Excrementos de cavalo esclarecem enigma histórico

por RTP
Ruínas de Cartago, na actual Tunísia Zoubeir Souissi, Reuters

Durante muitos anos, os historiadores discutiram se Aníbal atravessou os Alpes pelo caminho mais curto ou pelo caminho mais fácil. Dos excrementos conclui-se: foi pelo mais curto.

A travessia realizou-se no ano 218 antes de Cristo e constituiu uma das proezas militares mais notórias da Antiguidade: um exército de 38.000 homens veio do Norte de África, desembarcou na Península Ibérica e pôs-se a caminho da Península Itálica. Levava consigo 15.000 cavalos e 37 elefantes - sendo estes sobretudo uma máquina de guerra psicológica, que aterrorizava os inimigos, mas era imprestável para um confronto nos climas inóspitos da Europa.

O general Aníbal, com 28 anos de idade, procurava com essa enorme expedição atingir os centros vitais de um império nascente, que disputava à sua Cartago norte-africana a hegemonia sobre a bacia do Mediterrâneo.

O problema de como atravessar os Alpes era difícil de resolver e nesse transe morreram numerosos soldados e, sobretudo, grande parte dos elefantes. Há mais de um século, o historiador Gavin de Beer sugeriu que, nessa difícil escolha, Aníbal terá optado pela rota mais curta, pelo sul, através do desfiladeiro de Traversette. Mas a hipótese não convenceu a comunidade científica, porque o caminho, a 3.000 metros de altitude, era muito difícil de percorrer.

Outros especialistas emitiram então como hipóteses alternativas a de um caminho pelo desfiladeiro de Montgenèvre, Havia ainda a possibilidade de as tropas cartaginesas terem seguido um caminho mais a norte, ao longo do rio Isère e depois pelo desfiladeiro de Clapier, ao nível do rio Pó.

Agora, o geólogo William Mahaney, da Universidade York, de Toronto, interveio na discussão, a favor da hipótese original, reforçando a aposta no caminho pelo desfiladeiro de Traversette com um argumento que é, pode dizer-se, de bosta cavalar.

Segundo um relato publicado no diário suíço Neue Zürcher Zeitung, Mahaney e dois outros investigadores partiram desse caminho como o mais provável e foram analisar os solos a 2.600 metros de altitude. Aí encontraram altas densidades de dióxido de carbono e vários marcadores biológicos que indicam a existência de grande quantidade de excrementos. Depois, trataram de determinar a idade desses materiais e chegaram à conclusão que coincide aproximadamente com a data da travessia alpina de Aníbal.

Além disso, encontraram também um micróbio de um grupo bacteriano chamado Clostridia, habitual nas fezes e capaz de sobreviver durante milénios. E procuram ainda ovos de parasitas que possam indicar a presença, àquela data e naquele local, de cavalos, pessoas e mesmo elefantes.

A perplexidade sobre a escolha de um caminho tão perigoso continua entretanto a ser enfrentada com especulações sobre o receio, por parte de Aníbal, de cair em emboscadas de tropas gaulesas. De qualquer modo, Aníbal conseguiu chegar à Península Itálica e infligir várias derrotas ao exército romano. Mas as perdas que tinha sofrido na travessia dos Alpes iam fazer-se sentir ao cabo de uma campanha prolongada: na batalha de Zama foi derrotado. Cartago, que queria destruir Roma, foi destruída para sempre.
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