Diniz de Almeida: o último fôlego do Ralis no 25 de Novembro

por António Louçã, Nuno Patrício
Diniz de Almeida, em diálogo com o capitão páraquedista Sebastião Martins (à dir.), mediado pelo capitão tenente Costa Correia (à esq.), em 11 de Março de 1975.

O Regimento de Artilharia de Lisboa era a mais emblemática das unidades revolucionárias. Ficou para a História pela sua resistência ao golpe de 11 de Março e pela sua solidariedade com a revolta dos páraquedistas em 25 de Novembro. Ficaram também os símbolos: um foi o polémico juramento de bandeira de 21 de Novembro; outro foi o capitão de Abril Diniz de Almeida. Hoje, continua a recordar com precisão o que se passou na altura.

Revolução e contra-revolução em Portugal
Autor: Armando Cerqueira
Editora: Parsifal
Lisboa, 2015
O depoimento que se segue foi amavelmente cedido à RTP pelo historiador Armando Cerqueira, autor da obra  "Revolução e contra-revolução em Portugal", recentemente publicada. Trata-se de uma entrevista recolhida no âmbito da investigação preparatória desse trabalho. Dela retivemos os excertos que se relacionam com o 25 de Novembro, ou com alguns dos seus protagonistas.

Diniz de Almeida, um dos capitães de Abril, foi alvo de procedimento judicial por alegado envolvimento em sevícias cometidas no Ralis e continuou ao longo dos anos a replicar duramente às acusações que lhe eram feitas. Replicou-lhes, por vezes com estrépito, ao tratar os militares que o acusavam como "bandalhos de libré"; mas, em todo o caso, devolvendo sempre a acusação, demonstrando e documentando o cometimento de crimes de guerra por alguns precisamente que vieram arvorar-se, contra ele, em defensores de direitos humanos e de convenções internacionais.

Ao longo desses anos, foi menos interveniente no que diz respeito à história do 25 de Novembro. O silêncio, explica-nos, era motivado pela preocupação em não prejudicar camaradas que poderiam ainda ser alvo de perseguições e retaliações. Mas agora, diz também, começa a chegar o tempo da clarificação de várias posições.

Uma primeira clarificação necessária refere-se à ordem para a saída dos páraquedistas e para a ocupação das bases da Forças Aérea. Na entrevista concedida a Armando Cerqueira, Diniz de Almeida relata uma conversa ocorrida entre ele próprio e Vasco Lourenço, quando foi apresentar-se em Belém, seguindo ordens do presidente da República, general Costa Gomes.

À pergunta de Vasco Lourenço sobre quem dera ordem para a saída dos páraquedistas, respondeu Diniz de Almeida afirmando ter sido Otelo a dar essa ordem. Hoje, reafirma que a ordem foi dada à sua frente. Em contacto telefónico com a RTP, o hoje coronel reformado e médico no activo precisa que se tratou de uma "anuência" de Otelo a algo que lhe era dito pelo major da Força Aérea, Arlindo Dias Ferreira. Mas essa anuência, vinda do comandante do Copcon, tinha a força de uma ordem.

Perante o caos de um confronto que ameaçava desencadear-se sem direcção nem coordenação, Diniz de Almeida relata que iniciou contactos no sentido de se concentrarem no Ralis as forças que pretendessem impedir a viragem política prenunciada pela declaração do estado de sítio. A perspectiva era a de se reunirem aí vários milhares de militares dos três ramos das Forças Armadas, com capacidade para resolverem o contenda "num ápice".

(Obus do Ralis, em 25 de Novembro de 1975, controlando os acessos a Lisboa pela Autoestrada do Norte)

Mas vários compromissos começaram rapidamente a falhar. Para não queimar camaradas inutilmente, Diniz de Almeida desconvocou então algumas unidades que ainda se encontravam na disposição de vir, havendo pelo menos um caso em que a contra-ordem não chegou a tempo.

Num contexto geral de recuo, a linha de defesa de Diniz de Almeida foi a de afirmar que continuara sempre a actuar segundo as instruções da cadeia hierárquica: primeiro, às ordens de Otelo; depois, na ausência deste, às ordens de Costa Gomes.

Ao receber uma convocatória de Costa Gomes, foi apresentar-se em Belém. "Sem ilusões", explica. Sabia que ia ficar preso. E foi precisamente essa situação que constatou, em conversa que recorda com o primeiro-ministro, almirante Pinheiro de Azevedo.

Chegado o momento de deitar contas à derrota, e de fazer o seu balanço, Diniz de Almeida não tem contemplações com algumas das figuras da História recente.

A Otelo, começa por apontar-lhe, em Agosto, ter reinstalado Jaime Neves à frente do Regimento de Comandos, numa altura em que podia ter-se desembaraçado desse resoluto inimigo da revolução, fazendo a economia de qualquer confrontação violenta.

Numa avaliação mais global do comportamento de Otelo durante o processo revolucionário, Diniz de Almeida detecta nele uma tendência recorrente para, em todas as crises, ir a correr para Belém, a colocar-se sob a autoridade do presidente da República - Spínola no 28 de Setembro, Costa Gomes no 11 de Março.

A aparente contradição entre este comportamento apontado a Otelo nos momentos difíceis e o lugar que ocupa na crónica do 25 de Abril é explicada por Diniz de Almeida por não ter havido, afinal, um protagonismo de Otelo no 25 de Abril exactamente nos termos em que costuma retê-lo a versão corrente dos factos.

O mérito de Otelo foi, nesta perspectiva, muito mais o de ter sabido agregar planos sectoriais de outros militares que o de ter concebido, ele próprio, um plano de conjunto.

Enfim, no quadro de uma reavaliação das participações que considera necessária, Diniz de Almeida salienta que o papel desempenhado por alguns oficiais no enredo político posterior não corresponde necessariamente a uma destacada intervenção operacional no 25 de Abril.

Há mesmo, por vezes, uma relação inversa entre uma coisa e outra, tendo a acção sido levada a cabo por oficiais com comando de tropas e destacando-se na manobra política oficiais, por exemplo de Estado-Maior, cujo tempo não era consumido em tarefas operacionais.

Há além disso, acrescenta ainda, casos, como o de Vasco Lourenço, que tivera envolvimento na preparação do 25 de Abril e muito possivelmente teria sido activo no 25 de Abril - se estivesse no Continente. Mas, como muitos outros, não estava e não participou. Assim, a sua relevância política posterior não resultava em linha directa de créditos obtidos no momento decisivo do derrubamento da ditadura.

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