Bruxelas acusada de tolerar substância cancerígena para agradar à indústria

por RTP
Marcos Brindicci, Reuters

As organizações de defesa do consumidor estão a acusar a Comissão Europeia de ter cedido ao lobby das indústrias alimentares no texto final de um documento que entretanto lhes chegou às mãos antes da publicação. Trata-se de regulamentação dos níveis de acrilamida, uma substância potencialmente cancerígena presente em produtos submetidos (cozinhados) a altas temperaturas, e cujos níveis aceitáveis estão a ser alvo de disputa tanto ao nível científico como ao nível da redacção do legislador.

Os activistas lamentam que documentos ainda por publicar que lhes chegaram às mãos mostrem uma cedência dos legisladores europeus ao lobby das indústrias.

Acrilamida

Substância presente nas partes queimadas de alimentos ricos em amido quando fritos, assados ou cozidos a temperaturas superiores a 248 graus Celsius. É fácil encontrar este químico natural em batatas fritas, cereais de pequeno-almoço, café instantâneo, comida de bebé, tostas ou biscoitos.
De acordo com o online do inglês Guardian, a Comissão Europeia deixou cair a ideia de estabelecer limites legais para a presença nos alimentos da acrilamida, um químico encontrado em alimentos com amido, como batatas fritas, cereais e alimentos para bebés, apenas alguns dias depois de terem sido assinaladas as pressões em Bruxelas dos lobistas que trabalham para as indústrias alimentares.

De acordo com os activistas, esta é uma prova da “influência indevida” e do “escândalo permanente” que constitui a pressão das indústrias sobre os legisladores da União Europeia.

Esta matéria é alvo de dúvidas que não puderam ainda ser totalmente dissipadas pela prova científica. O que se sabe é que a acrilamida é uma substância perigosa que está presente nas partes queimadas de alimentos ricos em amido quando, durante a preparação – fritos, assados ou cozidos –, estes foram submetidos a temperaturas superiores a 248 graus Celsius. Ou seja, é fácil encontrar este químico natural em batatas fritas, cereais de pequeno-almoço, café instantâneo, comida de bebé, tostas ou biscoitos.

As desconfianças levaram já a comunidade científica a trabalhar o problema e, em Junho do ano passado, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA – no acrónimo original para European Food Safety Authority) emitiu um parecer em que se considerava que a acrilamida “aumentava, potencialmente, o risco de desenvolver cancro em todos os grupos etários”. Nesse sentido, recomendava a redução do seu consumo ao mínimo possível, já que não podia avançar com o limite de segurança.

“Uma vez que qualquer nível de exposição a uma substância genotóxica pode potencialmente danificar o ADN e conduzir ao cancro, os cientistas da EFSA concluem pela impossibilidade de estabelecer o que será a ingestão diária tolerável de acrilamida nos alimentos”, refere o texto da EFSA.
Questão de saúde ou de linguagem?
E é neste ponto que está agora a discussão: não ao nível da prova, mas da linguagem escolhida para a recomendação da Comissão Europeia.

Nos documentos a publicar – entretanto alvo de fuga de informação – esperava-se a sedimentação legislativa num texto que fosse no sentido da protecção da saúde pública dos europeus. O Guardian sublinha que era esse o sentido de uma versão que lhe chegou em Junho passado: o texto instava a indústria alimentar a “dar prova de que faz testes regulares aos seus produtos de forma a assegurar … a manutenção da acrilamida a níveis tão baixos quanto razoavelmente possível e pelo menos abaixo dos níveis indicativos referidos no anexo 3”.

Este documento chegaria no entanto às mãos da associação industrial “Food, Drink Europe”, que de imediato fez saber a sua oposição à inscrição na legislação da terminologia “pelo menos abaixo dos níveis indicativos”, queixando-se em carta à comissão de que esta expressão poderia ser entendida no sentido de “os valores indicativos serem limites máximos”.

O resultado da intervenção da indústria junto dos legisladores em Bruxelas foi – assinala o Guardian – o desaparecimento daquela expressão no texto a publicar pela Comissão Europeia.

Martin Pigeon, porta-voz do Corporate Europe Observatory (CEO), lamenta que as boas intenções presentes no documento inicial tenham sido “aniquiladas” face às pressões da indústria: “Este é um novo caso de produção de regulamentos vazios sempre que é dada oportunidade à indústria para se pronunciar sobre as matérias da sua regulação. A prática da Comissão Europeia de secretamente partilhar rascunhos com lobbies da indústria meses antes de serem publicados é um escândalo que precisa de ser travado”.

O diretor de campanha da ChangingMarkets.org considera que “estes documentos (agora alvo de uma fuga de informação) são a prova de que a indústria tem uma influência indevida sobre o processo e o conteúdo desta proposta”.

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