Médica condenada em tribunal por homicídio por negligência

por Agência LUSA

Uma médica foi hoje condenada no Tribunal Criminal de Lisboa por homicídio por negligência pela administração de um medicamento que só devia ser utilizado em ambiente hospitalar, o que provocou a morte do doente.

A médica Olga Maria Alho foi condenada a um ano de prisão, com pena suspensa pelo mesmo período, e a um ano de suspensão do exercício da profissão no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.

O caso remonta a 1996, quando o doente, Armando Figueiredo, de 46 anos e motorista de camiões TIR, morreu durante o seu repatriamento para Portugal, após um acidente rodoviário em França, a 18 de Abril.

A médica em causa pertencia à seguradora responsável pelo repatriamento do doente, a AIDE - Assistência de Seguros e Resseguros, SA, e tinha como principal função acompanhar o repatriamento de sinistrados.

A 12 de Maio de 1996, Olga Maria Alho decidiu que Armando Figueiredo não necessitava do acompanhamento de um médico no repatriamento e equipou a mala de primeiros socorros da enfermeira que acompanhou o doente com o medicamento Mioflex, afirmando tratar-se de um miorelaxante muscular para ser usado se o paciente tivesse dores durante a viagem, segundo a sentença.

Dado que Armando Figueiredo sentiu dores, a enfermeira administrou-lhe uma injecção de Mioflex, tendo o doente começado a sentir-se mal e vindo a falecer no hospital de Chateau Renault, para onde havia sido imediatamente transportado.

De acordo com a sentença, a morte de Armando Figueiredo deveu- se a asfixia decorrente de um choque anafiláctico (hipersensibilidade do organismo) provocado pela administração do medicamento.

O Tribunal Criminal de Lisboa considerou provado que "a injecção prescrita pela arguida é a causa da morte do sinistrado" e que Olga Maria Alho "nunca tinha utilizado o Mioflex, não conhecendo as suas características, efeitos e contra-indicações, nem tão pouco as situações em que podia ser utilizado".

O Mioflex contém metónio, "utilizado como despolarizante e relaxante muscular em cirurgia, anestesia (Ó) nas entubações em endoscopia e na manipulação ortopédica e terapêutica electro- convulsiva".

Durante a leitura da sentença, que decorreu hoje, a juíza considerou que "competia à arguida inteirar-se das características, efeitos e contra-indicações do medicamento" e "se tivesse agido com a necessária diligência e cuidado a que estava obrigada, nunca poderia ter entregue o medicamento para ser ministrado (Ó) durante um repatriamento".

O Tribunal considerou que a morte de Armando Figueiredo "só ocorreu porque a arguida não procedeu com o cuidado a que estava obrigada" e que, neste caso, a responsabilidade médica supõe a "culpa por não ter usado o instrumental de conhecimentos [e] o esforço técnico que se pode exigir e esperar nas circunstâncias concretas".

A que acresce "o facto de a arguida por à disposição de uma enfermeira um medicamento (Ó) do qual não conhecia (Ó) as condições de utilização (Ó) revela uma falta de cuidado muito para além do comum e assim uma negligência manifestamente grosseira".

Após a leitura da sentença, a juíza, Conceição Oliveira, explicou à arguida os motivos da pena acessória - suspensão de um ano do exercício de funções num centro de saúde do Serviço Nacional de Saúde -, afirmando que "quando se aplica uma pena, o juiz tem de ter em conta as exigências de prevenção naquela pessoa e em toda a sociedade, no caso, a classe médica".

Conceição Oliveira chamou a atenção para o facto de a sociedade actual ter "cada vez mais notícias de casos em que a negligência médica se revela" e que "esta conduta [a morte de um paciente por administração indevida do Mioflex] não aconteceu a mais pessoas por uma grande sorte".

Isto porque a médica, especialista em patologia clínica, havia recebido ampolas do medicamento aquando de um repatriamento de pessoas com fracturas e traumatismos provenientes de Cuba, em 1995, tendo o Mioflex sido colocado posteriormente no gabinete médico da seguradora, sem que tivesse sido utilizado até àquela data.

"Entendi que esta pena [um ano de prisão suspenso pelo mesmo período] e a pena acessória não podem deixar de se aplicar", frisou Conceição Oliveira, realçando ainda que "a sociedade não pode permitir um erro tão grosseiro como este sem o deixar sancionado".

Olga Maria Alho havia já sido condenada pelo mesmo tribunal em 20 de Novembro de 2003 a três anos de prisão, com pena suspensa por quatro anos, tendo a defesa recorrido para o Tribunal da Relação.

Este mandou repetir o julgamento por considerar que havia contradição na matéria de facto.

Em declarações à Agência Lusa, o advogado da médica afirmou não ter ainda decidido se ia ou não recorrer da decisão agora proferida.

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