Parkinson. "Estou cheia de medo do que possa acontecer"

por RTP
Cerca de um por cento da população mundial com mais de 65 anos sofre de doença de Parkinson, o que a torna a segunda mais comum a nível mundial. RTP

No fim de setembro a vida de Luísa Maria mudou. A doença de Parkinson bateu à porta e entrou. Sem pedir licença. A doença de Parkinson é a segunda doença neuro-degenerativa mais comum, mas é ainda uma realidade conhecida por poucos.

“Por mais que queira esquecer não consigo”. É este o pensamento de Luísa Maria, diagnosticada com doença de Parkinson há cerca de dois meses. A vida mudou quando foi ao neurologista.

Todos os dias a rotina de Luísa Maria é a mesma: acordar e tomar os medicamentos. O início de um longo dia. A caixa de medicamentos diz manhã, tarde e noite. E não é a única. Há mais duas caixas com a mesma indicação.

“Tenho uma farmácia completa. Quem quiser medicamentos pode vir a minha casa”, diz Luísa entre risos.Luísa já suspeitava que podia ter Parkinson, mesmo antes do diagnóstico. Disse isso mesmo ao médico que lhe respondeu: “Parabéns. É a primeira pessoa que faz um diagnóstico a si própria”. No dia do diagnóstico, o médico pediu à doente para realizar uma série de exercícios. Andar, mexer os braços, fechar os olhos em pé, mover o pescoço e falar.

O Parkinson surge quando há a morte das células neuronais de uma zona do cérebro chamada substância negra, a área que produz a dopamina e que é responsável pela coordenação dos movimentos e possibilita ao doente ter suavidade nos movimentos que executa. Estes neurónios não voltam a nascer e quando morrem cerca de 60 a 80 por cento dos mesmos dá-se a doença de Parkinson.
A maior porção dos casos envolvem pessoas com mais de 65 anos. Apenas cerca de dez por cento afeta pessoas com menos de 45.
Ana Botas é vice-presidente da Associação de Doentes de Parkinson (APDk) e está numa das dez delegações que existem no país. Situada no Bairro da Liberdade, em Lisboa, a associação diz “Não ao Isolamento” todos os dias, recebendo vários doentes de Parkinson para convívios e realização de exercícios que estimulam o corpo. Ali, as passadeiras de exercício têm uma fita amarela no chão que instigam as pessoas a continuar a caminhar. E a ter esperança.

Ana Botas explica que o tratamento para o Parkinson é feito através da experimentação. Ao longo do tempo observa-se se o doente está a reagir bem a determinada medicação, que é ajustada conforme as necessidades.
Sintomas de um doente de Parkinson

Os principais sintomas de um doente de Parkinson passam pelas funções motoras. “O tremor em repouso, quando vemos as pessoas a tremer", explica Ana Botas. Mas também "a rigidez muscular, em que os músculos ficam tensos e as pessoas têm dificuldade em escovar-se, em pentear-se ou a engolir. E a postura e a marcha, que fica descoordenada”, acrescenta a vice-presidente da APDk.

“Os doentes de Parkinson têm de tomar muitos medicamentos. A determinada altura torna-se muito difícil de engolir”, diz Ana Botas. “Têm de aprender a arranjar escapes para conseguir comer alguns produtos ou então têm de tomar os comprimidos de outra forma”.

Cerca de 90 por cento dos casos tem origem desconhecida e apenas cinco a dez por cento tem origem genética. Um dado que contraria a perceção de uma grande parte da sociedade.“Imagine o que é ir a atravessar a rua e de repente ter um bloqueio de marcha? Não consegue andar. Isso é um pânico para uma pessoa e afeta muito a qualidade de vida”, diz Ana Botas.

O sintoma motor considerado universal é a bradicinesia, ou seja, a dificuldade em iniciar movimento, que faz com que os doentes fiquem muito lentos e demorem tempo a reagir a várias situações.

São estes sintomas que Luísa Maria receia. “O não me pentear e o não me poder maquilhar. Pessoas ligadas a mim sabem que todos os dias estou maquilhada e vestida como se fosse sair. Sou vaidosa”.

Para já, diz Luísa Maria, não sente grandes alterações motoras, apenas que a mão está a tremer um pouco mais e que a voz está a ficar rouca, devido à quantidade de fármacos que ingere. Sente, no entanto, que há uns tempos tremia o queixo e agora, com os comprimidos, deixou de o fazer.

Luísa Maria é apenas uma dos mais de 13 mil doentes que existem em Portugal. Este é um número revelado depois da realização de um estudo pioneiro no país - Estudo Epidemiológico de Avaliação da Prevalência da Doença de Parkinson - realizado em 2014 com o objetivo de se contabilizar o número de doentes de Parkinson em Portugal.

Um valor que, de acordo com Ana Botas, não reflete toda a realidade. “Houve uma parte do estudo porta-a-porta que foi esquecida: os lares, que têm muitas pessoas com doença de Parkinson”. Por isso, a APDk estima que existam entre 18 a 20 mil pessoas que têm doença de Parkinson em Portugal.

Uma doença estudada mas ainda com muito por explorar.

“Não dormia e chorava”
Só mais tarde, depois da consulta com o neurologista, e quando começou a pensar sobre o futuro, Luísa Maria percebeu o que estava a acontecer. Lembra-se de ter pensado: “Agora vou ficar entravada, vão ter de me dar de comer e cuidar de mim, vou ficar paralisada”.

“Não dormia e chorava, até que me fui habituando”. Ainda assim, refere com receio no olhar: “Estou cheia de medo do que possa acontecer”.

Para Ana Botas, o fator psicológico é de extrema importância nestes casos. É preciso evitar que a doente entre em depressão e que tenha medo do futuro. “Se a pessoa entrar em depressão isola-se e nós aqui queremos que as pessoas venham aos nossos convívios e que não se isolem”.

Mas Luísa Maria confessa ser complicado estar otimista, porque em tudo o que faz está presente que tem Parkinson. “Não estou com muito ânimo porque ainda não consegui fazer os meus exames nem saber em que estádio da doença estou. É tudo muito demorado”, afirma Luísa Maria.

“Vivo na incerteza”, diz, que a faz ficar acordada até tarde.
A sociedade e os doentes de Parkinson

A discriminação de doentes de Parkinson é algo que Ana Botas admite ser recorrente na sociedade. “A maior parte das pessoas são olhadas de lado na rua porque tremem muito, coxeiam e caem. As pessoas olham de lado e pensam que é um coitadinho. Nós aqui tentamos sensibilizar a população em geral para ver que é uma doença que tem as suas limitações, mas que a vida pode ser feita na mesma.”

E logo acrescenta que quando algo não corre bem é preciso encontrar um caminho alternativo. “Em vez de ir em frente temos de desviar um bocadinho”.

Segundo Ana Botas, a sociedade tem de se preparar mais para a doença de Parkinson porque ainda há muito preconceito.

As atitudes sociais para com os doentes de Parkinson devem ser trabalhadas em vários níveis. Desde os mais novos aos adultos, passando pelos médicos de família na criação de ferramentas para encaminhar os doentes para os neurologistas.

“Não é só a entidade patronal que mete de parte, mas também os colegas”, refere a vice-presidente da APDk.
“Agora saio todos os dias”

Luísa Maria tornou-se mais ativa desde o diagnóstico, e revelou que agora tem feito piscina, jacúzi, sauna e passadeira, atividades que antes não realizava. “Uma coisa que me admirei muito foi fazer bastante tempo de passadeira”, diz.

Apesar de o neurologista lhe ter dado um documento que explica os exercícios que pode fazer em casa para ajudar a não desenvolver os sintomas motores do Parkinson, Luísa diz que não tem paciência para os fazer sozinha – “sou demasiado mandriona” – e, por isso, decidiu “por autorrecriação nadar porque consigo mexer todos os músculos”.

Para já, diz Luísa Maria, não sente grandes alterações motoras, apenas que a mão está a tremer um pouco mais e que a voz está a ficar rouca, devido à quantidade de fármacos que ingere. Sente, no entanto, que há uns tempos tremia o queixo e agora, com os comprimidos, deixou de o fazer.

Doença no estado On e Off

Segundo a vice-presidente da associação é importante que a toma dos fármacos seja feita a horas. Um doente pode estar em estado On, ou seja, quando quase não tem sintomas de Parkinson e em estado Off, quando sente esses mesmos sintomas com gravidade. Se o doente não tomar os medicamentos a horas, o estado Off pode ser prolongado.
As flutuações entre os estados On e Off dependem das variações nos níveis de fármacos no sangue.
Por vezes, uma pessoa exposta a antidepressivos pode ter algum tipo de parkinsonismo “e normalmente o tremor é visível nesse tipo de pessoas”, explica Ana Botas.

O parkinsonismo, ou seja, o revelar alguns sintomas de Parkinson, pode ser provocado por fármacos - parkinsonismo iatrogénico. Este tipo de Parkinsonismo é responsável por até um quinto dos que existem.

O parkinsonismo pode surgir devido à toma de medicamentos, à ocorrência de AVC e de outras doenças neuro-degenerativas.Luísa Maria toma há quase duas décadas medicamentos para um problema nervoso crónico que surgiu quando a mãe e o pai morreram num curto espaço de tempo. Sabendo agora que a toma de medicamentos pode ajudar a ter sintomas de Parkinson, acredita que o seu caso pode ter origem no "excesso” de fármacos. Questão que ainda está por responder.

Segundo os especialistas, ter uma vida saudável, sem stress e problemas financeiros pode ajudar a evitar a doença. O contrário leva a sociedade a recorrer a fármacos antidepressivos que podem ser causadores de alguns tipos de parkinsonismo.
“Não me importava de correr o risco”

Faz 15 anos desde a realização da primeira intervenção cirúrgica em Portugal a um doente de Parkinson, denominada de estimulação cerebral profunda.

A operação tem por base a implantação de elétrodos em pequenos núcleos cerebrais do doente, que vão estimular a zona e fazer com que a pessoa não trema e consiga realizar melhor a marcha.

A cirurgia é aplicada como complemento à medicação, apesar de não ser cem por cento eficaz. Mas esta cirurgia não está disponível a todos os doentes. Quem decide são os médicos neurologistas. É um processo personalizado, como um “fato feito à nossa medida. Não se pode generalizar”, diz Ana Botas.

“Penso que já não posso fazer a operação devido à idade, porque não me importava de correr o risco”, diz Luísa.
“E se o doente cai acidentalmente?”

A Associação está a trabalhar num projeto que implemente o estatuto trabalhador-cuidador, com o objetivo de reconhecer social e juridicamente os cuidadores informais, geralmente familiares. Este é um processo ainda em fase de deliberação, refere Ana Botas.

Acrescenta que “o estatuto de cuidador é muito importante porque se um cuidador necessita de levar o seu cuidado ao médico, tem que faltar ao trabalho”.

“A pessoa que cuida precisa de descanso, vive as coisas com muita intensidade…há dor”, refere a vice-presidente da APDk.Quanto aos direitos dos cuidadores, explica que atualmente já existe o “descanso do cuidador”, que é quando os doentes de Parkinson vão para um lar durante um tempo definido para que o cuidador descanse.

Ana Botas diz que o doente não morre com Parkinson, mas vive com Parkinson: “é como se tivesse um amigo para a vida toda e temos de nos relacionar muito bem com esse amigo”.

Estudos recentes


Um trabalho recente sobre o Parkinson, liderado por Rui Costa, da Fundação Champalimaud, revelou que a principal alteração nos doentes de Parkinson é a falta dos neurónios responsáveis pela produção de dopamina, células neuronais fundamentais para iniciar movimentos mais fortes.

Concluiu ainda este estudo que a principal dificuldade dos doentes consiste em iniciar o movimento, pois a dopamina afeta o arranque, e não quando o movimento já foi iniciado.

Um trabalho que foi distinguido com um prémio Pfizer, a mais antiga distinção em Investigação Biomédica em Portugal, devido a uma descoberta sobre a bradicinesia.

No mesmo campo de análise, uma outra investigação liderada por Joaquim Ferreira, do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, descobriu que os doentes de Parkinson têm alterações químicas numa proteína, a alfa-sinucleína. Uma proteína que poderá ajudar a diagnosticar precocemente a doença e a acompanhar a sua evolução.

O estudo envolveu pessoas com Parkinson há poucos anos e outras com a doença há mais tempo e concluiu que o diagnóstico precoce pode ajudar a que a doença progrida mais lentamente. Um dado importante uma vez que, em grande parte dos casos, a doença é diagnosticada já numa fase avançada, quando surgem os sintomas motores, como os tremores e rigidez muscular.
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