Começa esta quinta-feira o julgamento dos 19 militares acusados no processo do Curso de Comandos. Dois jovens perderam a vida em setembro de 2016, no decurso do 127.º curso da força de elite. Pela primeira vez, a morte de recrutas chega a julgamento. Até aqui os processos disciplinares eram arquivados dentro do exército.
Dezanove militares do Exército estão acusados de 539 crimes, alegadamente cometidos durante o curso de Comandos. São crimes militares de abuso da autoridade por ofensa à integridade física.
Os exercícios realizados pelos alunos do curso de comandos foram descritos como muito duros e juntamente com a privação de água acabaram por provocar a morte de dois recrutas de 20 anos por "golpe de calor".
As famílias de Hugo Abreu e Dylan Araújo da Silva pedem no total 700 mil euros de indemnização.
A acusação do Ministério Público e a pronúncia da juíza de instrução são arrasadores para os 19 arguidos, todos eles do regimento dos comandos. São oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores.O diretor do 127.º curso de Comandos, tenente-coronel Mário Maia, está acusado de 26 crimes, o capitão Rui Monteiro, comandante da Companhia de formação deste curso de Comandos, responde por 30 crimes e o capitão médico, Miguel Domingues, responsável pela equipa sanitária, está acusado de 29 crimes.
Os tenentes Hugo Pereira, Miguel Almeida e Pedro Fernandes estão acusados de nove, sete e 60 crimes, respetivamente, enquanto os alferes Tiago Costa e Cristiano Monteiro vão responder por 9 e 4 crimes, respetivamente.
Os oito sargentos estão acusados dos seguintes crimes: Ricardo Rodrigues (seis crimes), Nuno Pinto (dois), Lenate Inácio (três), José Silva (um), Messias Carvalho (10), Gonçalo Fulgêncio (69), Tiago Arsénio (67) e o também enfermeiro João Coelho (um).
Fábio António, Joel Gonçalves e José Pires, da classe de praças e auxiliares da instrução de tiro de combate estão acusados de 69, 68 e 69 crimes, respetivamente.
Dois jovens, de 20 anos, perderam a vida. Um deles, Hugo Abreu, morreu no dia em que começou o curso dos Comandos, depois de exercícios físicos duros debaixo de um sol abrasador. O jovem madeirense morreu sem o médico dos comandos estar presente. Dylan Araújo da Silva morreu ao fim de seis dias e de ter passado por dois hospitais.Os dois morreram por golpe de calor, ou seja, desidratação que que levou à falha de múltiplos órgãos.
Margarida Neves de Sousa, Carlos Felgueiras - RTP
"Desde o início da denominada 'Prova Zero', os formandos foram confrontados com comportamentos profundamente violentos dos formadores e só o medo da prática de comportamentos ainda mais violentos que caracterizaram a atuação de todos os formadores, do diretor da prova, do comandante de Companhia e até da equipa sanitária - médico e enfermeiro -, justificou que os formandos tenham permanecido durante a noite do dia 04 de setembro de 2016 no Campo de Tiro de Alcochete", frisa o MP.
A acusação acrescenta que, ao sujeitarem os ofendidos a essa "penosidade física e psicológica" durante a recruta, todos os arguidos sabiam que "excediam os limites" permitidos pela Constituição e pelo Estatuto dos Militares da Forças Armadas e "colocaram em risco a vida e a saúde dos ofendidos, o que aconteceu logo no primeiro dia de formação".
Os arguidos são ainda acusados de cometerem várias agressões contra os recrutas, nomeadamente o facto de obrigarem os formandos a "rastejarem nas silvas", ou de privarem/racionarem a água aos instruendos, apesar das condições extremas de temperaturas elevadas.