Quando uma outra “troika” elogiava a economia portuguesa

por RTP
Rudiger Dornbusch, um dos autores do relatório DR

Em Dezembro de 1975, uma “troika” de economistas concluía em Portugal a missão que viera desempenhar a pedido e por conta da OCDE. O relatório da missão ficou pronto escassos dias depois de acabar o PREC (Processo Revolucionário Em Curso). Tudo parecia conjugar-se para esse relatório constituir um libelo contra os estragos que a revolução fizera na economia. Surpreendentemente, contudo, o relatório regista a situação de uma economia quase florescente.

Num momento em que a "troika" da União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional regressa a Portugal, a fiscalizar a aplicação do memorando com ela assinado, vale a pena recordar essa outra missão, de 1975, constituída por três reputados economistas do MIT (Massachusetts Institute for Technology): Rudiger Dornbusch, Richard S. Eckhaus e Lance Taylor.

A sua distância crítica relativamente ao processo revolucionário derrotado por esses dias não deixava dúvidas, tal como não as deixava a sua recomendação de limitar as conquistas materiais obtidas no ano e meio precedente.

Eco dessas recomendações encontra-se no relatório logo desde o prefácio, da autoria de José Silva Lopes, ministro das Finanças de vários Governos Provisórios. Segundo o prefaciador, apoiado nas constatações do relatório, uma política económica viável “deve refrear o crescimento do consumo dentro de limites fornecidos por balizas realistas, o que estimulará o rápido crescimento da poupança interna, do investimento e das exportações”.

Expectativas catastrofistas

A hipótese de partida dos três investigadores era a “opinião unânime em Portugal de que houve um declínio catastrófico na actividade económica na última metade de 1974 e durante o ano de 1975”. Essa hipótese não resultava apenas dos malefícios atribuídos à revolução, mas também de uma conjuntura internacional especialmente desfavorável.

Recuos do PIB em 1975

EUA: 3%
Alemanha: 3%
RFA: 4%
Itália: 4,5%
Portugal: 3%
Segundo o relatório, “a revolução portuguesa coincidiu com uma depressão quase mundial que teve um impacto particularmente forte sobre os parceiros comerciais de Portugal”. Essa depressão afectou negativamente as exportações portuguesas e as remessas de emigrantes. Por outro lado, o aumento de preços dos combustíveis e de outras mercadorias agravou o défice da balança comercial.

A crise internacional parecia destinada a repercutir-se em Portugal tanto pelo menos como nos restantes países europeus, e sofrendo ainda, provavelmente, um agravamento exponencial ditado pelas circunstâncias da revolução. No entanto, “o observador externo que lê apenas tabelas estatísticas”, como a si próprio se define cada um dos três autores, constata, perplexo, que “o registo do último ano e meio em Portugal não parece muito diferente do do resto da Europa, com algumas discrepâncias intrigantes”.
Actualidade de um velho relatório

O relatório de 1976 foi recuperado do esquecimento pelo coronel João Varela Gomes, em artigo recente, onde comenta:

A actual tutela internacional do País por uma troika neo-liberal torna particularmente oportuno recordar a experiência bem-sucedida (cf. Relatório) de um modelo económico alternativo, diametralmente oposto àquele que está arruinando o presente, hipotecando o futuro, destruindo o pouco que resta da herança de Abril.

In: “Alentejo Popular”, 11 de Setembro de 2011

A grande surpresa: uma economia quase florescente

O que há de intrigante no caso português é, segundo os autores, que, apesar de uma economia deprimida, “o consumo privado aumentou e [aumentou] também a parte do trabalho no rendimento nacional”. Quanto às tendências internacionais de baixa de produção e investimento, défices de pagamentos e inflação, elas não surgem agravadas em Portugal por qualquer circunstância excepcional, e parecem “até sob certos aspectos menos graves em Portugal do que em alguns outros países da Europa ocidental”.

Na verdade, “para um país que passou recentemente por uma reforma social profunda, por uma mudança de maré na posição do seu comércio externo e por seis governos revolucionários nos últimos dezanove meses, Portugal goza de uma saúde económica inesperadamente boa”.


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