Último filme de Paulo Rocha, no qual partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra
Se eu fosse ladrão... Roubava (que esteve para se chamar Olhos vermelhos) é o último filme do cineasta português Paulo Rocha. Partindo de memórias familiares e dos seus próprios filmes, Paulo Rocha revisita as origens e as referências mais marcantes da sua vida e obra. O filme evoca a infância e juventude do cineasta em particular a vontade do pai de emigrar para o Brasil. A despedida, a saída da terra natal, a determinação, a ânsia de recomeçar a vida noutras paragens mas também a própria necessidade do cineasta em partir, a morte, a doença e o medo.
Um pequeno lavrador de S. Vicente vê o seu pai (Luís Miguel Cintra) morrer com a peste que dizima o país. Anos mais tarde, Vitalino (Chandra Malatitch) é o mais aguerrido de todos os irmãos e assume o lugar de homem da casa. Mas a aldeia onde vive é pequena para as suas aspirações e decide rumar ao Brasil, deixando as irmãs a cuidar dos trabalhos da casa. Em paralelo com a história de Vitalino, vão surgindo excertos dos filmes de Paulo Rocha e grandes referências da sua obra como o escritor Wenceslau de Moraes (1854-1929), o poeta Camilo Pessanha (1867-1926) ou o pintor Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918), grandes criadores e representantes de uma relação problemática com o país de origem.
Paulo Rocha foi uma figura crucial do Cinema Novo português. A sua obra compõe um olhar de conjunto sobre a ?portugalidade?, a partir de encontros e de choques entre o país urbano e rural, a modernidade cultural e as tradições populares.
Partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, Paulo Rocha revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra, numa construção fluida e complexa, que é conscientemente testamental embora só indiretamente autobiográfica (ele filma-se através do pai e dos personagens da sua obra). O motor inicial do filme é a evocação da infância e juventude do pai do autor, em particular o sonho obsessivo deste, na altura partilhado por muitos, de emigrar para o Brasil, para onde partiu efetivamente em 1909 (embora a cronologia verdadeira, tal como os factos e os nomes, sejam alterados, ou por vezes deslocados, em função das rimas com os outros filmes). Mas este tema familiar cruza-se desde o início com o grande mundo da obra de Rocha, num puzzle de raccords temáticos que se dirige para dentro e para trás (a busca do centro, ou da origem) tanto quanto para fora (a constante ampliação de sentido, a identidade de um país). Paulo Rocha fala portanto da sua própria necessidade de partir, e da interrogação de Portugal através da distância - o tempo formativo em Paris, depois a longa estada no Japão -, assim como fala da morte, mas também da doença e de um medo tornados endémicos, corrosivos de um país. Em paralelo, vão surgindo, nos excertos dos seus filmes, grandes referências da sua obra: homens como o escritor radicado no Japão Wenceslau de Moraes (1854-1929), o poeta Camilo Pessanha (1867-1926) ou o pintor Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) - todos representantes de um fulgor criativo dos inícios do século tanto quanto justamente, de uma relação problemática com o país de origem. Por outro lado Se Eu Fosse Ladrão... Roubava é ainda um repositório de um outro diálogo estruturante da obra de Paulo Rocha - neste caso, particularmente associado a Amadeo - em que a inspiração na cultura universal se funde com um trabalho genuíno, dir-se-ia antropológico, sobre a cultura popular portuguesa, em especial centrada na região norte do país (os pescadores do Furadouro, o vale do Douro). Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" é o último filme de Paulo Rocha (que faleceu em Dezembro de 2012, com 77 anos).