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A "década de betão" do cavaquismo

Cavaco Silva, primeiro-ministro. Durante uma década, entre 1985 e 1995, foi pela sua mão que Portugal mudou. A construção de infraestruturas era a face visível do cavaquismo. Mas condições nunca antes vividas na democracia portuguesa permitiram alterações no país à imagem de Cavaco. As Reformas da Década, nas palavras do próprio.

A primeira condição da mudança: estabilidade governativa. Cavaco Silva consegue, pela primeira vez na História, maioria absoluta de um só partido.

O caminho da maioria inequívoca não foi imediato. Em 1985, o PSD vence as eleições legislativas apenas com maioria relativa. O recém-formado PRD, sob a imagem e patrocínio de Ramalho Eanes, obtém o resultado-surpresa. Consegue 17,92 por cento dos votos e a eleição de 45 deputados. O PRD não exige uma pastas para a viabilização de um executivo.

Cavaco tinha um plano de reformas, mas a falta de maioria era um obstáculo. Ainda consegue aprovar dois orçamentos do Estado. O primeiro-ministro, economista de formação, queria avançar com reformas de fundo. A conflitualidade no Parlamento, a não viabilização de medidas que o Governo dava como importantes, uma estratégia de “vitimização” do Executivo, forneceram o pano de fundo para o PRD avançar com uma moção de censura, que teve o apoio do PS. O primeiro Governo de Cavaco Silva cai no Parlamento em abril de 1987. O Presidente da República convoca eleições antecipadas.

A 19 de julho de 1987 o PSD consegue um marco histórico. Reúne mais de 50 por cento dos votos e a primeira maioria absoluta de um só partido da história da democracia. Houve festa nas ruas.


Reportagem da série "50 anos, 50 notícias"


Pela primeira vez, um Governo consegue cumprir na totalidade os quatro anos da legislatura: Cavaco Silva consegue mesmo obter duas maiorias absolutas seguidas e cumprir os dois mandatos completos. Na segunda maioria absoluta supera a primeira, atingindo 50,6 por cento dos votos



Estava aberto o caminho para avançar com as reformas que Cavaco Silva pretendia. Nas suas palavras, para pôr o país no caminho da “modernidade” e do “progresso”. Ou retirar Portugal da margem dos países europeus.

Deixa o mote logo na apresentação do Programa de Governo: queria diálogo e consensos com as forças da oposição, mas avisa que a vontade da maioria seria imposta quando os consensos não fossem possíveis.

Raramente me engano e nunca tenho dúvidas

A frase, atribuída a Cavaco Silva ainda nos tempos de ministro das Finanças de Sá Carneiro, afinal nunca terá sido proferida. Mas podia bem ter sido, porque pode ilustrar um homem que quis criar a imagem de um “fazedor”, de alguém que age mesmo com medidas impopulares.

Um “dever patriótico”, como realça na autobiografia política. Ou, como afirmara na campanha eleitoral, um “homem do leme”, com um governo “que seja um barco que tem um leme, alguém a segurar no leme e apontando o caminho”.

D.R./PSD

Era a “tempestade perfeita”. Grande parte dos mandatos de Cavaco Silva como primeiro-ministro reúne condições quase únicas: estabilidade política através da maioria absoluta, uma conjuntura económica europeia favorável, um elevado fluxo de fundos comunitários que acompanharam a entrada na CEE para realizar obra.

“Para dirigentes do PSD, eu tinha obsessão das reformas e um certo gosto pelas medidas impopulares”, realça em autobiografia.
Quilómetros de obras
Os números não dizem tudo, mas ajudam muito. Como o que aponta para a construção de 1133 quilómetros de autoestradas, de itinerários principais e complementares entre 1989 e 1993. Uma “revolução de betão”, uma aposta declarada nas infraestruturas que marcou o cavaquismo.


Dados retirados da obra "25 anos de Portugal Europeu" de Augusto Mateus

Houve obras “faraónicas”, obras que ficaram concluídas já depois de Cavaco Silva deixar de ser primeiro-ministro. Como a Expo98, a ponte Vasco da Gama sobre o rio Tejo, que Cavaco chamou a “obra do século”, a barragem do Alqueva, obras lançadas ainda pelo cavaquismo.

O Centro Cultural de Belém (CCB) é para muitos a obra do regime. Entre críticas sobre gastos e derrapagens, é a sede da primeira presidência portuguesa da Comunidade Europeia, em 1992.

Pedro A. Pina - RTP

Há escolas construídas, hospitais como o S. Francisco Xavier, o Garcia de Orta e uma nova lei da gestão hospitalar. Houve pA A1, Autoestrada do Norte, é concluída a 13 de setembro de 1991, 30 anos depois do início da construção.ortos e lotas de pesca,  pontes construídas e a 25 de Abril alargada. Houve estradas, que Cavaco considerava essenciais para fazer o país recuperar do atraso e pôr a economia a fluir. Chega a Portugal a fábrica de automóveis Autoeuropa.   

Depois da intervenção do FMI, os portugueses vivenciavam tempos diferentes. Houve uma abertura às modas e consumos da Europa. Entre 1986 e 1992, o nível de vida português subiu de 65 para 79 por cento do nível de vida europeu, de acordo com o estudo de Augusto Mateus, 25 anos de Portugal Europeu.

O ProdCavaco Silva exalta na autobiografia o que a imprensa internacional escrevia, chegando a falar de “milagre económico” em Portugal. uto Interno Bruto (PIB) cresceu, no mesmo período, 5,6 por cento ao ano e a procura interna cresceu 7,5 por cento. As importações aumentaram mais de 15 por cento ao ano. A inflação vai descendo, sobretudo nos anos 90. O crescimento da economia chega a estar entre os mais altos da OCDE.

Na agricultura e pescas, há políticas comuns da Europa e o caminho do mercado interno abre-se a um espaço de comércio europeu. Entre 1986 e 2008, o volume de mão de obra utilizado na pesca e na agricultura caiu para metade. A capacidade da frota pesqueira caiu para metade em 25 anos (1989-2009), bem como o número das explorações agrícolas. De acordo com dados do estudo de Augusto Mateus, no ramo agrícola a produção agrícola teve aumento real abaixo dos 25 por cento e na pesca caiu cerca de 7 por cento.
 
Cavaco Silva nas obras da Expo'98 - D.R./PSD

“Foi no fim de 1991 que percebi que o ciclo de forte crescimento económico, que Portugal conhecia desde 1986, tinha chegado ao fim”, refere Cavaco Silva, na sua autobiografia. Era o fim do “estado de graça”.

Uma reviravolta económica internacional, os impactos da Guerra do Golfo e da reunificação da Alemanha depois da queda do Muro de Berlim em 1989, as exigências internas para entrar no euro, eram uma parte da equação. A economia abranda, o desemprego, que chegou a ser de quatro por cento, atinge rapidamente os sete por cento, o PIB cai 0,7 por cento em 1993, admite o próprio primeiro-ministro. O encerramento da vidreira da Marinha Grande, em 1992, depois de mais de 200 anos de existência, marca pelo simbolismo.

Os portugueses, habituados a outro discurso, ressentem-se. Cavaco, na autobiografia, confessa que o Governo não se tinha acautelado politicamente para uma situação tão adversa. Houve até, inicialmente, um excessivo otimismo nas previsões do governo, que a derrapagem nas receitas expôs.

A recuperação económica inicia-se em 1995, já com Cavaco Silva prestes a sair do Governo. Cavaco desabafa no seu livro de memórias: “Seria uma desilusão deixar o cargo em situação de crise económica”. Cavaco Silva deixa ainda o Plano de Desenvolvimento Regional 1994-99, aprovado em 1993, para continuação do uso dos fundos comunitários.

Legislatura 1991-1995 - D.R./PSD
“Solução habilidosa”
A abertura da economia à iniciativa privada era um dos desígnios de Cavaco Silva. Depois do 25 de Abril de 1974, as nacionalizações foram a prática e a Constituição Portuguesa colocava preto no branco a “irreversibilidade” dessas nacionalizações.

Uma situação sem paralelo na Comunidade Europeia a que Cavaco queria pôr fim. Privatizar tão depressa quanto possível era a palavra de ordem, diminuir o peso do Estado e diminuir o seu peso na economia os objetivos. A Constituição não permitia que o desígnio do primeiro-ministro entrasse em velocidade cruzeiro. Ou talvez não.

Na autobiografia, Cavaco Silva escreve que encontrou na altura uma “solução habilidosa para ultrapassar o obstáculo constitucional”. Transformavam-se as empresas em sociedades anónimas e vendia-se à iniciativa privada 49 por cento do capital.

O PCP esteve contra. Numa acesa troca de palavras na Assembleia da República em janeiro de 1988, Cavaco responde a ataques sobre a honestidade da medida, feitas pelo deputado José Magalhães: “O senhor deputado pode ter a ambição de vir a ser tão honesto como o primeiro-ministro, mas não conseguirá ser mais honesto”.

A lei é aprovada em julho de 1988 e há-de passar pelo Tribunal Constitucional. Os primeiros processos de privatização parcial envolveram a cervejeira Unicer e o Banco Totta & Açores. O resultado das privatizações tinha um destino: amortizar a dívida pública. No processo de privatizações, o Estado teve ainda de resolver a questão das indemnizações pelas nacionalizações.

Assembleia da República, Legislatura 199191-95: D.R./PSD

Em 1989, dá-se a revisão constitucional resultante de um acordo entre PSD e PS que demorou dois anos a negociar. Com este passo, foi retirado do texto da lei fundamental do Estado a “irreversibilidade” das nacionalizações feitas durante o período revolucionário.
Cavaco Silva classifica o processo de privatizações uma tarefa de “dimensão histórica”, a de maior envergadura, delicadeza e complexidade.
Cavaco Silva avança para a privatização na totalidade de várias empresas, desde a banca aos seguros, passando pela comunicação social. Altera-se ainda a lei que vedava à iniciativa privada um conjunto de atividades económicas, a chamada lei de delimitação dos setores.

O processo de privatizações torna-se, aliás, o embrião do “capitalismo popular”, da aquisição em bolsa de ações de empresas.

Para a iniciativa privada passam jornais que estavam na propriedade do Estado como A Capital, o Diário Popular, o Jornal de Notícias, Comércio do Porto, Record e Diário de Notícias. O Estado tinha antes o controlo quase absoluto dos órgãos de comunicação social.

Em 1986 as empresas não financeiras que integravam o sector empresarial do Estado representavam 13,5 por cento do PIB e 4,5 por cento do total do emprego na economia portuguesa. Depois das privatizações de Cavaco Silva e depois de António Guterres, na viragem do século, o sector empresarial do Estado representava cerca de cinco por cento do PIB e dois por cento do emprego total, de acordo com números do estudo 25 anos de Portugal Europeu.
Privados na televisão
Cavaco Silva faz passar a escolaridade obrigatória de seis para nove anos, reduz o serviço militar obrigatório. A revisão constitucional de 1989 trouxe outras alterações como a introdução da palavra “tendencialmente” associada à gratuitidade do Sistema Nacional de Saúde, a redução no número de deputados na Assembleia da República, a alteração da lei de bases da reforma agrária, à revisão da lei de bases da saúde e à abertura da televisão aos privados.

Em fevereiro de 1990, Cavaco Silva anuncia a intenção da nova lei da televisão e o fim da taxa de televisão paga pelos donos dos aparelhos de televisão.

Reportagem de fevereiro de 1990


O concurso para a atribuição das novas licenças de televisão inicia-se em janeiro de 1991. Os canais são atribuídos à Sociedade Independente dEra o fim do monopólio estatal da televisão e o fim do processo de liberalização da comunicação social. e Comunicação (SIC), de Pinto Balsemão, e à TVI, na altura ligada à Igreja através de Fernando Magalhães Crespo. A atribuição da licença levanta controvérsia. Em outubro de 1992, a SIC começa as transmissões televisivas.

Cavaco Silva não tem dúvidas de que esta foi uma das mais marcantes reformas.

Na autobiografia política diz que “teve a coragem e a sabedoria para prescindir de os influenciar quando, no próprio PSD, eram muitos aqueles que os viam como instrumentos decisivos para a manutenção do poder”.
Concertação social, salários e 14.º mês
O sistema vigente dos salários da Função Pública datava de 1935. O Governo avança com 150 diplomas legais ao longo de três anos (1989-91) para criar um novo sistema retributivo. No livro que escreveu sobre o percurso como primeiro-ministro, Cavaco Silva reconhece que a reforma implicou aumento das despesas de pessoal da administração pública que levantou dúvidas ao então ministro das Finanças. Mas Cavaco defende que foi um investimento “indispensável para travar a degradação da administração pública” e atrair pessoal qualificado.

Em 2005, aquando do lançamento de um artigo para um livro coletivo “Cidadania, uma visão para Portugal”, Miguel Cadilhe, o ministro das Finanças de Cavaco Silva, vem responsabilizar o primeiro-ministro pela medida que colocou a Administração Pública portuguesa no terceiro lugar entre as mais caras da Europa. Critica Cavaco por este não ter aceitado recomendações que fizera. Cadilhe diz que isso teve “efeitos avassaladores” das despesas estatais.

Em entrevista ao Expresso, Cadilhe terá acusado o então primeiro-ministro de ser o pai do “monstro”, forma como o próprio Cavaco Silva falou, em 2000, do excesso de despesas, em crítica a António Guterres.

A 30 de maio de 1990, outro marco, desta vez nas prestações sociais. O Governo anuncia a atribuição do 14.º mês para todos os pensionistas.

Reportagem de maio de 1990

O primeiro-ministro argumenta que esta foi uma medida que nenhum outro governo antes teve capacidade de efetuar, porque nunca antes a economia esteve em condições de aguentar. A medida foi apresentada a cerca de 15 meses das eleições legislativas de 1991.

De acordo com o estudo 25 anos de Portugal Europeu, no período entre 1986 e 1993 houve um crescimento no peso das depesas públicas no PIB, fruto do aumento de despesas com prestações sociais e com pessoal.

Apesar de insucessos - no que toca, por exemplo, à legislação laboral - que motivaram uma greve geral em 1988, Cavaco Silva exalta os resultados conseguidos em termos de concertação social e no facto de ter sido o primeiro chefe do executivo que conseguiu sentar à mesma mesa os vários intervenientes. Na autobiografia, exalta os resultados obtidos em 1990, um “acordo histórico, tal a amplitude e profundidade do diálogo”.

No balanço que fez dos cinco anos de governo maioritário, na entrevista à RTP, Cavaco Silva confessa que não tem o sucesso esperado no controlo da inflação e contesta a imagem de arrogância que muitos lhe atribuem, ao argumentar: “Ouço mesmo muito, mas depois decido. E se não decidisse, Portugal era um país adiado. Mal de nós se voltarmos a ter políticos no nosso país que não sejam capazes de decidir”.
O pai do IRS
Entre as reformas do cavaquismo estão as da flexibilização da legislação laboral, a nova legislação agrária e o fim do coletivismo na agricultura no Alentejo, a reforma do mercado de arrendamento, a lei de bases da saúde, a reforma do sistema financeiro. E aquela que mais depressa podemos reconhecer hoje em dia: a reforma fiscal.

O IVA, o IRS e IRC são implementados por Cavaco Silva. O sistema que vigorava datava de 1963 e a reforma vem pôr fim a uma espécie de “manta de retalhos” na tributação. Vários impostos, como o imposto profissional ou o imposto de capitais, são substituídos de uma assentada. 1988 é o ano da reforma, que entra em vigor em 1989.

Reportagem de 7 de janeiro de 1989

Uma reforma que teve forte oposição e mesmo críticas da Comissão Técnica. Os partidos da oposição falavam de um aumento da carga fiscal e o Governo desdobrava-se em ações para contrariar o argumento. A reforma avançou e continua a ser a base da fiscalidade que se mantém ainda hoje, com base em escalões e tratamento diferenciado na tributação.
Em março de 1992 dá-se a adesão do escudo ao mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, um passo no caminho para a moeda única.
O sistema financeiro é também alvo de remodelação. Há nova lei do mercado de capitais, novo código da CMVM, um novo regime das instituições de crédito. A política de privatizações fazia nestes anos animar a Bolsa, mas sobretudo era preciso dotar o país de um sistema diferente para responder aos requisitos da Europa de livre circulação de bens e capitais e que caminhava para uma união económica e monetária.

Brinde a 7 de fevereiro de 1992: Jerry Lampen - Reuters
Presidência Portuguesa
A nível internacional, cai o muro de Berlim em 1989, os países soviéticos vivem momentos quentes. A 31 de maio de 1991, no Estoril, assinavam-se acordos de paz para Angola entre José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, embora o regresso às armas fosse realidade meses depois.O palco da presidência portuguesa foi o novo Centro Cultural de Belém, considerada uma das grandes obras do “cavaquismo”.
 
Na Europa, Portugal assumia pela primeira vez a presidência rotativa da Comunidade Europeia, no primeiro semestre de 1992. Uma altura de mudanças para os países europeus, com uma aceleração da integração europeia. É durante o período da presidência portuguesa que é assinado o Tratado de Maastricht, que institui a União Europeia e o caminho para a união económica e monetária, no dia 7 de fevereiro.

Na altura, em discussão estavam ainda os fundos comunitários e o processo de coesão social na Europa. O Conselho Europeu de Lisboa, em junho, encerrou a presidência portuguesa que deixa lavrada em papel o Fundo de Coesão a criar em 1993.

Reportagem sobre balanço Presidência Portuguesa, junho 1992

A definição do montante dos fundos comunitários, o chamado Pacote Delors II, fica para ser decidido na presidência britânica. No Conselho Europeu de Edimburgo, em dezembro de 1992, aprova-se a duplicação dos apoios comunitários para Portugal. Estavam criadas as condições para o novo plano de desenvolvimento. Em julho de 1993, Cavaco Silva apresenta publicamente o Plano de Desenvolvimento Regional para 1994-99.

O seu Governo iria terminar em 1995.
O tabu
Cavaco Silva conseguiu passar por cima de escândalos envolvendo alguns dos seus ministros e ministérios, contornar a derrota nas autárquicas em 1989 e consegue obter nova maioria absoluta nas legislativas de 1991. Mas o cenário agrava-se.

Em 1993, já com dificuldades económicas e em clima de recessão europeia, o PSD fica como segundo partido mais votado nas autárquicas, um desaire que se repete nas eleições europeias de 1994.

A instabilidade está instalada, com um azedar das relações com o Presidente da República, com contestação social e manifestações. Cavaco diz-se cansado da vida partidária e da política.
 
“Fui-me cansando da vida partidária, das reuniões da Comissão Política Nacional e do Conselho Nacional do PSD, a que eu achava ser meu dever não faltar, e era-me cada vez mais difícil conviver com as fugas de informação sobre o que nelas se passava. Os comportamentos oportunistas e mesquinhos de alguns dirigentes partidários desenvolveram em mim uma crescente sensação de fastio”, desabafa Cavaco no seu livro Autobiografia Política II. Ele, que sempre quis transmitir a imagem de um “não político”.

“Era com sacrifício que participava nas reuniões dos órgãos de direção do partido e escutava os discursos dos chamados ‘barões’ ou de certos dirigentes, em relação aos quais eu me interrogava como tinham conseguido ascender na hierarquia partidária. Fui ao ponto de, discursando em Faro, na festa de verão do partido, em 13 de agosto de 1994, ter afirmado: “no PSD, tal como nos partidos da oposição, também existem alguns ‘barões’ que vêem nos partidos trampolins para alcançarem benesses partidárias”.”
Na lista de razões para a saída, Cavaco elege a vontade de ter tempo para a família e ainda o cansaço da comunicação social. Fala de uma notícia que mais o indignou: aquela que dava conta de obras que tinha feito em casa para reconstruir uma casa de banho, fechar uma varanda e deitar abaixo uma parede. No livro, não dá nome ao semanário em causa, mas tratava-se de O Independente.

E foram os jornais que no final de 1994 começaram por falar de uma eventual não recandidatura de Cavaco Silva a primeiro-ministro. QuestionaNas eleições anteriores, de 1991, Cavaco Silva tinha garantido ao partido que não ficaria a governar se não tivesse maioria absoluta. do pelos jornalistas, respondia: “Isso é matéria tabu em relação à qual ninguém me vai ouvir uma declaração pelo menos até ao final do mês de março”.

Enganou-se. É o próprio Cavaco Silva que, a 23 de janeiro de 1995, convoca uma conferência de imprensa de imprensa para anunciar o futuro: sairá da liderança do PSD e não será candidato a primeiro-ministro nas eleições de outubro desse ano.

Era o fim anunciado, momento em que não deixa de lançar farpas ao Presidente da República. Aliás, Mário Soares não tinha sido informado previamente da decisão.

Fernando Nogueira substitui Cavaco Silva na liderança do partido. O PSD haveria de perder as eleições legislativas de 1995 para o PS. Em outubro, António Guterres toma posse como primeiro-ministro e Aníbal Cavaco Silva termina dez anos de poder, oito deles em maioria absoluta.

“Cheguei à conclusão de que não tinha de me envergonhar da obra feita, tinha mesmo algumas razões de orgulho. Sabia que em política não se deve esperar gratidão, mas achava que podia sair de consciência tranquila, o que para mim era muito importante, e que não tinha necessidade de exibir falsas modéstias. Com certeza que gostaria de ter feito mais e melhor. Mas era indiscutível que na última década, muita coisa tinha mudado no país” - in "Autobiografia Política".

Ainda em 1995, antes de sair do Governo, Cavaco Silva lança um livro: As Reformas da Década, em que relata as medidas que considerou fundamentais para criar um país mais moderno.

Reportagem de 31 de maio de 1995

O que foi o “cavaquismo” em São Bento? O próprio diz que isso nunca existiu, que o que houve foi um novo estilo de governar.

Há elogios, há críticas vindas das mais diversas figuras. Há dúvidas de uns e certezas de outros, sobretudo pelas prioridades atribuídas ao uso dos fundos comunitários. Todas as oportunidades foram bem aproveitadas?

Há, todavia, um facto histórico: Cavaco Silva é figura incontornável.