O Atlântico pode morrer para dar à luz um novo supercontinente

Cientistas portugueses e australianos estudaram as dinâmicas da crosta terrestre e estimam que dentro de 300 milhões de anos nasça um novo supercontinente - Aurica. Esta nova massa continental resultará da junção de todos os continentes devido ao fecho simultâneo dos oceanos Atlântico e Pacífico.

Quando olhamos para o relógio sabemos que o tempo não pára. Mas ao olharmos para o mundo em nosso redor podemos experimentar a ilusão de que tudo se torna mais lento. A verdade é que nada no universo é estático. E, se o nosso rosto muda com o tempo, o planeta onde vivemos também.

Ao longo da sua formação a Terra viu a sua superfície arder, solidificar, afundar-se, ressurgir, agrupar-se, afastar-se. Em suma, movimentar-se em ciclos de mudança que, aos nossos olhos, parecem não existir, mas que diariamente se fazem sentir através de sismos.

A Terra está viva e nas entranhas do planeta existe todo um sistema em permanente ebulição, originando cicatrizes à superfície que habitamos.


Um planeta, muitos rostos
Calcula-se que a Terra exista há cerca de 4,6 mil milhões de anos. Segundo os cientistas, o planeta resultou da aglomeração de detritos cósmicos provenientes da formação do sistema solar. Com o passar do tempo, arrefeceu, surgindo os primeiros mares e massas terrestres.

Quem se mostrou curioso com a dinâmica terrestre foi o meteorologista alemão Alfred Wegener, que em 1912 apresentou a denominada Teoria da deriva dos continentes.

Na altura Wegener apresentou à comunidade científica um esquema que referia que todos os continentes, tal como os conhecemos hoje, estiveram, há 225 milhões de anos, reunidos num único supercontinente, designado por Pangea (termo grego para todas as terras), rodeado por um vasto e único oceano, Pantalasso (todos os mares).

Mais tarde, com os estudos geológicos - simulações computacionais baseadas na teoria da deriva continental -, verificou-se que durante os mais de quatro mil milhões de anos de formação o planeta apresentou diferentes rostos:

Úr – primeiro supercontinente teorizado (entre os quatro mil e três mil milhões de anos);
Kenorlândia - Era Arqueozóica (há cerca de 2,7 mil milhões de anos);
Columbia; Hudsonland ou Nuna - Era do Paleoproterozoico (entre 1,8 e 1,5 mil milhões de anos);
Rodinia - Era Neoproteozóica (mil milhões de anos);
Panótia - Período Pré-câmbrico (há 600 milhões de anos);
Pangeia - existiu durante cerca de 100 milhões de anos, até à Era Mesozoica (há 300 milhões de anos).


Há várias hipóteses formuladas para o futuro, além daquela que é defendida pelos geólogos portugueses e australianos. Estão previstos, além da Aurica, pelo menos dois novos supercontinentes para os próximos 250 milhões de anos. Mas em locais geográficos diferentes: Pangeia Última ou Neopangea (no meio do Atlântico); Amásia (no centro do Pacífico).


Aurica
A crosta terrestre é dinâmica e as placas continentais deslocam-se, com o tempo, através da litosfera.

Trata-se de um movimento lento que tem origem nos designados riftes, uma zona fraturante no fundo oceânico que está constantemente a recriar e a renovar a crosta terrestre, empurrado lateralmente a placa em direções opostas.


"O alastramento oceânico tem um período de maior atividade de mais ou menos 200 milhões de anos, sendo que depois a litosfera oceânica vai enfraquecendo. Com o tempo formam-se então novas zonas de subducção nas margens dos continentes. O que provoca o efeito contrário e o "encerramento oceânico."

Ora é partir destes estudos que os cientistas preveem o nascimento, dentro cerca de 300 milhões de anos, de um novo supercontinente, de nome Aurica (Austrália + América).

O novo rosto futurista da Terra é traçado com base em modelos computacionais, cálculos matemáticos e a própria história geológica do planeta. Tem as assinaturas dos geólogos João Duarte e Filipe Rosas, do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Instituto Dom Luiz, e do cientista Wouter Schellart, da Universidade de Monash, na Austrália.O geólogo João Duarte teoriza que, se o Oceano Índico continuar a alastrar para norte e a empurrar o continente euroasiático, os Himalaias vão acabar por se tornar tão grandes que irão colapsar, dando lugar a um novo oceano.

A RTP quis saber um pouco mais sobre estas conclusões e esteve à conversa com João Duarte, geólogo do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

"Existem duas teorias a competir. Uma defende que o Atlântico vai voltar a fechar, como se a Pangeia voltasse a ser reunida, e este cenário é conhecido como a Pangeia próxima. Há um outro cenário alternativo que é o Pacífico fechar. Ou seja, os continentes que estiveram reunidos na Pangeia alastram, espalham-se e vão-se reunir no outro lado do planeta, num novo supercontinente que se designa por nova Pangeia, que se formaria pelo fecho do Pacífico".

Mas estas teorias, segundo João Duarte, apresentam duas debilidades. O fecho físico dos oceanos.



Para o geólogo da Universidade de Lisboa, os oceanos, ao fim de mais ou menos 700 milhões de anos, fecham sobre si e desaparecem, devido ao deslocamento das placas.

A equipa do departamento geológico de Ciências da Universidade de Lisboa utiliza mesmo vários modelos computacionais que depois explora e reproduz através de um simulador esférico, como se pode ver nestas imagens. 

Ora quer o Atlântico, que já tem uma atividade de abertura com cerca de 200 milhões de anos, quer o Pacífico, que já ultrapassou os 600 milhões de anos, estão teoricamente em fase de contração, e esse fator contrapõem-se às atuais teorias de formação de uma nova e próxima Pangeia.

O colapso dos Himalaias?
É difícil imaginar o desaparecimento de uma cadeia montanhosa como os grandes Himalaias. Mas não é de todo impossível, refere João Duarte.

Como tudo na Terra, também os Himalaias sofrem a pressão da força gravítica e tudo o que é grande e pesado para além desses limites acaba por colapsar.

"Onde os continentes colidem criam-se montanhas muito altas e que são instáveis e tendem a colapsar graviticamente. E estas montanhas enquanto estão a ser suportadas pela colisão dos continentes conseguem manter a topografia que é compensada por uma raiz profunda que se afunda no Manto (a exemplo dos icebergues no mar). A partir do momento em que essa colisão deixa de ocorrer, a cadeia de montanhas deixa de estar suportada e a raiz da montanha é assimilada, como um cubo de gelo derrete na água e à superfície fica a cadeia muito alta e com o tempo colapsa e desaparece."


Uma teoria que é sustentada pela existência de um rifte a norte do Himalaias, o Baikal, que se propaga ao longo de outros riftes que entram pelo oceano polar a norte.

O Atlântico pode começar a fechar
Do Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa, até Manhattan, do outro lado do Atlântico, distam cerca de 5.500 quilómetros. Zona de subducção é o nome que se dá a uma área de convergência de placas tectónicas: uma das placas infiltra-se debaixo da outra.


Imaginar que todo este espaço marítimo pode desaparecer e dar lugar a um único continente pode ser para muitos uma imagem de pura ficção. Mas é possível.  Quem o afiança é o geólogo João Duarte.

"Nós só conseguimos compreender a Terra porque existem ciclos muito curtos, desde o ciclo sísmico, que pode ter períodos de anos. Há ciclos mais pequenos, como por exemplo o ciclo da maré, mas há outras oscilações da Terra que são à escala dos 500 milhões de anos. A Terra é um planeta dinâmico, todos estes ciclos estão interligados e interferem uns com os outros. E nós geólogos temos o privilégio de conseguir e tentar perceber estes ciclos em grande escala (...) Podemos dizer que um oceano com 20 ou 30 milhões de anos é um oceano juvenil, já com 200 milhões é classificado como maduro e um com 500 milhões de anos é considerado velho. E estamos a falar só do tempo de vida de um oceano e sabemos que na história da Terra existiram já muitos oceanos e que forma consumidos. E entender o que está a acontecer temos de olhar para o passado".

Com uma idade a rondar os 200 milhões de anos, no Atlântico começam a surgir evidências físicas de que, mais tarde ou mais cedo, o oceano começará a fechar-se sobre si mesmo. Sinais disto são as duas zonas de subducção totalmente desenvolvidas: o Arco da Escócia e o Arco das Pequenas Antilhas.

Agora os geólogos que apresentam a teoria de formação continental Aurica afirmam existir uma nova zona de subducção que poderá estar a formar-se ao largo da margem sudoeste ibérica, designada por falha de Marquês de Pombal, entre o Banco de Gorringe e a 130 quilómetros a oeste do Cabo de São Vicente, que apanha território português.


Tracejado a vermelho encontra-se a zona de subducção continental que poderá alastrar a norte e a sul, engolindo a placa oceânica (Foto: Google Earth)

Segundo João Duarte, a chamada falha de Marquês de Pombal é apontada como "uma das possíveis fontes do sismo de 1755", em Lisboa. Está "a marcar o início dessa nova zona de subducção".

Esta teoria não é exclusiva do geólogo da Universidade de Lisboa, existindo estudos prévios, também realizados por elementos daquela instituição, em conjunto com Instituto Geológico e Mineiro, Departamento de Geologia Marinha e universidades italianas, que apontam como forte probabilidade que o terramoto de intensidade X-XI na escala de Mercalli, que destruiu Lisboa no dia 1 de novembro de 1755, tenha tido como ponto origem a falha de Marquês de Pombal.


Exemplo gráfico de um ponto de subducção. Local onde a placa continental oceânica se infiltra por baixo da placa continental terrestre. A placa que é "engolida" pela terra é depois absorvida e diluída no manto.

"A partir do momento em que temos três zonas de subducção a desenvolver-se, elas formam núcleos em três sítios e podem propagar-se. É um pouco como um vidro. É muito resistente mas quando é atingido por uma pedrinha fica ali uma fraqueza, atingido por uma segunda pedrinha cria-se uma segunda fraqueza, estas propagam-se e juntam-se. Com os oceanos passa-se a mesma coisa eles são muito rijos, mas também se quebram."