Donald Trump: a arte de fazer negócios transformou-se em política

Trump Tower, Nova Iorque, 16 de junho de 2015. O magnata cosmopolita de sucesso, a personalidade televisiva, o ícone da cultura popular norte-americana e, agora, também o político inconveniente. Anunciada a candidatura à Presidência dos Estados Unidos, Trump desafia tudo e todos desde o primeiro momento. Causa desconforto ao Partido Republicano, propõe a construção de muros, derruba as barreiras do politicamente correto. Há um ano, ninguém acreditaria que este mesmo homem teria possibilidades de conquistar a nomeação e chegar à Casa Branca. Mas quem é, afinal, Donald Trump?

(O artigo foi publicado orginalmente a 6 de novembro de 2016, antes de serem conhecidos os resultados das eleições presidenciais norte-americanas.)

Não há quem não escreva sobre ele, quem não opine sobre ele, quem não o julgue pelas suas palavras e espírito irreverente. O elemento imprevisível nas eleições de novembro tirou o chão aos republicanos mais moderados, principalmente desde que se tornou impossível negar uma evidência: Trump ultrapassou todos os candidatos favoritos do establishment republicano e tornou-se num enorme elefante vermelho no meio da sala.


Ana Romeu, António Nunes - RTP

Compreender o fenómeno é compreender as origens. Donald John Trump nasceu a 14 de junho de 1946 em Jamaica Estates, na zona de Queens, Nova Iorque. É um dos cinco filhos de Mary Trump e Fred Trump, de onde provêm, respetivamente, a sua ascendência escocesa e alemã. Trump fez questão de evidenciar as raízes da mãe, com vários investimentos na Escócia. Mas é na Alemanha que encontramos os antepassados empreendedores.

Raízes profundas
Os primeiros anos de Donald
Da escola para a empresa
A expansão do império
Too big to fail
Remorsos de um Ghostwriter
Um mito construído
Os namoros com a política
Surpresa atrás de surpresa


Raízes profundas

A história da família Trump está intrinsecamente ligada à Alemanha. O apelido que hoje enche as páginas de jornais e está nas bocas do mundo, quando faltam apenas dois dias para a eleição presidencial dos EUA, parte de uma alteração fonética que decorreu ao longo de vários séculos, bem no centro da Europa.

Sabe-se que Drumpf era o nome ancestral da família, remontando ao advogado Hans Drumpf, que se mudou para a cidade de Kallstadt. O apelido foi modificado durante a Guerra dos Trinta Anos, no século XVII, segundo revela um livro de Gwenda Blair, “The Trumps: Three Generations That Built an Empire”, publicado em 2001.

O avô de Donald, Friedrich Trump, nasceu em 1865 na cidade de Kallstadt, no Estado alemão da Renânia-Palatinado, uma localidade de onde já tinha surgido um grande empreendedor: John Henry Heinz, pai de Henry John Heinz, o criador da conhecida marca de ketchup.

Friedrich saiu da cidade natal em 1885 tendo como destino os Estados Unidos. Passou por várias cidades, mas acabou por voltar a Kallstadt em 1901, onde foi encontrar Elizabeth, uma rapariga muito mais nova, com quem viria a casar contra a vontade dos pais, já que a futura Trump pertencia a uma família mais pobre. Nessa altura, Friedrich já estava na posse de uma larga fortuna, conquistada em solo norte-americano.

Mas nem isso lhe valeu como argumento para ficar. A Alemanha deportou-o para os Estados Unidos em 1905, com acusações de fuga aos impostos e incumprimento do serviço militar obrigatório. Mudou-se em definitivo para Nova Iorque em outubro de 1905.

A história familiar prossegue no século XX de forma mais ou menos pública, até porque o destaque na área de negócios se torna incontornável no cenário empresarial norte-americano. Com a morte precoce de Friedrich, em 1918, Elizabeth toma as rédeas da empresa do marido com a ajuda de um dos três filhos, Fred Trump, que desde muito jovem se revela o herdeiro dos negócios da família.

Juntos formam a empresa Elizabeth Trump & Son - hoje designada Trump Organization – que se dedica sobretudo ao ramo imobiliário. Depois da II Guerra Mundial, o império empresarial continua em grande crescimento, com o foco na construção de habitações para as famílias dos veteranos que regressavam dos campos de batalha.


Os primeiros anos de Donald

A popularidade do nome familiar cresce ainda mais quando, entre 1963-64, Fred Trump coordena a construção da “Trump Village”, um complexo de apartamentos em Coney Island, no valor total de 70 milhões de dólares.

Nessa altura, Fred Trump já estava casado com Mary Anne Trump, união da qual nasceram cinco filhos. Entre eles Donald John Trump, uma criança irreverente que o pai decidiu disciplinar, colocando-o na Academia Militar de Nova Iorque, logo aos 13 anos.

“No segundo ano, deixei um professor com um olho negro. Dei um murro ao meu professor de música porque achava que ele não percebia nada de música. Quase fui expulso da escola”, conta o magnata no seu livro “Trump: A Arte do Negócio” (Trump: The Art of the Deal, 1987).

“Hoje não estou orgulhoso de o ter feito. Mas é claramente evidente que desde cedo tenho a tendência de me erguer e fazer valer as minhas opiniões, de uma forma muito contundente. A diferença é que agora o faço usando o meu cérebro, em vez das minhas mãos”, esclarece na obra biográfica.

Sob as rígidas regras da New York Millitary Academy, o jovem destacou-se a nível desportivo, em modalidades como o futebol americano, o basebol e a luta livre.

Prosseguiu os estudos na Universidade Fordham, em Bronx, instituição que frequentou durante dois anos, entre 1964 e 1966. Transferiu-se depois para a Wharton School of Finance and Commerce, na Universidade da Pensilvânia. Escolheu estudar o sector imobiliário numa das poucas instituições que lecionava sobre o assunto, naquela altura.

Numa das primeiras aulas, quando um docente perguntava aos novos alunos que razões os tinham levado até ali, Trump levantou-se e disse: “Vou ser o rei do imobiliário em Nova Iorque”. Os colegas riram-se.

Já nessa altura o lado prático prevalecia sobre a teoria: enquanto estudava, Donald Trump ia ajudando na empresa familiar, tendo no entanto ambições muito diferentes das que tivera o pai: o trabalho para o arrendamento de casas, sobretudo para a classe média, não o fascinava. Tinha os olhos postos em Manhattan.

Durante os anos de faculdade, Donald Trump viu o destacamento para a Guerra do Vietname adiado por quatro vezes para que pudesse pôr fim aos estudos, numa altura em que todo o país se mobilizava, a favor ou contra a posição norte-americana.

Quanto terminou a licenciatura, na primavera de 1968, chegou o quinto e definitivo adiamento: apesar do porte atlético, Donald Trump já sofria de osteófitos, ou bicos de papagaio nos calcanhares. O diagnóstico alterou para sempre o rumo que a sua vida viria a seguir. No ano em que ficou excluído do recrutamento, mais de 300 mil soldados viajaram para o Sudeste Asiático.

E quando a saúde dos candidatos presidenciais esteve no centro da polémica, durante o verão de 2016, nomeadamente quando Hillary Clinton se sentiu mal durante uma cerimónia de homenagem às vítimas do 11 de Setembro, a campanha de Trump não se cansou de citar uma antiga declaração do doutor Harold N. Bornstein, médico pessoal de Donald Trump há já vários anos.

Em dezembro do ano passado, Bornstein não fazia menção ao problema que tinha desviado o candidato republicano da mortífera guerra dos anos 60, dizendo que Trump “não tinha problemas médicos significativos” e que, caso fosse eleito, seria “o individuo mais saudável de sempre a chegar à presidência”. 


Da escola para a empresa

Filho de um grande empresário, facto que o jovem Donald muito enfatizava nas conversas com os colegas da faculdade, deu os primeiros passos no negócio imobiliário ainda enquanto estudava. Na empresa Elizabeth Trump & Son, começou por se envolver nos investimentos do pai, nomeadamente em projetos de habitação no Estado do Ohio.

Estas operações de média escala não ocupariam por mais tempo a vida empresarial de Donald Trump. Com apenas 25 anos, em 1971, apodera-se da empresa familiar, que nessa altura se passa a designar “Trump Organization”. A sede da empresa passa a estar em Manhattan.

Em 1973, os Trump já estavam na agenda mediática. Um artigo no New York Times noticiava que o Departamento de Justiça norte-americano acusava um “grande proprietário” de discriminar negros que pretendiam ocupar os apartamentos por eles arrendados. O Governo acusava a empresa de tratamento desigual tendo por base “a raça ou a cor”.

“Isto é absolutamente ridículo. Nós nunca discriminámos ninguém e nunca o faríamos”, respondia Donald Trump. O caso terminou com um acordo mútuo entre as duas partes, com os Trump a ficarem obrigados a informarem com regularidade sobre a atribuição de apartamentos. Não sem que antes a empresa tivesse processado o Estado por difamação “irresponsável e sem fundamento”.

Três anos mais tarde, o mesmo jornal volta a dar atenção ao empresário em ascensão. “Ele é alto, magro e louro, com dentes brancos e deslumbrantes, parece-se com Robert Redford. Passeia-se pela cidade num Cadillac com motorista e com as suas iniciais – DJT - gravadas nas chapas. Namora com modelos escanzeladas, está nos clubes mais elegantes e, com apenas 30 anos de idade, estima que vale mais de 200 milhões de dólares”.

O percurso de Donald Trump passa a estar imiscuído com a história de uma cidade exuberante, em pleno início dos anos 70. Mas o primeiro grande negócio da carreira data de 1978, altura em que a empresa se dedica a vários investimentos no Commodore Hotel - agora conhecido por Grand Hyatt Hotel - junto da icónica estação de Nova Iorque: a Grand Central Terminal. A fachada envelhecida dá lugar a um envolto de vidro que não passa despercebido. 

O mesmo acontece com o novo edifício que servirá de sede à Trump Organization, e que fica concluída em 1983, ou antes, a compra de um edifício que viria a ser a Trump Plaza. 


A expansão do império

Até lá, Donald Trump apodera-se do poder e estabelece o seu papel de cartão de entrada da empresa familiar, à frente do pai.

Fred Trump vai ficando para trás e ocupa o papel do negociador silencioso. A partir dos anos 70, fica associado a polémicas de lucros e receitas fraudulentas no sector imobiliário, situação que o remete para os bastidores. Donald tem margem para avançar com os projetos megalómanos com que sempre sonhou, com a ajuda dos contactos políticos e do capital amealhado pelo progenitor.

"Não foi fácil para mim. Comecei os meus negócios em Brooklyn. No início, o meu pai deu-me um pequeno empréstimo de um milhão de dólares", confessa Donald Trump no livro “The Art of the Deal”. De facto, com os planos de grandeza que já estavam delineados desde os tempos de faculdade, toda a ajuda seria bem-vinda.

Seguir-se-iam outros negócios como a compra do icónico Plaza Hotel, gerido pela primeira mulher de Trump, Ivana, mas cujo investimento que declarou bancarrota em 1992, por altura do divórcio. Contemporâneo a este negócio é a construção da Trump Plaza and Casino, que reabilitou uma zona abandonada em Atlantic City, Nova Jérsia, um negócio mais duradouro mas que teve um ponto final definitivo em setembro de 2014.


Too big to fail

Em 1984, já se fala na imprensa norte-americano de um autêntico “império em expansão”, com grande destaque. Por essa altura, Donald já tinha procurado sucesso muito além do negócio imobiliário. 

Grande exemplo dessa demanda pelas luzes da ribalta é o investimento direcionado aos campos de golfe (detém atualmente 18 campos espalhados pelo mundo, desde a Escócia, Estados Unidos e Dubai) ou ao New Jersey Generals, durante os anos 80, um clube que detinha grande poder na United States Football League (USFL). A liga de futebol americano era alternativa e desafiaria, a longo prazo, a competição na National Football League (NFL).

Mas a velha máxima de Donald Trump, think big, foi um fiasco. O jovem encetou em vários esforços para que a “sua” liga se unisse à grande rival, o que depressa levou a primeira à ruína. Em 1986, o calendário da época USFL foi mesmo alterado no sentido de forçar a convergência, mas essa época nunca viria ver o pontapé de saída. Trump e companhia acabaram com uma dívida de 163 milhões de dólares por violação das regras da concorrência. A liga foi à falência e muitos dos jogadores, estrelas da USFL, transitaram para a NFL.

Até à atualidade, Donald Trump recorreu por seis vezes à bancarrota no sentido de salvar o seu negócio: O Trump Taj Mahal (1991), o Trump Castle (1992), a Trump Plaza & Casino (1992), o Plaza Hotel (1992), a Trump Hotels and Casinos Resorts (2004) e, finalmente, a Trump Entertainment Resorts (2004).

São as “lacunas legais” na legislação do país, ao serviço dos grandes homens de negócio, como o próprio argumentou nos primeiros debates entre os candidatos republicanos às eleições primárias, em 2015.

Numa referência ao conceito teórico too big to fail, que viria a ser celebrizado durante a crise do subprime, em 2008, Michael D’Antonio, um dos biógrafos de Donald Trump, argumenta no documentário “The Making of Trump” (emitido no ano passado pelo History Channel norte-americano) que Donald Trump “já era grande demais para falhar, mesmo antes de conhecermos esta expressão”.


Remorsos de um Ghostwriter

É na arte de ver vitórias nas derrotas, na política e nos negócios, que reside muito do seu sucesso. Talvez por isso tenha pensado desde muito cedo em dedicar-se a uma autobiografia, que viria a transformar-se antes num livro de negócios e empreendedorismo, precisamente quando os seus primeiros investimentos desembocavam em redondos fracassos.

“Trump: A Arte do Negócio”, já aqui falamos dele, é “o segundo livro favorito” de Donald Trump, “depois da Bíblia”, como o candidato fez questão de frisar em vários comícios do Partido Republicano.

Tornou-se, na verdade, num dos mais vendidos de sempre nos Estados Unidos e esteve em primeiro lugar na lista de bestsellers do New York Times durante 48 semanas.

“Não o faço pelo dinheiro. Tenho o suficiente, muito mais do que alguma vez irei precisar. Faço negócios porque sim. Os negócios são a minha forma de arte. Outras pessoas pintam belos quadros ou escrevem poesia magnífica. Eu gosto de fazer negócios, de preferência grandes negócios. É isso que me dá pica”, pode ler-se na nota introdutória do livro de Donald Trump.

Mas um artigo de grande impacto, publicado pela revista The New Yorker em julho deste ano, coloca tudo em causa. “Pus batom num porco”. (tradução livre de uma expressão anglo-saxónica I put lipstick on a pig, que significa, regra geral, o ato de maquilhar e fazer alterações no sentido de alterar a verdadeira natureza de uma pessoa ou objeto). 

Quem o diz é Tony Schwartz, escritor responsável pela redação do livro que agora fundamenta uma campanha e foi o início da construção de uma lenda. “Tenho um profundo sentimento de remorso por ter contribuído para apresentar Trump de uma forma que lhe trouxe mais atenção e o tornou mais atraente do que ele realmente é”, acrescenta.

Schwartz, o ghostwriter, usa palavras fortes como “sociopata” ou “patologicamente impulsivo e egocêntrico” para descrever o homem que acompanhou durante oito meses com objetivo de passar para o livro o dia-a-dia frenético do magnata, bem como promover a ideologia de um empresário de enorme sucesso.

“Mais do que qualquer pessoa que conheci, Trump tem a habilidade de se convencer a si próprio que, qualquer coisa que esteja a dizer, em qualquer momento, é verdade, ou uma espécie de verdade, ou pelo menos, que deveria ser verdade”, refere o escritor.


Um mito construído

Thimothy L. O’Brien, jornalista que estudou e desconstruiu a carreira de Donald Trump no livro “Trump Nation” (2005), traça uma linha direta entre o livro de sucesso de 1987 e a campanha eleitoral nas eleições primárias, em 2016.

Pelo meio, identifica um ponto de enorme importância, o programa “The Apprentice”, estreado em 2004 pela cadeia televisiva NBC, um reality-show em que vários jovens empresários competem por um emprego de sonho na empresa de um multimilionário.

Donald Trump foi a figura central nas primeiras temporadas. A ele cabia despedir um concorrente todas as semanas, do alto da sua Trump Tower. “You’re fired” entra rapidamente para o léxico norte-americano.


“O meu nome é Donald Trump e sou o maior empresário de imobiliário de Nova Iorque. Tenho edifícios em todo o lado, agências de modelos, o concurso Miss Universo, jatos, campos de golfe, casinos e resorts privados. Mas nem sempre foi fácil. Há cerca de 13 anos, estava em sérios problemas. Tinha uma dívida de milhares de milhões de dólares, mas lutei e venci.”, dizia o magnata na première do novo programa da NBC.

Com toda a glorificação das propriedades e know-how de Donald Trump. O’Brien classifica o programa de “mythmaking on steroids” com efeitos secundários muito positivos para o candidato republicano.

A imagem irreverente e irascível de Trump acaba também bastante cultivada nas aparições televisivas no fenómeno WWE (World Wrestling Entertainment), um palco onde a violência, a representação e a ostentação são parte do espetáculo. 


Os namoros com a política

A faceta política de Donald Trump era, até 2015, um assunto pouco falado, mas que de uma forma ou outra, sempre esteve presente. Apoiante declarado de Ronald Reagan – a quem foi cooptar o slogan da sua campanha, “Make America Great Again”, lema na convenção de 1980 – Donald Trump quase sempre se definiu politicamente com as afiliações republicanas.

Contudo, quando lhe perguntaram qual dos últimos quatro presidentes preferiu ver a ocupar a Sala Oval, a resposta assumiu contornos surpreendentes: nada mais nada menos do que o democrata Bill Clinton, que poderá voltar à Casa Branca no próximo ano, mas num papel bastante diferente. 

Da sua vida próxima da política, destacam-se momentos logo a partir dos anos 80. Nas primeiras entrevistas como grande empresário, o jovem Trump nunca excluí a possibilidade de se candidatar à presidência dos Estados Unidos no futuro.

 

Em 1988, participa pela primeira vez na convenção republicana que elege George W. H. Bush como candidato do GOP. Na altura, Donald Trump já era um doador importante para a campanha do primeiro homem da dinastia Bush a chegar à Casa Branca, mas afasta-se gradualmente da família republicana, que nas eleições de 2016 lhe nega categoricamente qualquer apoio.

Doze anos depois da primeira aparição, em 2000, um simulacro de campanha com uma primeira candidatura presidencial através do Partido Reformista que pouca atenção conseguiu recolher. Donald Trump percebeu então que nunca conseguiria alcançar um número significativo de votos num partido periférico ao sistema político norte-americano.

A ideia de uma provável candidatura no seio republicano ficou em aberto em várias ocasiões na primeira década do século XXI, mas Trump optou sempre por apoiar o candidato John McCain nas eleições de 2004 e 2008.

Quando Obama chega ao poder, cresce o papel de intervenção política. O futuro candidato percebe que poderia eventualmente chegar longe. Donald Trump acaba por liderar um movimento conspiratório contra o primeiro Presidente negro, cujo principal argumento é comprovar que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos (o que é, aliás, um requisito para ser candidato à presidência), mas sim no Quénia.

O movimento birther exige ver o certificado de nascimento e o Presidente comprova a sua naturalidade havaiana. Esta questão em concreto fica encerrada, mas as seis semanas de Trump em plena praça pública, a questionar diretamente o commander in chief, aguçam-lhe o gosto e mostram-lhe a sua capacidade de evocar e explorar as ideias mais populistas da América, numa altura em que o movimento Tea Party também começa a dar cartas.

Em março de 2011, quando os candidatos às primárias republicanas estudavam o terreno para avançar às eleições do ano seguinte, uma sondagem Wall Street Journal/NBC colocava Trump um ponto percentual à frente do homem que acabaria por ser o escolhido para tentar destronar Obama.

O magnata opta por ficar ao lado de Mitt Romney em 2012, mas logo no ano seguinte investe mais de mil milhões de dólares num estudo de mercado sobre uma futura candidatura.

 

Surpresa atrás de surpresa

O que pretende um empresário bem-sucedido, com património avaliado pela Forbes em mais de 3,7 mil milhões de dólares, um homem de negócios e da televisão, com 70 anos, ao lançar uma candidatura à Casa Branca, que o expõe às críticas mais ásperas vindas do seu próprio partido e ao enorme escrutínio crítico da imprensa liberal?

“Ter boa publicidade é preferível a ter má publicidade. Mas numa perspetiva geral, má publicidade é melhor do que nenhuma publicidade de todo. Em suma, a controvérsia vende”, escrevia Donald Trump no seu aclamado livro de 1987. Em verdade, muitos analistas acreditam que a candidatura foi um mero golpe de marketing, destinado a lançar uma grande empresa de televisão de cariz conservador, algo que a campanha de Trump desmente perentoriamente.

Autênticas ou não, as pretensões políticas colocaram-no a um pequeno passo de chegar à Casa Branca. Clinton até poderia teria sido a candidata mais controversa e detestável da história recente dos Estados Unidos, não tivesse como adversário o rei da polémica.

Mulheres, muçulmanos, mexicanos, imigrantes no geral, veteranos de guerra. A lista de grupos visados, ofensas e declarações explosivas ao longo do último ano é vasta. O estilo informal e inconsequente são imagem de marca e orgulho. Terá ultrapassado todos os limites no passado dia 7 de outubro, quando o Washington Post divulgou um vídeo com declarações terríficas do passado recente sobre o sexo oposto. Desde essa altura, as sondagens apontam indubitavelmente para uma vitória folgada dos democratas e nem com os esforços de Melania, a terceira esposa, e Ivanka Trump, filha do primeiro casamento, Donald Trump conseguiu recuperar de forma convincente.

Mas não podemos dizer que não fomos avisados. “Trump é mais forte quando os seus barcos estão afundados, quando as coisas não lhe estão a correr bem”, lembrava Rona Barrett, jornalista e biógrafa do magnata, sobre os insucessos que Donald conheceu nos negócios. Sem o apoio de base de grandes figuras do Partido Republicano e com uma campanha constantemente abalada por polémicas, poderá Trump surpreender e vencer as adversidades também na política, quando todos os cálculos apontam para a vitória de Hillary?

 

Fotografias: Mike Segar, Jonathan Drake, Mark Kauzlarich, Jim Young, Lucas Jackson, Eduardo Munoz