Relatório Chilcot arrasa política de Tony Blair no Iraque

por Graça Andrade Ramos - RTP
Sir John Chilcot, apresenta o relatório do inquérito à participação do Reino Unido da guerra do Iraque Pool - Reuters

O ex-primeiro ministro britânico, Tony Blair, exagerou a ameaça colocada pelo Governo iraquiano de Saddam Hussein para levar o Reino Unido a invadir o Iraque ao lado dos Estados Unidos. E "o governo fracassou nos seus objetivos declarados", resumiu sir John Chilcot.

O Reino Unido invadiu o Iraque de forma prematura e sem tentar encontrar "uma solução de último recurso". Esta foi a primeira conclusão anunciada por sir John Chilcot, responsável pelo inquérito à participação britânica na guerra do Iraque entre 2003 e 2009.

"Concluímos que o Reino Unido decidiu juntar-se à invasão do Iraque antes de esgotar todas as alternativas pacíficas para obter o desarmamento. A ação militar não era inevitável na época", afirmou Chilcot no centro de convenções QE2 de Westminster, durante a apresentação pública do relatório do inquérito.

Na análise às ações de Blair e dos seus ministros para justificar ao país a necessidade de uma ação militar, Chilcot concluiu que o primeiro-ministro trabalhista fez tudo para cumprir a promessa feita a George W.Bush: "Estarei contigo, seja como for".

A avaliação da severidade da ameaça colocada pelas armas iraquianas de destruição em massa, o principal argumento para a invasão, foi apresentada com uma certeza que não se justificava, acrescentou o responsável pelo inquérito.

"Apesar de repetidos avisos, as consequências da invasão foram subestimadas. O planeamento e a preparação para o Iraque após Saddam Hussein foram totalmente desadequadas", conclui o inquérito, apontando igualmente o dedo às chefias militares e de segurança.

O Reino Unido participou na invasão e ocupação do Iraque entre 2003 e 2009, com 45.000 tropas, operação que resultou em 179 baixas britânicas.

O inquérito, que incluiu duas entrevistas a Tony Blair e ouviu 130 conversas entre Bush e Blair em 2002 e 2003, foi dado por concluído em 2011, seguindo-se a sua redação.
A resposta às principais questões
O que prometeu Tony Blair a George W. Bush?

Sobre as conversas de Tony Blair com George W. Bush em 2002 e 2003, Chilcot afirma que o primeiro-ministro britânico apelou a Bush para levar a questão iraquiana perante o Conselho de Segurança da ONU, o que levou à adoção da Resolução 1441, que iria monitorizar quaisquer violações do Iraque.

Mas, em dezembro de 2002, Bush decidiu que os inspetores da ONU não iriam conseguir os resultados desejados. Em janeiro, Blair aceitou ir para a guerra em meados de março, mas no dia 12 desse mês era claro que não existiam provas de violações iraquianas que apoiassem essa decisão. A maioria dos membros do Conselho de Segurança acreditava ainda que as alternativas pacíficas não estavam esgotadas.
 
Blair e Bush acusaram a França de obstrução e de pôr em causa a autoridade do Conselho de Segurança da ONU.

Para o inquérito de Chilcot foram os EUA e o Reino Unido quem fragilizou a autoridade do Conselho de Segurança, ao insistirem numa ação militar quando as alternativas pacíficas não se tinham esgotado. A ação militar não era necessária em março de 2003, concluíram os comissário do inquérito por unanimidade.

Por outro lado, Blair sobrestimou a sua capacidade de influenciar as ações e estratégias norte-americanas no Iraque, refere o documento.

Houve distorção das informações sobre as armas de destruição em massa?

Blair devia ter debatido a estratégia para o Iraque em conselho de ministros mas não o fez. As decisões "basearam-se em informações e avaliações defeituosas, afirma Chilcot e "não foram contestadas e deviam ter sido".

"O Comité dos Serviços Secretos devia ter informado claramente Tony Blair que as informações recolhidas não haviam estabelecido para além de qualquer dúvida que o Iraque continuava a produzir armas químicas e biológicas ou que continuavam os esforços para continuar a desenvolver armas nucleares", disse Chilcot.

Blair desdenhou deliberadamente avisos sobre as possíveis consequências da invasão militar e apoiou-se demasiado nas suas próprias convicções, mais do que nas conclusões dos serviços secretos.

A invasão aumentou o risco de atentados terroristas no Reino Unido?

O relatório põe em causa a argumentação de Tony Blair para justificar a guerra, afirmando que o primeiro-ministro começou por se referir ao risco de os grupos terroristas se apoderarem das armas de destruição em massa, enquanto ignorava avisos quantos ao acréscimo do risco terrorista que a invasão iria provocar.

No Parlamento, em setembro de 2002, o primeiro-ministro  invocou as capacidades do Iraque passadas, presentes e futuras como prova da gravidade das potenciais ameaças colocadas pelas armas de destruição maciça iraquianas.

"Afirmou que, em qualquer altura no futuro, essa ameaça poderia tornar-se realidade", lembrou Chilcot, referindo igualmente o dossier publicado nesse mesmo dia sobre o assunto.

Só que, para a comissão de inquérito, as certezas sobre essa ameaça não tinham base de sustentação.

Chilcot refere um segundo momento da argumentação apresentada por Blair, ao longo de 2002 e 2003, apesar dos protestos contra a guerra.

No Parlamento, a 18 de março de 2003, Blair insistiu que avaliava a possibilidade de grupos terroristas se apoderarem das armas de destruição em massa como "um perigo real e atual para a Grã-Bretanha e a sua segurança nacional" - e que a ameaça do arsenal de Saddam Hussein não podia ser controlada e era um perigo evidente para os cidadãos britânicos.

Blair tinha sido avisado de que a ação militar iria aumentar o risco da al Qaeda agir contra o Reino Unido e os interesses britânicos. Havia ainda sido avisado de que a invasão poderia levar a que os grupos terroristas se apoderassem das mesmas armas.

Até que ponto Straw informou Blair quanto à legalidade e aos riscos da guerra?

A questão não foi respondida diretamente nesta apresentação do relatório.

Sobre Jack Straw, o ministro dos Negócios Estrangeiros na época, o relatório critica o fracasso da diplomacia britânica junto de Washington, ao não conseguir convencer a Administração Bush a deixar a ONU liderar a questão iraquiana. Refere ainda negativamente o facto de Straw não ter acautelado que a participação britânica num pós guerra fosse "condicional".

Aponta ainda o dedo ao facto de Straw ter assinado planos para a guerra apesar d e temer um conflito "longo e sem sucesso", receios que não levantou nem foram debatidos junto de responsáveis.

A invasão foi ilegal?

A resposta está fora do âmbito do inquérito - a Comissão não incluía sequer um advogado e a questão só poderá ser resolvida por um tribunal internacional - e reconhecido - constituído para efeito.

Mas as conclusões gerais do relatório permitiram aos comissário afirmar que os argumentos invocados para justificar legalmente a entrada na guerra foram muito insatisfatórios.

Na sua apresentação, sir John Chilcot não referiu se houve pressão política para legalizar a invasão e ocupação do Iraque.

Quem é responsável pelos fracassos e pelas mortes após a invasão?

O relatório conclui que, apesar de todos os avisos, as consequências da invasão foram subestimadas: "O planeamento e os preparativos para o Iraque e para Saddam Hussein foram totalmente inadequados". 

Por outro lado, o relatório afirma que as dificuldades encontradas após a invasão podiam e deviam ter sido acauteladas, ao contrário do que sustentou Blair, quando respondeu perante a Comissão.

"Os riscos de luta interna no Iraque, ações deliberadas do Irão em defesa dos seus interesses, instabilidade regional e actividade da al Qaeda no Iraque, estavam todos explicitamente identificados antes da invasão" referiu Chilcot.

"Apesar de repetidos avisos, as consequências da invasão foram subestimadas. O planeamento e a preparação para o Iraque após Saddam Hussein foram totalmente desadequadas", conclui o inquérito, apontando igualmente o dedo às chefias militares e de segurança.
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