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Espião-chefe dos EUA: invasão do Iraque criou o "Estado Islâmico"

por RTP
Michael Flynn Gary Cameron, Reuters

O chefe da DIA (espionagem militar norte-americana) diz que cada chefe terrorista morto é substituído por outro mais perigoso. E admite que a invasão do Iraque foi "um erro gigantesco".

Michael Flynn, com uma carreira de 30 anos nos serviços de informações militares, é actualmente o chefe desses serviços. De 2004 a 2007 actuou no Afeganistão e no Iraque. Teve, por isso, em poder dos seus serviços o líder do "Estado Islâmico", al-Bagdadi, na curta passagem destge pela prisão.
Avisos ignorados
Em entrevista a Der Spiegel, Flynn diz que havia todos os sinais de que o "Estado Islâmico" iria lançar operações como o massacre de Paris, ou o ataque contra o avião comercial russo. Simplesmente, acrescenta, "as pessoas não levaram a sério os avisos".

Segundo Flynn, existe agora em cada país uma estrutura dirigente, descentralizada, e com ampla margem de autonomia relativamente ao território controlado pelo "Estado Islâmico". Essas estruturas mais leves operam com mais facilidade e são detectadas com muito mais dificuldade. O espião-chefe da DIA precisa: "Em Paris foram oito pessoas, no Mali dez. Da próxima vez talvez bastem uma ou duas".

As ordens para cada atentado não provêm da Síria: "É bem possível que um homem de 30 anos, depois de discussões com a direcção e depois ser treinado, receba a missão de fazer alguma coisa em nome da religião. Ele próprio irá procurar os alvos, organizar uma equipa de operacionais e atacar".Cada chefe terrorista mais competente que o anterior
Sobre o auto-designado califa Abu Bakr al-Baghdadi, Flynnn sublinha a diferença entre este e Bin Laden. Baghdadi encenou a sua intervenção mais conhecida "numa grande mesquita de Mossul, num púlpito, como o papa. Apresentou-se com uma túnica negra, como um santo e um sábio, e declarou o califado. Esse foi um acto muito, muito simbólico, que elevou a luta a um novo nível, de um confronto militar, táctico e local, para uma guerra religiosa e global". Flynn contrasta tudo isto com as intervenções de Bin Laden: com uma bandeira em fundo e com uma kalashnikov nas mãos.

Por outro lado, o responsável norte-americano considera um erro pensar que basta eliminar os chefes: "Isso não funcionou. Baghdadi é mais competente do que Abu Mussab al-Sarkawi, e Sarkawi já era mais competente do que Bin Laden". E também considera um erro matar chefes como Bin Laden e transformá-los em mártires.
Dez vezes mais voluntários para o "Estado Islâmico"
A globalização da guerra, diz também Flynn, traduz-se numa mutação completa dos processos de recrutamento internacional: al-Sarkawi conseguia nos seus melhores tempos recrutar em 12 países 150 voluntários internacionais por mês, ao passo que Baghdadi tem 100 países como campo de recrutamento e todos os meses consegue 1500 voluntários.

Perante este panorama, Flynn considera inevitável que em algum momento se passe dos bombardeamentos aéreos para uma política de "Boots on the ground": terá de haver tropas terrestres. E isso impõe também uma ilação estratégica: "Temos agora de cooperar de forma construtiva com Moscovo. A Rússia decidiu-se a intervir militarmente na Síra e isso mudou dramaticamente a situação. Não podemos continuar a dizer que a Rússia é má e tem de retirar-se".

Flynn observa ainda uma curiosa contradição: "Nós, os EUA, devíamos há muito estar do seu lado [de Hollande] e ter-lhe oferecido apoio, porque ele foi atacado. Agora ele vai a Moscovo e tenta aí".
Invasão do Iraque: "um erro gigantesco"
Recordado pelo entrevistador sobre o episódio em que os seus serviços detiveram Abu Bakr al-Baghdadi no Iraque, em Fevereiro de 2004, Flynn comenta: "Fomos muito estúpidos. Nesse tempo ainda não tínhamos percebido com quem nos tínhamos de haver".

E em seguida admite: "Em vez de nos perguntarmos [depois do 11 de Setembro] porque é que existe este fenómeno, procurámos lugares". Daí as invasões do Afeganistão e do Iraque: esta foi "um erro gigantesco. Por muito brutal que fosse Saddam Hussein, eliminá-lo foi um erro (...) O veredicto da História não deverá ser nem será benevolente sobre esta decisão".
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