PS atribui denúncia em artigo de Mário Crespo a "estado psicótico"

por RTP
Mário Crespo diz ter sido "o epicentro" de uma alegada conversa entre José Sócrates, Pedro Silva Pereira e Jorge Lacão Miguel A. Lopes, Lusa

O dirigente do PS José Lello considera que Mário Crespo mostrou um “comportamento psicótico” ao denunciar, num artigo rejeitado pelo Jornal de Notícias, uma alegada conversa entre José Sócrates, Pedro Silva Pereira e Jorge Lacão em que terá sido definido como “um problema” a “ser solucionado”. O Bloco de Esquerda defende a abertura de um inquérito da ERC.

Sob o título "O Fim da Linha", o artigo de Mário Crespo deveria ter sido publicado na edição de segunda-feira do Jornal de Notícias. Contudo, a direcção do diário questionou o conteúdo do texto. O artigo do jornalista da SIC acabou por ser publicado no site do Instituto Sá Carneiro, uma estrutura ligada ao PSD.

No artigo, Mário Crespo revela uma alegada conversa, durante um almoço no restaurante de um hotel da capital, entre o primeiro-ministro, José Sócrates, o ministro de Estado Pedro Silva Pereira e o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão. O jornalista afiança ter sido "o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor".

"Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil ('um louco') a necessitar de ('ir para o manicómio'). Fui descrito como 'um profissional impreparado'. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como 'um problema' que teria que ter 'solução'", escreve Mário Crespo, acrescentando que "houve, no restaurante, quem ficasse incomodado como a conversa e me tivesse feito chegar um registo".

"É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): '(...) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (...)'", afirma Mário Crespo.

O próprio jornalista confirmaria, ouvido pela agência Lusa, que o director do Jornal de Notícias o informou domingo "à meia-noite que não iria publicar" o artigo. "Com esta direcção nunca mais escrevo", asseverou.

José Lello critica Mário Crespo e Oposição de esquerda

Em declarações à Antena 1, José Lello condenou o conteúdo do artigo de Mário Crespo, afirmando que o jornalista mostrou um "comportamento psicótico". Na esteira de uma fonte do Ministério dos Assuntos Parlamentares, que disse à agência Lusa que "o Governo não se ocupa de casos fabricados em calhandrices", José Lello criticou ainda o jornalista por ter recorrido "a uma organização partidária".

"Ele dizer que fulano disse que disse, ou não disse, só prova de facto que o comportamento dele é psicótico. Ainda para mais, se de facto não conseguiu expressar a sua raiva por uma coisa que ninguém sabe se foi dita, em que circunstâncias poderá ter sido dita, foi recorrer a uma organização partidária para expressar toda essa raiva, pelo facto de dizerem que ele está num estado psicótico", afirmou Lello.

"Tenho pena, porque gostava de o ver de uma forma mais exaltante do que o ver assim deprimido a precisar de apoio", acrescentou.

Confrontado com as posições assumidas por BE e PCP, que defenderam o apuramento da verdade dos factos, José Lello declarou: "Tão psicóticos estão uns como ele".

Por seu turno, o ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, diz que "não merece nenhum crédito" a informação sobre alegadas críticas de elementos do núcleo duro do Governo a Mário Crespo: "Ouvi alguém querer fazer um texto com base no que supõe serem informações que lhe tenham sido transmitidas acerca de conversas privadas, tidas em restaurantes, e eu acho isso absolutamente inacreditável".

"De uma coisa podem os senhores jornalistas estar seguros. Enquanto político eu nunca me interessarei por conversas que jornalistas tenham numa mesa perto de mim, num restaurante onde possa estar", acrescentou o ministro.

Bloco de Esquerda quer intervenção da ERC

O Bloco de Esquerda sustentou ontem que a decisão do Jornal de Notícias deve ser escrutinada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), argumentando que "esse será o mecanismo mais normal, mais útil, mais transparente".

"A existência da possibilidade de um acto que se possa parecer com censura exige investigação. Não se deve tirar conclusões antes de uma investigação que deve ser a ERC a fazer", propugnou a deputada bloquista Catarina Martins.

Na mesma linha, os comunistas, pela voz de Vasco Cardoso, afirmam "estranhar a atitude" da direcção do Jornal de Notícias: "O PCP não pode deixar de estranhar a atitude por parte do Jornal de Notícias, que se recusou a publicar um artigo de opinião por parte de Mário Crespo, quando na verdade tal artigo só responsabilizaria o seu autor".

"Mas queremos adiantar também que as questões suscitadas pelo próprio jornalista num artigo de opinião enviado ao Jornal de Notícias para sua publicação, designadamente quando admitem a possibilidade de interferência e pressão do primeiro-ministro na comunicação social, são em nosso entender suficientemente inquietantes para que se exija um total apuramento da verdade dos factos", vincou Vasco Cardoso à rádio pública.

Horas antes, já o eurodeputado social-democrata Mário David acusara o Jornal de Notícias de ter censurado o artigo do jornalista. Por seu turno, o líder do CDS-PP referiu-se a Mário Crespo como "um jornalista com independência" e "uma pessoa muito profissional". "Portanto, nenhum dos qualificativos que ouvi por aí se lhe aplica", sublinhou Paulo Portas.

Factos "necessitavam de confirmação"

Numa nota entretanto publicada, a direcção do Jornal de Notícias argumenta que "o texto de Mário Crespo não era um simples texto de opinião", uma vez que "fazia referência a factos que suscitavam duas ordens de problemas: por um lado necessitavam de confirmação, de que fosse exercido o direito ao contraditório relativamente às pessoas ali citadas; por outro lado, a informação chegara a Mário Crespo por um processo que o JN habitualmente rejeita como prática noticiosa; isto é: o texto era construído a partir de informações que lhe tinham sido fornecidas por alguém que escutara uma conversa num restaurante".

"Da conversa entre o director e o colaborador do jornal resultou que este decidiu retirar o texto de publicação e informou que cessava de imediato a sua colaboração com o jornal, o que a Direcção do JN respeita", conclui a nota.

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