vez de receber só os 10 por cento de direitos das edições tradicionais".

Uma história muito diferente contou o escritor, que é professor de Educação Física no Instituto Politécnico de Leiria.

"Pago as edições porque nunca tive nenhuma proposta - da Folheto ou de outra editora - para publicar em condições normais, porque se surgisse essa possibilidade é claro que aceitava, já que era mais vantajoso do que ter de ser eu a avançar com o dinheiro para a gráfica" - esclareceu o docente.

"Nunca vendo o suficiente para fazer lucro mas tento não sair prejudicado pois, quando começar a perder dinheiro, deixo de publicar", revelou também o Autor, que tem sete livros com o selo da Folheto, incluindo a série infantil "As Aventuras de Rafa".

Reforçando a surpresa perante o argumento da sua editora, Rui Matos deixou uma questão no ar: "Se pagar as edições fosse uma prática assim tão boa, não havia ninguém a publicar livros nos moldes tradicionais, pois não?"

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