Censura apertada impediu críticas e piadas na internet à parada militar em Pequim

por Graça Andrade Ramos - RTP
A parada militar chinesa dos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial no dia seguinte à rendição japonesa, fi grandiosa e planeada ao pormenor incluindo na censura Damir Sagoji - Reuters

Coreografado ao milímetro, gravado e transmitido de todos os ângulos possíveis, o desfile militar do Exército de Libertação do Povo em comemoração dos 70 anos do fim da Segunda Grande Guerra e da capitulação do Japão, quis-se grandioso e sem mácula.

E as reações não se fizeram esperar. Milhões de chineses acompanharam a parada, ao vivo e através da televisão e na internet.

A parada foi o tópico do dia nas redes sociais. A ashtag mais popular foi "saúdo os veteranos", repetida à exaustão em milhares de milhões de mensagens pessoais.

No Weibo, a rede chinesa clone do Twitter, e no WeChat, uma aplicação de mensagens instantânea muito popular, a maioria das publicações demonstravam orgulho patriótico.

As outras, como críticas aos custos da mostra impressionante do armamento e tropas, foram cuidadosamente censuradas.

Em minutos, fotos e comentários depreciativos eram retiradas antes que se tornassem virais, incluindo mensagens simplesmente irónicas ou de brincadeira.
Polícias de vigia aos conteúdos
Um dos fundadores do GreatFire, um site que desbloqueia as publicações censuradas, referiu que a cuidadosa preparação da parada incluiu o envio de polícia para os grandes centros de servidores e de internet de forma a garantir que as recomendações de Pequim eram seguidas à letra.

De forma geral, as ordens que abrangiam todos, incluindo websites, obrigavam a que só fossem publicadas imagens e comentários elogiosos ao desfile, ao Partido e às Forças Armadas.

A maioria das fotos que permaneceu nas redes mostra chineses a fazer a continência ou a manifestar o seu apoio às forças armadas.

Foram poucas as imagens que conseguiram passar o crivo mais do que alguns momentos, como a fotografia do homem na brincadeira frente a um televisor a fingir que aperta a mão da primeira dama, Peng Liyuan, mulher de Xi Jinping e uma cantora famosa.



Num exemplo da criatividade chinesa, uma cópia da roupa usada por Liyuan para o desfile ficou disponível online na loja virtual Taobao quase imediatamente após surgirem as primeiras imagens da primeira dama.

Em poucos minutos os censores intervieram e bloquearam a operação comercial.

A intervenção foi também rápida quanto à fotografia de uma senhora a segurar um guarda-chuva frente à televisão, protegendo cuidadosamente do sol o Presidente chinês ao mesmo tempo que abanava a imagem de Xi Jinping. A fotografia foi republicada 1.118 vezes antes dos censores intervirem.



Neste caso o motivo da censura terão sido os comentários que lembraram a simbologia adquirida pelos guarda-chuvas nas recentes revoltas populares em Hong Kong.

Um dos "sacos de pancada" favoritos dos internautas chineses, Mao Xinyu, neto do líder histórico chinês Mao Tsé-Tung, voltou a ser alvo de chacota. O jovem Mao foi nomeado major-general em 2010 graças apenas à sua linhagem e nas redes sociais foi baptizado "pequeno general".

A publicação mais vista na Weibo sobre Mao conseguiu 2,755 partilhas antes de ser censurada. Artigos sobre o "pequeno general" foram contudo autorizados a permanecer.

Num dia em que o presidente Xi Jinping aproveitou a ocasião para anunciar a supressão de 300.000 efetivos, as piadas sobre Mao Xinyu foram especialmente ácidas.

A notícia da censura chegou ao exterior, apesar dos internautas chineses que habitualmente conseguem contrariar as restrições impostas pelo Partido à consulta online de redes e sites estrangeiros terem esbarrado hoje em obstáculos mais complicados do que o costume.


Um deles publicou no Twitter a imagem de um soldado tapado por uma bandeira devido ao vento, com a legenda "net-cidadãos chineses gozam a dizer que o gajo do meio vai ser o primeiro dos 300.000 a ser dispensado".

De acordo com FreeWeibo, um site que monitoriza a censura, as mensagens nas redes com as palavras "parada", "Jiang Zemin" (ex-presidente chinês) e "Xi Jinping" foram das mais censuradas nos últimos dias.

Instruções enviadas ao website China Digital Times eram precisas. "Até 5 de setembro, todas as notícias e comentários relativos à parada militar devem ser cuidadosamente analisados antes de serem publicados para garantir que são positivos e não ofensivos para com o Exército de Libertação do Povo ou para com a parada militar; que não atacam o Partido, o Presidente da República da China ou o sistema político; e que não atacam os líderes nacionais", referia o texto.

"Textos, vídeos, fotografias (etc) em todos os websites de notícias que foquem a parada militar, assuntos militares e detalhes históricos devem manter-se positivos, não devem distorcer a história do Partido e nacional, não deve conter falsos comentários e não pode incluir informação prejudicial", referiam as regras.
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