Al-Sisi diz-se "alguém que se interessa bastante pelos direitos humanos"

por Paulo Dentinho, Rui Cardoso, Jaime Guilherme, Carlos Oliveira, Samuel Freire

Abdel Fatah al-Sisi, o Presidente egípcio elevado ao poder na sequência do golpe militar de 3 de julho de 2013, foi entrevistado para a RTP. Ouviu as perguntas em inglês e respondeu-lhes em árabe.

A uma pergunta sobre as preocupações que poderia suscitar-lhe o conteúdo islamofóbico dos discursos de Donald Trump, o general-presidente egípcio replicou que as declarações da campanha eleitoral deverão ser reinterpretadas à luz da nova realidade que é o exercício do poder. Afirmou também a sua convicção de que "veremos coisas positivas com o novo presidente eleito".

Para além dos discursos islamofóbicos, existem as realidades materiais de medidas administrativas para a identificação de muçulmanos ou de agressões contra muçulmanos encorajadas pelo ambiente exacerbado durante campanhas eleitorais como a dos EUA, lembrou o entrevistador. E, quando quis saber se essas realidades muito palpáveis não preocupariam o presidente de um país maioritariamente islâmico, recebeu de Sisi a resposta surpreendente: "Todos os países estão a adoptar medidas para garantir a segurança e estabilidade". E a conclusão ainda mais inesperada: "Posso compreender isso".

Questionado sobre a política egípcia em relação à guerra na Síria, al-Sisi saiu por um momento do terreno das generalidades para declarar que se opõe a uma balcanização e fragmentação do Estado sírio. Justificou também a sua coincidência com a Rússia em votação recente no Conselho de Segurança sobre os bombardeamentos contra Alepo com o acordo – não apenas com a Rússia, mas também com a França, frisou – relativo à necessidade de um cessar-fogo e da introdução de ajuda humanitária na cidade. E mostrou pouca ou nula receptividade à ideia de intervirem tropas egípcias na guerra civil síria, ainda que sob a égide da ONU.

A parte da entrevista mais difícil para al-Sisi foi, naturalmente, a que dizia respeito aos Direitos Humanos no Egipto actual.

Al-Sisi procurou, por um lado, apresentar o seu regime como garante das fronteiras europeias em plena crise de refugiados, sugerindo que a intervenção dos militares – mediante o golpe de Estado de 3 de julho de 2013 – impedira uma guerra civil e, portanto, a abertura de mais uma fonte de refugiados a tentarem entrar na Europa.
"Estamos numa região muito turbulenta e essa turbulência afecta toda a situação na região e pode alastrar à Europa (…) Estávamos quase a cair numa guerra civil entre uma facção opositora que estava disposta a recorrer à violência".
Por outro lado, procurou passar a imagem de um regime que observa os padrões internacionais de um Estado de Direito. Confrontado, neste contexto, com uma pergunta sobre o estado de emergência, al-Sisi negou. Confrontado com as acusações dos grupos de direitos humanos relativamente a um número de presos políticos algures entre os 20 e os 40 mil, voltou a negar: "Não são 20, ou 10 mil, ou sequer 5 mil”. Recusou dar um número, esquivando-se apenas para uma afirmação geral: “Se uma pessoa foi presa injustamente, é demasiado".

Instado pelo entrevistador, al-Sisi finalmente disse: "O número de pessoas que estão a ser abordadas não excede as 500". E rematou com nova afirmação a destacar: "Está a falar com alguém que se interessa bastante pelos direitos humanos, não só no Egipto, como no mundo inteiro".

Confrontado com relatos sobre espancamentos de prisioneiros, com julgamentos que não se fazem, ou que se fazem sem as necessárias garantias processuais, refugiou-se numa alegação de intocabilidade do sistema judicial: “Não podemos dizer que há julgamentos injustos, porque isto critica a justiça do sistema judicial egípcio”. E apressou-se a garantir que, se alguém for torturado, alguém será responsabilizado pelas torturas.No Egipto, respeitamos o Estado de Direito e aplicamos a lei. Não há medidas extraordinárias ou excepcionais (…) Não impomos um estado de emergência, somos um Estado normal, cumprimos a lei normal”.

Confrontado ainda com o banimento de vários jornalistas estrangeiros e especialmente com a recente condenação a dois anos de prisão do presidente do Sindicato dos Jornalistas, al-Sisi sustentou que não esteve em causa um delito de opinião: “É uma questão criminal, por ter escondido suspeitos e por obstrução à justiça”.

A uma pergunta sobre a sua atitude quanto à liberdade de imprensa, al Sisi protestou defendê-la “totalmente”. Afirmou também que na imprensa egípcia as pessoas “dizem o que pensam” e invocou como sua testemunha o embaixador português no Cairo: “O embaixador português pode ver isto, pode ver como os meios de comunicação são livres”.

Al-Sisi negou ainda que, na sequência do golpe que depôs o Governo eleito, exista no Egipto uma ditadura e que ele próprio seja um ditador: “Já não há lugar para ditadores no Egipto. Haverá alternância de poder de quatro em quatro anos e o presidente não poderá manter-se no cargo terminado o mandato constitucional”.
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