Obama surpreendido com partidarismo dos norte-americanos

por Andreia Martins - RTP
Jonathan Ernst - Reuters

Na semana em que abandona a Casa Branca, Barack Obama revela ao programa 60 Minutes da CBS que foi surpreendido com as divisões entre os dois principais partidos em Washington. Falou também na relação dos Estados Unidos com o Médio Oriente ao longo dos últimos oito anos.

Num tom bem mais cansado e frustrado do que teve no discurso de despedida, na semana passada em Chicago, Barack Obama admitiu na derradeira entrevista enquanto Presidente que a maior surpresa do mandato foi percecionar o excessivo partidarismo dos americanos.
 
“Fiquei surpreendido e continuo a ser surpreendido com a gravidade do partidarismo que existe nesta cidade”, revela o Presidente em declarações ao programa 60 Minutes.
 
Obama diz ter sido avisado sobre as profundas divisões entre o Partido Republicano e o Partido Democrático, e admite mesmo alguma ingenuidade quando acreditou, antes de tomar o poder, que conseguiria unir as duas forças políticas.

“Na campanha de 2007 ou 2008 as pessoas diziam que estava a ser ingénuo, que pensava que não existiam estados azuis ou vermelhos, mas que ia perceber isso ao chegar aqui”, revela o Presidente ao jornalista Steve Kroft.  
 
O Presidente agora de saída chegou ao poder com o objetivo de unir os dois partidos, mas admite não ter visto com clareza a divisão partidária enquanto obstáculo aos mandatos que cumpriu.
 
“Confesso que não entendi totalmente a forma como senadores individuais ou membros do congresso são agora levados aos extremos pelas suas bases de eleitores. Não esperava, especialmente no meio de uma crise, que esse partidarismo fosse tão grave”, refere Barack Obama.
 
Barack Obama destaca que o país está melhor oito anos depois, em áreas tão díspares como a economia, o ambiente ou a segurança. Mas admite que falhou na construção de pontes entre os dois partidos, um dos objetivos essenciais na altura em que apresentou a candidatura, em 2007.

“Não descobri o código para a redução da febre partidária”, concede Obama.  
 
O Presidente agora de saída mostra-se desencantado com a forma como decorre a política em Washington, um meio por si resistente à mudança. 

“Os membros do Congresso – dos dois lados – estão motivados sobre todos os tipos de questões. Estão interessados na economia, no terrorismo, em questões sociais. Mas o que mais lhes interessa é mesmo serem reeleitos. E se acham que será mais difícil serem reeleitos ao cooperarem uns com os outros, então não irão cooperar”, considera Obama.  
 
Ainda sobre política interna, Obama avisa os norte-americanos para que “não subestimem” o Presidente eleito, reconhecendo que a atual transição entre os dois Presidentes decorreu de forma “pouco comum”.  
 
Avisa ainda os adversários políticos do lado republicano para que tenham em atenção a atuação do seu Presidente: “À medida que avançamos, determinadas normas, determinadas tradições institucionais não se podem corroer, há uma razão para elas estarem lá”, avisa.   Síria e Israel
Entre vários temas, Barack Obama falou também da política externa dos Estados Unidos em relação ao Médio Oriente, com especial atenção para a situação da Síria e de Israel.
 
Obama diz não se arrepender da “linha vermelha” que traçou na Síria no que diz respeito aos ataques com armas químicas. “Não me arrependo de dizer que se visse Bashar al-Assad usar armas químicas contra o seu povo, que isso mudaria a minha avaliação sobre o que estávamos dispostos a fazer na Síria”, refere.

Barack Obama referia-se à aparente inação por parte dos Estados Unidos perante os ataques do regime de Damasco, onde as forças governamentais terão recorrido a armas químicas. “Creio que teria cometido um erro maior se tivesse dito que as armas químicas não mudariam o que eu pensava”, acrescenta o Presidente.

Mais importante que a não-interferência no conflito sírio foi evidenciar, enquanto líder dos Estados Unidos, que o uso de armas químicas é ainda mais condenável. 

Obama falou ainda sobre o conflito israelo-palestiniano, uma questão que esteve adormecida durante grande parte do mandato mas que regressou à agenda mediática com a recente abstenção, por parte dos Estados Unidos, numa votação do Conselho de Segurança da ONU que condena a construção de colonatos israelitas na Cisjordânia.

A posição de abstenção dos Estados Unidos permitiu a aprovação dessa mesma resolução, com um sentido de voto contra Tel Aviv que já não se via há mais de três décadas. 

Barack Obama admite sem rodeios que essa decisão foi “derradeiramente” do Presidente, destacando que toda a cooperação ao nível militar e com os serviços secretos entre os dois países continuou sem percalços. “Defendemo-los de forma consistente e de todas as formas imagináveis”, acrescenta.

O Presidente refere, no entanto, que permitir um conflito contínuo entre israelitas e palestinianos não corresponde ao interesse nacional dos Estados Unidos e de Israel, um antagonismo de vários decénios que, considera Obama, “poderá piorar cada vez mais com o tempo”.

A situação dos colonatos, acrescenta o Presidente cessante, faz com que seja “mais difícil imaginar um estado palestiniano contíguo e eficaz”. 

“Acho que teria consequências a longo prazo para a paz e a segurança na região e devido ao nosso investimento na região, e por nos importarmos tanto com Israel, creio que os Estados Unidos têm o interesse legítimo para dizerem a um amigo que têm esse problema”, justifica Obama.
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