Especialistas avisam para efeitos da água salgada no solo no combate aos incêndios
A utilização de água do mar para apagar incêndios pode atrasar a normalização do equilíbrio natural da floresta e contaminar os recursos hídricos naturais, devido à presença de sal, avisam especialistas contactados pela agência Lusa.
Portugal tem em treinos durante dois meses uma aeronave russa Beriev BE-200, com capacidade para transportar 12 mil litros de água, que tem a possibilidade de poder abastecer-se no mar, com ondulação inferior a 1,2 metros, ou em albufeiras.
Apesar de salientarem que o importante é apagar os incêndios, os especialistas chamam a atenção para as quantidades de sal libertados nas zonas florestais e os seus efeitos no solo.
De acordo com um Frederico Almada, biólogo da Universidade Lusófona contactado pela Lusa, "em cada litro de água do mar há 35 gramas de sal", portanto em 12 mil litros desta água há cerca de 420 quilos de sais, maioritariamente Cloreto de Sódio (sal).
Ana Maria Lourenço do Departamento de Química da Universidade Nova de Lisboa explicou à Lusa que o "sal é um conservante" e que por isso vai atrasar o reequilíbrio no ecossistema, após um cenário de incêndio.
"A reposição do ecossistema será atrasada pela presença do sal, que fica no solo após a evaporação da água", referiu a professora, chamando também a atenção para a "corrosão" provocada pela presença do cloreto de sódio (sal) no solo.
De acordo com Ana Maria Lourenço, há também o risco de o sal ficar no solo e com as chuvas contaminar os aquíferos adjacentes, podendo tornar os rios mais salinos causando alterações nos ecossistemas.
É igualmente de salientar que a presença de sal faz aumentar a temperatura podendo potenciar a produção de dioxinas, a partir da matéria orgânica presente no solo, explicou a química, referindo contudo que a quantidade gerada de dioxinas é insignificante.
Para o presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), Eugénio Sequeira, o sal é nocivo nos solos, mas, adianta que apenas uma descarga de água do mar não causará grandes estragos, sobretudo se for num terreno localizado numa zona chuvosa.
O ambientalista explica que, neste caso, a água da chuva acabará por minimizar as consequências negativas da presença de sal.
Contudo, Eugénio Sequeira afirma que se forem feitas várias descargas de água do mar, então o cenário é pior, dados os estragos do sal no solo.
Este ambientalista chama igualmente a atenção para a produção de dioxinas, lembrando que, sendo voláteis, podem ser absorvidas por animais selvagens e de caça.
Os efeitos do sal nos solos será estudado pela equipa do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC) que está a acompanhar a fase experimental do Beriev BE-200, garantiu à Lusa o assessor de imprensa do Ministério da Administração Interna.
A mesma fonte referiu a existência de um estudo encomendado ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), divulgado em Janeiro, que deu um parecer positivo para a utilização da água do mar.
Nesse estudo, a cujas conclusões a Lusa teve acesso em Janeiro, o LNEC afirma que a água do mar pode ser utilizada para o combate aos fogos sem causar problemas preocupantes.
Contudo, o LNEC reconhece que a deposição de cloreto de sódio pode causar uma concentração de valores elevados de sal no solo, mas que essa situação é transitória.
O estudo diz também que só num mau cenário é que os sistemas aquíferos seriam contaminados pelo sal.
Sobre estas questões, os ambientalistas reclamam mais estudos, não se considerando satisfeitos com as conclusões a que chegou o LNEC.
Além do mar, em Portugal são apontados 13 pontos de abastecimento de água possíveis para o Beriev BE-200.
São eles as barragens do Alqueva, Santa Clara, Montargil, Maranhão, Lindoso, Alto Rabagão, Vilar, Aguieira, Cabril e Castelo de Bode.
Além destas há ainda o rio Minho, em Caminha, e os estuários do Tejo e do Sado.
Numa informação prestada à Lusa por e-mail, o SNBPC adiantou que os locais de recolha de água ainda estão a ser estudados, desconhecendo-se, para já, se os 13 pontos apontados se confirmarão.
O SNBPC garantiu, por outro lado, que a água que as albufeiras têm actualmente é suficiente para a operacionalidade do aparelho em experimentação, apesar os últimos dados do Instituto da Água apontarem para uma redução do nível da água em quase todas as bacias do país.
O último relatório do INAG refere também que apesar da descida, a maioria das albufeiras estão ainda com bons níveis de armazenamento.
Ainda sobre o abastecimento no mar, o especialista em ondas David Ramires, do Instituto Superior Técnico, referiu que no Verão a ondulação é menor e que por isso o Beriev não deverá ter problemas em abastecer.
Este especialista esclareceu também que, em casos pontuais, em que a altura das ondas seja superior aos 1,2 metros, o aparelho poderá abastecer-se um pouco mais longe da costa.
Até ao final de Agosto, o Beriev vai estar a operar em Portugal numa série de testes que visam esclarecer dúvidas sobre a sua operacionalidade no território português.
O Beriev BE-200 leva o dobro de água (12 mil litros) que o Canadair, outro modelo que está em equação para compra por parte do Governo português.
O aluguer por dois meses do Beriev custa 1,55 milhões de euros ao país e cada voo contará com um piloto português na tripulação, para fazer a avaliação das operações de combate às chamas.