António Barreto antevê governo de esquerda a "rebentar com toda a força"

por Graça Andrade Ramos - RTP
António Barreto não acredita no futuro de um governo de entendimento à esquerda Lusa

Entrevistado na RTP3, António Barreto considerou que o PS tem tudo a perder num entendimento à esquerda. E vaticinou vida breve para essa solução de governo, caso esta se concretize, e um futuro negro para Portugal.

Na Grande Entrevista, conduzida por Vítor Gonçalves, o sociólogo afirmou que, nas últimas três semanas, António Costa demonstrou uma enorme sede de sobrevivência política, agarrando-se à hipótese de chefiar um governo.

E apontou o que considera ser a irresistível "atração pelo poder" que tem movido PCP, BE e PS. "Resumo numa simples frase: cheira bem, cheira a poder", afirmou.

O sociólogo não põe, contudo, em causa a legitimidade das negociações à esquerda. Afirma que a coligação está a ver "fugir-lhe o poder" e por isso tenta tudo, até acusar a esquerda de querer usurpar o poder.

"Há duas esquerdas", lembrou Barreto, vaticinando que será isso que derrubará um eventual governo que se venha a formar à esquerda.

"Mais do que os programas eleitorais é preciso ver o programa dos próprios partidos", recordou António Barreto, sublinhando por exemplo que, para o PCP, a democracia é transitória e instrumental, circunstância que vai impedir uma caminhada com o PS.
Contra comunismo, contra fascismo
Um governo com o comunismo não vai funcionar, nem "durar quatro anos", considera Barreto. "Quando se começar a discutir" sobre renacionalizações, o Tratado Orçamental e o défice orçamental, ou a estratégia da NATO e da União Europeia, " tudo isto, vai ser possível fazer com o Partido Comunista sempre a engolir sapos?" pergunta.

"Chegando a Aveiras vai-se ver que este governo de esquerda, artificial e oportunista, vai rebentar com toda a força", anteviu mesmo o sociólogo.

"Sou contra o comunismo como sou contra o fascismo, sou contra os dois", reconhece António Barreto, sem receio de ser chamado "anti-comunista primário". E questiona mesmo "não sei porque é que o comunismo tem uma benção superior à do fascismo".

Para o sociólogo, a abertura do PCP a um acordo de governo baseia-se, primeiro, nos "quatro anos de austeridade que não acabaram tão mal quanto eles pensavam" e, segundo, no facto de o PCP estar nos anos recentes "à margem do sistema político".

António Barreto diz que Portugal não é um país independente, está sob um protetorado fortíssimo europeu, económico e financeiro, e levará muito tempo a recuperar alguma soberania. O que teria também modificado a atitude do PCP.

"O PCP percebeu que os inimigos dele já não está cá estão na Europa", afirma e que os novos movimentos de esquerda em Espanha, Itália e Grécia, lhe mostraram que tinha de se aproximar do sistema democrático e de ter uma nota de "bom comportamento democrático e governativo", ou teria chegado ao fim.
"Fantasia alucinada"
Sobre a proposta comunista de querer que a União Europeia pague a saída de países do euro, António Barreto ironiza e diz que alguns partidos estão a transformar a União Europeia numa espécie de "Santa Casa da Misericórdia" que deve pagar todos os erros e disparates dos países-membros. "Estamos no domínio da fantasia alucinada", refere.

Para António Barreto, Cavaco Silva não pode recusar a tomada de posse de um governo por motivos políticos como o pôr em causa os compromissos europeus ou a participação de Portugal na NATO, se houver um compromisso dos partidos sobre essa questão.

O sociólogo diz ainda que as negociações entre o PS e a coligação falharam porque nenhum dos dois quis. "É preciso fazer uma grande coligação", como na Alemanha, recomenda, lamentando a incapacidade portuguesa de a formar.

António Barreto considera também que Passos Coelho cometeu um erro de análise, ao acreditar que António Costa nunca fosse tentar acordos à esquerda. Ou então, admite, "raciocinou com cinismo", acreditando que um governo de esquerda acabaria por resultar em novas eleições e uma "gloriosa" maioria à direita.

António Barreto desenha um futuro negro para um governo com o Bloco de Esquerda e do PCP no poder, afirmando que acabará num segundo resgate e num novo ciclo de grande austeridade.

Um cenário que faz com que o Partido Socialista neste governo tenha "tudo a perder à sua esquerda e à sua direita, tudo a perder. E tem a ganhar uma dúzia ou duas dúzias de meses de poder político para meia dúzia de pessoas. É pouco para um grande partido democrático", diz António Barreto. E Portugal também tem a perder, acrescenta.
Elites são o problema
Quanto à protelada apresentação do acordo à esquerda, que tem sido falado mas se mantém desconhecido, o sociólogo não hesita em referir diversos aspetos "anti-democráticos" da situação.

Para António Barreto, a situação de Portugal começa a assemelhar-se à da Grécia.

Já os portugueses, ao fim de quatro anos de austeridade, estão "apenas um pouco mais pobres" e "mais rijos", mas, sobretudo, mais "inseguros" quanto ao futuro e com "menos ilusões e menos interessados na política".

O sociólogo desdramatiza também a emigração e considera que a crise revelou que os portugueses "tiveram mais juízo do que se pensava e se portaram melhor do que as elites", as quais se "têm portado muitíssimo mal".

"Com elites decentes não teríamos a corrupção que temos, não teríamos a justiça que temos", uma justiça "miserável, em todos os estudos de opinião é o pior sector". "Nunca se viu na Europa uma coisa destas", concluiu.
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