Soares encabeça manifesto de contestação à austeridade

por RTP
“Não podemos saudar democraticamente e chamada rua árabe e temer as nossas próprias ruas e praças”, assinalam os signatários Paulo Novais, Lusa

Na véspera da greve geral convocada pelas centrais sindicais, nove personalidades, na maioria socialistas, assinam um manifesto a apelar “à participação política e cívica” contra “políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão”. À cabeça dos signatários está Mário Soares. Sob o título “Um novo rumo”, o documento lembra “o recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália” para ilustrar “os perigos” que pendem sobre “alguns regimes democráticos”. Evoca também a “rua árabe”.

“O recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na atual emergência”, sublinha o manifesto “Um novo rumo”. Soares “sabe como é difícil”

O manifesto assinado por Mário Soares já mereceu uma reação de Pedro Passos Coelho, que lembrou a experiência governativa do antigo Chefe de Estado.

“Ele sabe como é difícil aplicar este tipo de medidas, mas ele, como talvez mais ninguém, tem noção de como é indispensável produzir estas alterações para sairmos da situação em que estamos e cumprirmos com as obrigações externas que o país tem”, afirmou o primeiro-ministro aos jornalistas no Centro de Congressos de Lisboa.

Soares, lembrou ainda Passos Coelho, “enfrentou pelo menos por duas vezes situações identicamente muito difíceis para Portugal, que envolveram empréstimos externos efetuados com o apoio do Fundo Monetário Internacional” e, “sobretudo da segunda vez, aplicou um programa extremamente restritivo e de austeridade”.


O documento, citado pela agência Lusa, não faz alusões explícitas à greve geral de quinta-feira. Mas apela à mobilização “política e cívica” para a “construção de um novo paradigma”: “É o momento de mobilizar os cidadãos de esquerda que se reveem na justiça social e no aprofundamento democrático como forma de combater a crise”.

“Os signatários opõem-se a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia. Nesse sentido, apelamos à participação política e cívica dos cidadãos que se reveem nestes ideais e à sua mobilização na construção de um novo paradigma”, propugna o documento.

A primeira assinatura é de Mário Soares. Além do antigo Presidente da República, assinam o documento Isabel Moreira, deputada independente na bancada socialista, o líder da JS Pedro Alves, o docente universitário Mário Ruivo, Pedro Adão e Silva, antigo dirigente do PS, Vasco Vieira de Almeida, advogado e ex-ministro socialista, Vítor Ramalho, presidente da Distrital do PS de Setúbal, o ex-ministro José Medeiros Ferreira e Joana Amaral Dias, antiga deputada do BE.

“Rua árabe”
Na mira dos signatários do manifesto estão as atuais lideranças políticas da Europa comunitária. A União Europeia, critica o documento, “acordou tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada”. O manifesto adverte que é a própria “sobrevivência” do projeto europeu que está “em causa”. Isto num contexto de “escalada da anarquia financeira internacional” e de “desmantelamento dos Estados”.

“Sem a resolução política dos problemas europeus, dificilmente Portugal e os outros Estados retomarão o caminho de progresso e coesão social. É preciso encontrar um novo paradigma para a UE”, advoga o texto, para argumentar, adiante, que “o recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na atual emergência”.

“Ora a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas. Não podemos saudar democraticamente a chamada rua árabe e temer as nossas próprias ruas e praças”, vincam os signatários.

As opções políticas do Governo de Pedro Passos Coelho estão também entre os alvos do manifesto: “Temos de denunciar a imposição política de privatizações a efetuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania. Da mesma maneira, o recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais, em particular na saúde, educação, proteção social e dignidade no trabalho é inaceitável”.

Dissonância
Com o documento agora tornado público, os signatários do campo socialista acabam por subscrever um texto que se afasta da postura moderada da atual liderança do PS. António José Seguro tem evitado colocar-se numa posição de apoio expresso à greve geral convocada pela UGT e pela CGTP. No último fim de semana, ao fechar o Congresso da Corrente Sindical Socialista da CGTP, o secretário-geral da maior formação política da Oposição limitou-se a considerar que “um partido socialista tem de estar onde estão as trabalhadoras e os trabalhadores portugueses”.

“Nós no PS defendemos um movimento sindical forte, livre e independente, sem correias de transmissão. Nós dispensamos essa ideia arcaica de que tem de se ir ao partido perguntar o que é que se faz no sindicato. Não, nós queremos outro tipo de relacionamento”, defendia então o líder socialista, após saudar o facto de a Corrente Sindical “não aceitar tutelas”.

Quem já manifestou “total solidariedade e apoio à greve geral” foi Manuel Alegre. Numa mensagem à Corrente Sindical Socialista da CGTP, entretanto divulgada pela Lusa, o ex-candidato do PS à Presidência da República afirmou ser “necessário defender os direitos dos trabalhadores e as funções sociais do Estado contra a revolução ultraliberal e conservadora que configura a maior ofensiva estratégica de sempre no sentido do empobrecimento do país e do esvaziamento dos direitos sociais da nossa democracia tal como estão consagrados na nossa Constituição”.
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