Dúvidas sobre o Brexit podem acabar nos tribunais

por Ana Sanlez - RTP
Neil Hall - Reuters

A firma de advogados britânica Mishcon de Reya admite avançar com um processo legal para levar o Brexit ao Parlamento britânico. Segundo alguns especialistas, o referendo não é vinculativo.

Começou a cruzada contra o Brexit. A primeira investida para evitar a saída definitiva do Reino Unido da União Europeia está a ser preparada por uma firma de advogados britânica. A Mishcon de Reya vai avançar com uma ação legal para assegurar que o artigo 50º do Tratado da União Europa, que permite a saída voluntária e unilateral de um membro do bloco europeu, será votado no Parlamento britânico.

Num comunicado divulgado neste domingo, a firma britânica avança que “foram tomadas medidas legais para assegurar que o Governo do Reino Unido não vai ativar o procedimento de separação da UE sem ação do Parlamento”.

O processo foi aberto por um grupo de clientes da firma de advogados. A Mishcon de Reya sublinha que, apesar do voto maioritário do povo britânico no “sim” ao Brexit, “a decisão de ativar o artigo 50º do Tratado da União Europeia (…) está nas mãos dos representantes do povo à luz da Constituição britânica”.

Os advogados sublinham que, apesar de o Governo afirmar a “suficiente autoridade legal” do referendo, a Constituição britânica dita a “soberania do Parlamento” na ratificação da medida.

“Se o correto processo constitucional, que prevê o escrutínio e a aprovação do parlamento, não for seguido, então o aviso de saída da UE será ilegal”, alertam os advogados.
Resultado "não é vinculativo"
Kasra Nouroozi, sócio da Mischcon de Reya, afirma que o resultado do escrutínio, que terminou com uma vitória do Brexit por 52%, não está a ser posto em causa mas, face às “circunstâncias sem precedentes”, é necessário “assegurar que o Governo segue o procedimento correto”.

“O resultado do referendo em si não é legalmente vinculativo”, sentencia o advogado.

A firma britânica garante que está em contacto com os advogados do Governo desde 27 de junho para garantir que a Constituição será cumprida, e que caso não seja, a ação vai mesmo prosseguir para os tribunais.

Paul Hackett - Reuters

A iniciativa assenta na redação dúbia do artigo 50º da União Europeia, segundo o qual “qualquer estado membro pode decidir sair da União de acordo com os seus próprios requisitos constitucionais”. O Tratado estabelece um prazo de dois anos para o processo ficar concluído.
Está em causa "a eficácia" do referendo
Desde que foi conhecida a vitória do “sim” ao Brexit, que alguns especialistas em direito europeu têm reclamado que, à luz do Tratado, o resultado do referendo não é vinculativo e não dispensa a consulta parlamentar.

Contactado pela RTP, o especialista em Direito Europeu Fausto de Quadros, afirma que “não está em causa a validade do referendo mas a sua eficácia”.

Segundo o Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “como entendem o Parlamento e o Governo britânicos - não sem algumas dúvidas à luz do Direito Constitucional britânico - o referendo não é vinculativo, isto quer dizer, não vincula os órgãos da Coroa britânica. Portanto, não obriga também o Parlamento”.

O especialista explica que “o ato jurídico que incorporou o Tratado de adesão do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca às Comunidades, de 1972, no que diz respeito ao Reino Unido, foi o European Communities Act, aprovado pelo Parlamento do Reino Unido em 1972. Não sendo o referendo vinculativo, a desvinculação do Reino Unido em relação à UE impõe a prévia revogação pelo Parlamento desse Act. Sublinhe-se que já existe um memorando dos Serviços de Apoio à Casa dos Comuns que defende este entendimento”.

Fausto de Quadros sublinha que o acordo a que se refere o artigo 50º do Tratado da União Europeia (e não do Tratado de Lisboa, ao contrário do que tem sido referido), e que será celebrado entre o Reino Unido e a UE sobre as condições de saída da UE, “tem de ser ratificado pelo Parlamento britânico. Sem essa ratificação esse Acordo não obrigará o Reino Unido”, conclui o especialista.
"Vai acabar no Supremo Tribunal"
A maior parte dos deputados do Parlamento britânico defende a manutenção do Reino Unido no bloco europeu, segundo as intenções de voto manifestadas antes do escrutínio.

A ação da Mischon de Reya surge após um artigo assinado por três académicos britânicos, Nick Barber, Tom Hickman e Jeff King, no qual argumentam que o Governo estaria a violar a soberania parlamentar caso ativasse o artigo 50º sem consultar os deputados.

Citado pela Bloomberg, Jeff King, professor de Direito na University College London, afirma que é quase impossível que este processo passe ao lado dos tribunais. “Há uma grande probabilidade de acabar no Supremo Tribunal”, adiantou.

Já esta segunda-feira, após apresentar a demissão da liderança do Ukip, Nigel Farage, que foi um dos timoneiros da campanha pelo Brexit, garantiu que o partido vai lutar contra qualquer campanha que pretenda reverter o resultado do referendo.
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