Operação Lex, dia 2. O caso que atinge Vieira e Rangel em dez perguntas

por Christopher Marques - RTP
Os juízes Rui Rangel e Fátima Galante encabeçam a lista que conta já com 12 arguidos. Lusa

Ao segundo dia, a Procuradoria-Geral da República confirmou que o presidente do Benfica é um dos arguidos da Operação Lex. O Ministério Público indica que também o vice-presidente do Benfica Fernando Tavares é arguido no processo que tem Rui Rangel como figura central. A operação conta com 12 arguidos, cinco dos quais estão detidos. Os juízes Rui Rangel e Fátima Galante permanecem em liberdade, protegidos da prisão preventiva pelo Estatuto dos Magistrados.

Ao segundo dia, a Procuradoria-Geral da República confirmou que Luís Filipe Vieira é um dos arguidos da Operação Lex. No entanto, o advogado do líder encarnado continua a negar. João Correia argumenta que não foram apresentados em concreto os factos imputados para que Vieira fosse constituído arguido.

A justiça confirma ainda que o vice-presidente do Benfica Fernando Tavares é outro dos arguidos. Tavares é responsável pelas modalidades no clube encarnado e fez parte da lista candidata à presidência do Benfica que Rangel apresentou em 2012.

O juiz é o ponto central nesta investigação que nasceu de uma certidão extraída da operação Rota do Atlântico, processo em que José Veiga está envolvido e que investiga crimes de corrupção no comércio internacional.
O que está em investigação?
A Operação Lex investiga um alegado esquema em que juízes do Tribunal da Relação de Lisboa seriam corrompidos para tomar decisões favoráveis a determinados indivíduos ou empresas.

Nas palavras da Procuradoria-Geral da República estão em causa suspeitas dos crimes de “corrupção e recebimento indevido de vantagem, branqueamento de capitais, tráfico de influências e fraude fiscal”.

Os juízes Rui Rangel e Fátima Galante encabeçam a lista que conta já com 12 arguidos. São ambos desembargadores – juízes de um tribunal de segunda instância – no Tribunal da Relação de Lisboa.

Rui Rangel e Fátima Galante foram notificados para comparecer nos dias 8 e 9 de fevereiro no Supremo Tribunal de Justiça.
Rui Rangel não foi detido. Porquê?
Apesar de ser a peça central desta investigação, Rui Rangel não foi detido pelas autoridades. Também a sua ex-mulher Fátima Galante permanece em liberdade. O Estatuto do Magistrado prevê que não possam ser detidos, salvo em circunstâncias excecionais.

O artigo 16.º desse mesmo estatuto indica que os magistrados judiciais só podem ser colocados em prisão preventiva caso sejam apanhados em flagrante delito ou no caso de já ter sido marcada a data do julgamento.

Nenhum dos casos se aplica a estas circunstâncias. O facto de Rangel ser desembargador implica ainda que as diligências sejam acompanhadas por um juiz de uma instância superior. O processo está por isso a ser seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça.Quem são os restantes arguidos?
A Operação Lex conta com 12 arguidos: cinco que estão detidos, dois juízes que não podem ser colocados em prisão preventiva e cinco outros arguidos, entre os quais se encontra o presidente do Benfica Luís Filipe Vieira, o vice-presidente do Benfica Fernando Tavares e o advogado João Rodrigues, ex-dirigente da Federação Portuguesa de Futebol.

Os detidos são o advogado Santos Martins, próximo de Rui Rangel e que seria o seu testa de ferro em todo o processo. O seu filho também se encontra detido e seria o titular da conta onde era depositado o dinheiro que tinha Rangel como destinatário.


Está também detido Jorge Barroso, advogado de Luís Filipe Vieira para as questões imobiliárias. Estão ainda detidos o oficial de justiça Octávio Correia, homem que facilitaria os acórdãos e também faria parte do esquema e Rita Figueira, mãe da filha mais nova do juiz Rui Rangel.

Em liberdade encontram-se também os arguidos Bruna Garcia Amaral, última namorada de Rangel, e Albertino Figueira, pai de Rita Figueira.
Como surge a investigação?
Foram as buscas da Rota do Atlântico que motivaram a certidão que dá agora lugar à Operação Lex. Durante a operação foram encontrados e-mails e talões de depósitos milionários na conta bancária de Rui Rangel, o que permitiu aos investigadores desenhar aquele que seria o circuito do dinheiro.

O dinheiro teria origem em transferências bancárias de José Veiga. Sairia de uma empresa estrangeira do empresário e seria depositado na conta de um jovem desconhecido. Este jovem é o filho do advogado Santos Martins. Tanto o filho como o pai foram detidos esta terça-feira.

O dinheiro seria depois levantado pelo advogado que o depositava em mão na conta de Rui Rangel. Os depósitos seriam sempre inferiores a dez mil euros, de forma a escapar ao sistema de alerta de branqueamento de capitais.
Quem é Rui Rangel?

O homem no centro desta operação policial não é novidade no espectro mediático nacional. Soma intervenções e posição controversas e tentou já chegar, sem sucesso, à liderança do Benfica.

Rui Rangel conta 62 anos de vida e 35 anos de magistratura. Nasceu em Angola, tendo posteriormente estudado Direito em Lisboa. É juiz desembargador há 13 anos, ou seja, magistrado num tribunal de segunda instância, neste caso o Tribunal da Relação de Lisboa.

Em 1992, Rangel torna-se secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tendo fundado em 2007 a Associação de Juízes pela Cidadania. É nesse mesmo ano que tenta, juntamente com José Veiga, levar José Eduardo Moniz até à liderança do Benfica.

Cinco anos depois, é ele próprio que tenta chegar ao cargo ocupado por Luís Filipe Vieira desde 2003. Rui Rangel promete que “vai limpo para o Benfica e vai sair limpo do Benfica”, não poupando nas críticas à gestão de Filipe Vieira.

“Estou cansado, enquanto benfiquista, de ver o Benfica estar cada vez mais pobre e as pessoas que circulam à volta do Benfica estarem cada vez mais ricas”, afirma então. Nas urnas, Rangel sofre uma pesada derrota: obtém apenas 13 por cento dos votos, contra os mais de 80 por cento conquistados pelo presidente recandidato.

Na justiça, o seu nome aparece envolvido na operação Rota do Atlântico, de onde é extraída a certidão que dá agora lugar à Operação Lex.

Rui Rangel é ainda notícia na Operação Marquês, em 2015, quando decide - a favor de José Sócrates - que não se justificava a continuação do segredo de justiça. Com esta decisão, os advogados do ex-líder socialista passaram a ter acesso a todos os autos da investigação.

Em fevereiro de 2017, Rui Rangel volta a ser escolhido, por sorteio, para avaliar um novo recurso de José Sócrates. O Ministério Público pede o seu afastamento por considerar que há “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”. O Supremo Tribunal de Justiça decide afastar o juiz desembargador de qualquer decisão relacionada com o processo que investiga o ex-primeiro-ministro.
Qual a relação com o Benfica?
As buscas de terça-feira tiveram como alvo a casa de Rui Rangel, o Tribunal da Relação, o escritório de Santos Martins e sua casa, escritórios de alegados corruptores e ainda a SAD do Benfica e a casa de Luís Filipe Vieira. O Presidente do Benfica é mesmo um dos arguidos do processo.

Em comunicado, o clube da Luz confirmou ser alvo de buscas mas sublinhou que a investigação não envolve o Benfica. O advogado dos tetracampeões nacionais afirmou que as buscas visaram documentos contabilísticos e denunciou o que considera ser uma campanha de perseguição em curso contra o Benfica.

Pelos dados até agora conhecidos, a investigação não envolve diretamente o Benfica. No entanto são investigadas várias personalidades ligadas à gestão dos encarnados nas últimas décadas.

A operação Lex nasce de uma certidão autónoma retirada do processo Rota do Atlântico, oito meses depois das primeiras detenções. A Rota do Atlântico investiga crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, tráfico de influências e tem o empresário José Veiga como um dos principais arguidos. Veiga foi diretor desportivo do Benfica até 2007.

Também Manuel Damásio foi constituído arguido no âmbito desta operação que teve início em 2016. Damásio foi presidente do Benfica entre 1992 e 1997, antes de ser sucedido por Vale e Azevedo.

Durante as buscas da Rota do Atlântico foram encontrados e-mails e talões de depósitos milionários na conta bancária do juiz Rui Rangel, ele próprio reputado benfiquista, tendo mesmo sido candidato à presidência dos encarnados em 2012.

Esta terça-feira, as autoridades realizaram buscas no gabinete do vice-presidente para as modalidades do Benfica, Fernando Tavares. Tavares era o número dois da candidatura de Rangel à presidência do Benfica e é agora arguido do processo Lex.
Filipe Vieira é mesmo arguido?
As dúvidas surgiram na imprensa da manhã, alimentadas pelas declarações proferidas na terça-feira pelo advogado do Benfica e pelo comunicado pouco claro feito pela Procuradoria-Geral da República no dia das buscas que falava apenas em “dirigente desportivo”.

Esta quarta-feira, o Ministério Público confirmou que Luís Filipe Vieira foi mesmo constituído arguido na sequência da Operação Lex. A PGR indicou ainda que Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica para as modalidades, também foi constituído arguido.

A RTP apurou que, na segunda-feira, depois das buscas realizadas na SAD do Benfica e em casa de Vieira, o presidente do Benfica recusou-se a assinar a constituição de arguido.

Apesar da sua recusa em assinar o documento, Vieira é mesmo arguido no processo, garantem as autoridades. Neste caso, juntou-se ao processo um "auto de recusa" que será tido em conta quando for ouvido enquanto arguido.

A defesa de Luís Filipe Vieira apresenta uma postura diferente. O advogado João Correia considera que Vieira não é arguido, alegando que não foram apresentados em concreto os factos imputados. “Poderá vir a ser arguido mas não é”, garante.
Qual o papel de Luís Filipe Vieira?

O papel do atual presidente do Benfica nesta investigação é ainda pouco claro. O certo é que a casa de Filipe Vieira foi alvo de buscas na terça-feira e que o líder encarnado foi constituído arguido, estando sujeito a Termo de Identidade e Residência, a medida de coação mais leve prevista na legislação portuguesa.

Do que já é conhecido, a investigação ao presidente do Benfica não está relacionada diretamente com a gestão do clube mas sim com os negócios privados de Luís Filipe Vieira.

A imprensa avançou que Vieira seria um dos clientes de Rui Rangel. O presidente do Benfica teria pedido ao juiz para interceder no caso de uma dívida fiscal do filho Tiago Vieira no valor superior a um milhão e meio de euros. Em troca terá oferecido a Rangel cargos na Fundação Benfica e numa Universidade que seria criada no Seixal.

Em comunicado enviado esta quarta-feira às redações, o filho do presidente do Benfica esclarece não ter qualquer dívida fiscal e afirma que o contencioso em causa é entre o fisco e Luís Filipe Vieira.

Tiago Vieira afirma ainda que está em causa um diferendo sobre o IRS de Vieira no ano fiscal de 2010. Segundo o filho do dirigente encarnado, Luís Filipe Vieira declarou todos os rendimentos auferidos e discordou da liquidação de imposto processada pelo fisco, por ter um “entendimento diferente” quanto à tributação das mais-valias obtidas.

Tiago Vieira esclarece ainda que o tal “imposto superior a 1,6 milhões de euros” foi “integralmente pago” e que Luís Filipe Vieira espera agora que a justiça se pronuncie e que “lhe seja restituído o valor” que acredita ter sido “liquidado em excesso”.
Em que negócios está Vieira envolvido?
A carreira empresarial de Vieira é muito anterior ao seu papel no Benfica. Começa por estar ligado à indústria dos pneus, onde ganha a alcunha de “Kadhafi dos pneus”. Afirma-se depois na construção civil.

Com mais dois sócios, funda a Obriverca em 1985, empresa que chega a ser considerada uma das maiores construtoras do país. Luís Filipe Vieira sai da empresa em 2001. A empresa entrou em processo de insolvência no ano passado.

Nem tudo corre bem na carreira empresarial de Vieira. É arguido por suspeitas de ter causado um prejuízo de 23 milhões de euros ao extinto BPN por alegada burla qualificada, falsificação e branqueamento de capitais. Vieira acumulou ainda uma dívida superior a 400 milhões de euros ao Novo Banco, que conseguiu reestruturar no ano passado.

O atual presidente do Benfica desistiu da construção e dedica-se agora ao imobiliário. É presidente do conselho de administração do grupo Promovalor, que é gerido pelo seu filho Tiago Vieira.

Luís Filipe Vieira tem ainda um historial de relações com José Veiga e Rui Rangel, em que o clube encarnado surge como ponto de ligação. José Veiga foi diretor desportivo de Vieira no Benfica, antes de sair em litígio com o presidente.

Rui Rangel candidatou-se contra Luís Filipe Vieira em 2012, numa campanha dura com fortes acusações contra Vieira. Acusou a gestão benfiquista de enriquecer pessoalmente à medida que a equipa perdia recursos.

Em 2016, tudo mudou e Rangel apoiou Vieira na sua última candidatura à liderança do Benfica. Os dois são vizinhos no mesmo condomínio no Dafundo.
Onde se realizaram buscas?
Na terça-feira, as autoridades realizaram 33 operações de busca no âmbito no âmbito desta operação Lex. Entre os locais alvos de diligência encontram-se 20 casas, nomeadamente as de Rui Rangel e Luís Filipe Vieira no condomínio do Dafundo onde os dois são vizinhos.

Foram também alvos de busca a SAD do Benfica no Estádio da Luz, o Tribunal da Relação de Lisboa - onde trabalha Rangel - e três escritórios de advogados.

A vasta operação contou com quase 200 investigadores, entre os quais se encontram inspetores da Unidade Nacional de Combate à corrupção da Polícia Judiciária, procuradores do Departamento Central de Instrução e Ação Penal e juízes.

Nas buscas participaram quatro juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente Souto Moura, ex-Procurador-Geral da República. Souto Moura esteve presente nas buscas a casa de Rui Rangel e nas perícias ao carro do magistrado. Ainda antes de Souto Moura chegar a casa do juiz desembargador, jornalistas da revista Sábado já se encontravam no local.

Apesar de ter acompanhado as diligências, Souto Moura não continuará com o processo. Será o juiz conselheiro Pires da Graça, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz de instrução deste caso.
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