As organizações de defesa do consumidor estão a acusar a Comissão Europeia de ter cedido ao lobby das indústrias alimentares no texto final de um documento que entretanto lhes chegou às mãos antes da publicação. Trata-se de regulamentação dos níveis de acrilamida, uma substância potencialmente cancerígena presente em produtos submetidos (cozinhados) a altas temperaturas, e cujos níveis aceitáveis estão a ser alvo de disputa tanto ao nível científico como ao nível da redacção do legislador.
Bruxelas acusada de tolerar substância cancerígena para agradar à indústria
Acrilamida
Substância presente nas partes queimadas de alimentos ricos em amido quando fritos, assados ou cozidos a temperaturas superiores a 248 graus Celsius. É fácil encontrar este químico natural em batatas fritas, cereais de pequeno-almoço, café instantâneo, comida de bebé, tostas ou biscoitos.De acordo com o online do inglês Guardian, a Comissão Europeia deixou cair a ideia de estabelecer limites legais para a presença nos alimentos da acrilamida, um químico encontrado em alimentos com amido, como batatas fritas, cereais e alimentos para bebés, apenas alguns dias depois de terem sido assinaladas as pressões em Bruxelas dos lobistas que trabalham para as indústrias alimentares.
De acordo com os activistas, esta é uma prova da “influência indevida” e do “escândalo permanente” que constitui a pressão das indústrias sobre os legisladores da União Europeia.
Esta matéria é alvo de dúvidas que não puderam ainda ser totalmente dissipadas pela prova científica. O que se sabe é que a acrilamida é uma substância perigosa que está presente nas partes queimadas de alimentos ricos em amido quando, durante a preparação – fritos, assados ou cozidos –, estes foram submetidos a temperaturas superiores a 248 graus Celsius. Ou seja, é fácil encontrar este químico natural em batatas fritas, cereais de pequeno-almoço, café instantâneo, comida de bebé, tostas ou biscoitos.
As desconfianças levaram já a comunidade científica a trabalhar o problema e, em Junho do ano passado, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA – no acrónimo original para European Food Safety Authority) emitiu um parecer em que se considerava que a acrilamida “aumentava, potencialmente, o risco de desenvolver cancro em todos os grupos etários”. Nesse sentido, recomendava a redução do seu consumo ao mínimo possível, já que não podia avançar com o limite de segurança.
“Uma vez que qualquer nível de exposição a uma substância genotóxica pode potencialmente danificar o ADN e conduzir ao cancro, os cientistas da EFSA concluem pela impossibilidade de estabelecer o que será a ingestão diária tolerável de acrilamida nos alimentos”, refere o texto da EFSA.
Questão de saúde ou de linguagem?
E é neste ponto que está agora a discussão: não ao nível da prova, mas da linguagem escolhida para a recomendação da Comissão Europeia.
Nos documentos a publicar – entretanto alvo de fuga de informação – esperava-se a sedimentação legislativa num texto que fosse no sentido da protecção da saúde pública dos europeus. O Guardian sublinha que era esse o sentido de uma versão que lhe chegou em Junho passado: o texto instava a indústria alimentar a “dar prova de que faz testes regulares aos seus produtos de forma a assegurar … a manutenção da acrilamida a níveis tão baixos quanto razoavelmente possível e pelo menos abaixo dos níveis indicativos referidos no anexo 3”.
Este documento chegaria no entanto às mãos da associação industrial “Food, Drink Europe”, que de imediato fez saber a sua oposição à inscrição na legislação da terminologia “pelo menos abaixo dos níveis indicativos”, queixando-se em carta à comissão de que esta expressão poderia ser entendida no sentido de “os valores indicativos serem limites máximos”.
O resultado da intervenção da indústria junto dos legisladores em Bruxelas foi – assinala o Guardian – o desaparecimento daquela expressão no texto a publicar pela Comissão Europeia.
Martin Pigeon, porta-voz do Corporate Europe Observatory (CEO), lamenta que as boas intenções presentes no documento inicial tenham sido “aniquiladas” face às pressões da indústria: “Este é um novo caso de produção de regulamentos vazios sempre que é dada oportunidade à indústria para se pronunciar sobre as matérias da sua regulação. A prática da Comissão Europeia de secretamente partilhar rascunhos com lobbies da indústria meses antes de serem publicados é um escândalo que precisa de ser travado”.
O diretor de campanha da ChangingMarkets.org considera que “estes documentos (agora alvo de uma fuga de informação) são a prova de que a indústria tem uma influência indevida sobre o processo e o conteúdo desta proposta”.