De Berlim para Lisboa

Antes da guerra, a Europa vivia um período de expansão e domínio em todas as facetas humanas, da política às artes. Era um mundo vibrante, que os europeus das classes mais abastadas percorriam com à vontade. Assim como havia alemães, franceses ou ingleses em Portugal, também muitos portugueses trabalhavam ou estudavam em França e na Alemanha. Quando a guerra rebentou, aqueles que estavam do lado alemão viram-se confrontados com a necessidade de regressar a casa. Hoje mostramos-lhe num Postal como esse regresso foi muitas vezes uma autêntica aventura numa Europa de repente virada do avesso.

A guerra foi declarada a 28 de julho de 1914. E desde logo todos os meios de transporte lhe foram consagrados, o que tornou quase impossíveis as deslocações de civis na Europa, sobretudo até á periferia continental, como era por exemplo o desejo de muitos portugueses.

Carlos Alves Braga, estudante em Berlim, levou 40 horas de comboio até chegar a Hannover para embarcar num 'vapor'. Sem comida e entre o medo constante dos bombardeamentos.

Depois de mais uma semana de espera na cidade portuária holandesa, acabou por embarcar no “Tubantia“ e seguir para Lisboa. Com má comida e medo de naufragar devido a um eventual ataque da marinha inglesa.



A história acabou por ser contada pelo próprio à revista Ilustração Portuguesa do jornal O Século e serviu de base a mais este postal ficcionado mas baseado em factos reais.




No mesmo número, surge o habitual texto ilustrado sobre o que sucedia no centro da Europa. Sob o nome "A Europa em Guerra", a rubrica dava aos seus leitores imagens relativamente fidedignas dos combates, das ruínas, das tropas e dos principais acontecimentos.


A princípio, o grande tema são as batalhas terrestres e a vida dos soldados. Mas as batalhas marítimas e aéreas acabaram por encher igualmente páginas inteiras.

A revista irá publicar ainda, ao longo de quatro anos, extensas reportagens sobre as principais cidades francesas que a guerra ameaça.

Algo que se torna quase imediatamente evidente é que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensava, a guerra não iria ser nem rápida nem fácil.

As imagens das ruínas das cidades europeias, perante os bombardeamentos e o avanço dos exércitos, e da fuga das populações, tiravam quaisquer dúvidas que restassem aos leitores, apesar dos textos sempre entusiásticos de apoio aos aliados.




Um aspeto que fica sublinhado no artigo "de Berlim para Lisboa" são as dificuldades de deslocação de Carlos e dos seus companheiros de aventura. O texto da Ilustração Portuguesa afirma:

"Até à Holanda levou-o um comboio, que gastou o triplo do tempo que ordinariamente gasta; e que pergorgitava de gente; mas durante o caminho, feito em 40 horas, no meio de todas as precauções vagarosas por uma linha férrea guardada por soldados, principalmente nas pontes, não havia nada que comer!"

A importância do avião na primeira guerra mundial tem sido muitas vezes apontada, pela sua importância como nova arma e muitos pilotos e batalhas aéreas entraram para a História.

Menos reconhecido é o papel do comboio e das linhas férreas. Os primeiros seis meses de 1914 em Portugal foram por exemplo marcados por uma greve selvagem dos maquinistas e outro pessoal da CP, que parava composições no meio da linha ou fazia descarrilar comboios e suas cargas.





Ao longo de toda a guerra os comboios foram essenciais para deslocar armas e tropas de forma rápida até à frente de batalha. E as pontes ferroviárias e demais vias férreas eram por isso alvos estratégicos constantes, para impedir o avanço inimigo.





Um artigo de quatro páginas, publicado na Gazeta dos Caminhos de Ferro em1939 por ocasião dos 50 anos da revista, demonstra bem em números a

importância vital que o comboio tinha adquirido em 1914, não só em tempo de paz mas também na estratégia da guerra.



Gazeta dos Caminhos de Ferro - Hemeroteca Municipal

Por exemplo, foram necessários 1500 comboios para a mobilização das tropas britânicas. E num só dia moveram-se 25.000 homens em 104 comboios, além de "6.000 solípedes e 1000 toneladas de bagagem".

Já os alemães possuíam 11 linhas férreas independentes "que lhes deram até quase ao final da guerra a possibilidade de lançar de forma quase instantânea, sobre sectores escolhidos grandes massas de tropas reunidas a retaguarda."

A Carlos Alves Braga parecia-lhe, por isso - no postal ficcionado mas baseado em factos reais - que os comboios só transportavam armas e soldados.

Imagens: Ilustração Portuguesa - Hemeroteca de Lisboa