Portugal em risco de desertificação
Mais de metade do território português corre o risco de ficar deserto e seco nos próximos 20 anos e cerca de um terço já está afectado pela desertificação, alertou o presidente da associação ambientalista LPN.
O especialista, Eugénio Sequeira, disse à agência Lusa que as zonas já atingidas pela desertificação, quer ao nível dos solos, quer da população, são o Alentejo, o interior algarvio e toda a fronteira com Espanha, do Algarve a Trás-os-Montes.
O presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) falava à Lusa a propósito das terceiras Jornadas Ambientais da organização, que decorrem entre quinta-feira e domingo no Cine-Teatro Municipal de Castro Verde (Beja), e que vão abordar o fenómeno da desertificação.
"Portugal é um dos países onde a desertificação tem especial relevância e, se nada for feito nos próximos 20 anos, cerca de 66 por cento do território pode ficar deserto e seco", acentuou.
Como causas deste cenário, que ameaça "ensombrar" mais de metade do território nacional, o especialista aludiu ao agravamento dos efeitos da seca, aos incêndios florestais, ao crescimento urbano indevido em terras com potencial agrícola e à degradação dos solos, em resultado dos "maus usos e da poluição".
Mas, independentemente desse cenário futuro, cerca de um terço do território já sofre "uma grave desertificação", da qual a seca, os incêndios florestais e o despovoamento do interior, devido à "concentração excessiva da economia e da população no litoral", são "expressões evidentes".
"A aridez dos solos já atinge quase todo o Alentejo e o interior algarvio", sublinhou, alertando mesmo para proporções "quase dramáticas" na margem esquerda do Guadiana, nos concelhos de Mértola, Castro Marim e Alcoutim.
O fenómeno não está, contudo, confinado ao Sul do país, pois, disse, "todo o interior junto à fronteira com Espanha, do Algarve a Trás-os-Montes, está a ficar deserto", com a perda de potencial biológico dos solos (desertificação física) e de população (desertificação humana).
Para inverter esta tendência de desertificação e "evitar os piores cenários", o especialista defende a adopção de medidas "concretas e eficazes" de fixação da população activa nos meios rurais, de conservação do solo e da água e de recuperação das áreas já afectadas.
"Se nada for feito, Portugal deixará de ser competitivo a nível europeu, terá grandes dificuldades de abastecimento público de água e a qualidade de vida terá tendência para se degradar", vaticinou.
A investigação das causas e das formas para combater o fenómeno, a sensibilização da população e a inclusão da luta contra a desertificação e a seca nas políticas gerais e sectoriais são outras das medidas preconizadas por Eugénio Sequeira.
Objectivos estratégicos que, aliás, lembrou, já estão definidos desde 1999, quando foi lançado o Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação (PANCD).
Só que, até agora, "muito pouco tem sido feito", lamentou o especialista, que participou na elaboração do PANCD, criticando o facto do programa "praticamente não ter verbas atribuídas", o que leva à "falta de apoios para projectos de investigação em Portugal" sobre a temática.
No Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, as terceiras Jornadas Ambientais de Castro Verde da LPN reúnem mais de 30 especialistas, nacionais e estrangeiros, para "aprofundar o conhecimento público e científico sobre o processo de desertificação".
Rita Alcazar, da LPN, adiantou que o encontro pretende "discutir as implicações ambientais, económicas e sociais do fenómeno, através do intercâmbio de experiências, nacionais e internacionais, que fomente o desenvolvimento de medidas de mitigação e combate à desertificação".
Para sensibilizar a comunidade local, o encontro começa, quinta-feira, às 14:30, com um debate sobre desertificação com os alunos da Escola Secundária de Castro Verde.
Nos dois dias seguintes, de entre os temas em debate, destaca-se, no âmbito da desertificação física, a relação entre as alterações climáticas, os incêndios e a desertificação, bem como as causas, os impactos e as perspectivas da seca no Mediterrâneo.
A desertificação nos Estados Unidos da América, as iniciativas espanholas na luta contra o fenómeno e o Sistema de Avaliação e Controlo da Desertificação no Mediterrâneo Ocidental são outros dos assuntos em cima da mesa.
Quanto à desertificação humana, o encontro vai abordar o fenómeno da litoralização, concentração urbana e despovoamento de áreas rurais, a partir das tendências recentes da organização espacial da população no Noroeste Português (1981-2006).
Os projectos Desert Watch e AquaStress, a gestão agrícola e florestal na Rede Natura 2000, o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural e a Directiva Comunitária sobre Protecção dos Solos são algumas das iniciativas de combate à desertificação em análise.
O encontro termina, domingo, com uma visita ao projecto-piloto de combate à desertificação que a LPN está a desenvolver na Herdade de Vale Gonçalinho, em Castro Verde, desde o ano agrícola de 2000/2001 Inserido no PANCD, o projecto decorre numa herdade da estepe cerealífera do Campo Branco, em que a planície é caracterizada por mosaicos de cereais, leguminosas e pousios, dos quais dependem aves ameaçadas de extinção como o sisão e a abetarda.
"O projecto está a testar práticas agrícolas de protecção e conservação da terra (solo, vegetação e água) que serão, gradualmente, difundidas junto dos agricultores da região", precisou Eugénio Sequeira.