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Otelo: motivos de "arrependimento" no 25 de Novembro

por António Louçã, António Nabo
Otelo, em Agosto de 1975, com Jaime Neves (à dir.)

Otelo tem sido com frequência criticado por ir para casa dormir na noite de 24 para 25 de Novembro de 1975, e não ter tomado as rédeas da sublevação dos páraquedistas. Agora assume que se arrepende de ter ido para casa - mas por outro motivo.

O coronel Otelo Saraiva de Carvalho, então comandante do Copcon e general graduado, conta que tinha estado até altas horas da noite na reunião do Conselho da Revolução (CR), onde foi decidido substituí-lo por Vasco Lourenço no comando da Região Militar de Lisboa (RML).

Tinha havido vários avanços e recuos sobre esta questão nos dias anteriores. Entregar a um membro proeminente do "Grupo dos Nove", como era Vasco Lourenço, o comando da RML equivalia a retirar ao Copcon a autoridade sobre as unidades militares mais empenhadas na revolução."Na madrugada de 25 de novembro o Costa Martins diz: os páraquedistas não vão aceitar isto e vão ocupar as bases aéreas. Cheirou-me a golpada. (…) Do que eu me arrependo foi não ter agarrado no telefone e ter telefonado ao Costa Gomes a dizer-lhe: meu General está a passar-se isto. Não sei o que pode acontecer, mas…"

No Estado-Maior do Copcon receava-se que pudesse estar aí o primeiro passo para a neutralização dessas unidades, mediante uma política sistemática de atribuição selectiva de armamento e efectivos. Otelo, que tinha começado por aceitar a substituição, acolhera depois as objecções dos oficiais do Copcon e fizera-se eco delas. Vasco Lourenço suspendera a sua própria aceitação do comando da RML, declarando que apenas assumiria o cargo se Otelo estivesse de acordo na substituição.

A reunião do CR na noite de 24 para 25 foi o acto final da resignação de Otelo perante as pressões do "Grupo dos Nove", entretanto largamente maioritário dentro do CR. Para comunicar ao seu Estado-Maior esse desfecho, Otelo conta que passou ainda pelo Copcon, a caminho de casa.

E conta também que ouviu nessa altura, da boca do ex-ministro Costa Martins, capitão da Força Aérea, críticas à decisão do CR e uma afirmação sobre a iminência da saída dos páraquedistas para ocuparem as bases daquela Arma. Otelo conta ainda que foi depois convencido por dois oficiais da Força Aérea, Arlindo Dias Ferreira e Tasso de Figueiredo, a ir para casa dormir, deixando nas mãos de ambos a recomendação de impedirem a saída dos "páras" - e obtendo de ambos a garantia de que o fariam.

Como a garantia veio a revelar-se insuficiente, Otelo arrepende-se agora de ter ido para casa dormir, como tantas vezes lhe tem sido exprobado. Mas o que teria feito o comandante do Copcon se não tivesse ido para casa?

Àqueles que esperavam que ficasse no seu posto para tomar o comando da insurreição, Otelo desengana-os neste importante depoimento prestado à RTP: "Do que eu me arrependo, é de não ter agarrado no telefone e ter telefonado imediatamente para o [presidente da República, general] Costa Gomes, a dizer-lhe: 'Meu general, está a passar-se isto, tive aqui este palpite. Não sei o que é que pode acontecer, mas é para o avisar'".

Finalmente, explica, não optou por essa via, que ainda terá ponderado, porque passava das 4h30 da manhã e não quis despertar Costa Gomes por um assunto que esperava fosse resolvido pelos dois oficiais citados.

O "arrependimento" que Otelo agora manifesta em público pela primeira vez tê-lo-á assaltado logo no dia 25, quando foi despertado, segundo diz, por volta das 11h30 da manhã. Um telefonema do seu chefe de Estado-Maior, coronel Artur Baptista, dava-lhe conta da saída dos páraquedistas e pedia-lhe que fosse rapidamente para o Copcon."Fui para o Copcon e quando lá cheguei tinha o comandante da força de Fuzileiros do continente (João Ribeiro Pacheco) e sempre em continência disse-me: Se nos ordenar que nós vamos à Amadora, ao Regimento de Comandos, que cerquemos e destruamos aquilo, nós executamos. Oh Ribeiro Pacheco pá, mas você já viu o que me está a dizer? É pá, não é nada disso."

Algumas incongruências devem ainda ser esclarecidas, porque outras versões referem a chegada de Otelo ao Alto do Duque como tendo ocorrido por volta das 14h30 - não sendo, portanto, plausível que o comandante do Copcon, alertado às 11h30, com um urgente pedido de comparência do seu chefe de Estado Maior, tivesse demorado três horas a chegar ao seu posto.

Mais importante ainda, Diniz de Almeida sustenta que viu e ouviu Otelo dar ordens para a saída dos páraquedistas e cita o comandante do Copcon como tendo dito que mandou saltar os "páras", para fazer cair a "esquerdalhada" numa armadilha. Otelo nega, no presente depoimento, que tenha dado essas ordens e sustenta que sempre lhes foi contrário.

E sustenta também que essa sua oposição à saída dos páraquedistas teria sido mais eficaz se a tivesse denunciado ao presidente em tempo útil - ou seja, logo na madrugada, permitindo que o general graduado Morais e Silva, chefe de Estado Maior da Força Aérea (CEMFA) pusesse as bases de prevenção e impedisse, assim, a sua ocupação pelos "páras".

A iminência da guerra civil é ilustrada por Otelo com a citação de um telex da Embaixada norte-americana para Washington, relatando o pedido de um oficial da Força Aérea no sentido de que aviões dos EUA pudessem ser mobilizados para bombardear posições dos páraquedistas insurrectos.

Nessa iminente guerra civil, Otelo teve nas mãos, durante a sua curta passagem pelo Copcon no dia 25, a possibilidade de neutralizar rapidamente a principal força operacional que se encontrava às ordens do "Grupo dos Nove".

Segundo relata, tinha à sua espera no Copcon o capitão-de-fragata Ribeiro Pacheco, comandante da força de fuzileiros. Este ter-se-á colocado à disposição do Copcon para ir à Amadora "destruir", segundo rcorda, o Regimento de Comandos. Otelo, já decidido a partir para Belém, a colocar-se sob as ordens de Costa Gomes, mandou Ribeiro Pacheco de regresso à base dos fuzileiros no Vale do Zebro, com instruções para fechar os portões e colocar a unidade em prevenção rigorosa.
"O Rosado da Luz telefona-me muito aflito a dizer: meu General (…) temos aqui uns 10 mil trabalhadores da Setenave e da Lisnave (…) dizem que querem armas. (…) E eu disse: Rosado da Luz. Tu não dás nem um canivete seja a quem for. (…) Se houver alguém a subir muros, para saltar a barreira, fogachada acima da cabeça, para aviso e se alguém quiser saltar… fogo nele."

Ao chegar a Belém, Otelo relata que Costa Gomes o informou de ter mandado um recado aos páraquedistas, através de Costa Martins, em que lhes prometia que seriam colocados sob a tutela do Copcon, e portanto do próprio Otelo, se regressassem imediatamente a Tancos.

Desse modo, explicou-lhe ainda o presidente, dar-se-ia satisfação parcial aos páraquedistas, que lutavam contra o processo administrativo de dissolução da sua unidade e que, em qualquer caso, não queriam permanecer sob a ordens do CEMFA, general Morais e Silva.

Otelo manifestou-se de acordo com essa solução, que deixaria sob o seu controlo as forças especiais - comandos, fuzileiros e páraquedistas. Como é sabido, a partir do dia seguinte ficaria claro que nada disto era para cumprir.

Também em Belém, Otelo conta ter recebido um telefonema do comandante do Forte de Almada, Rosado da Luz, a dizer-lhe que tinha uns dez mil trabalhadores da Lisnave e da Setenave, diante dos portões da unidade, a pedirem armas.

Otelo respondeu-lhe que não desse "nem um canivete" e que mantivesse os soldados de armas aperradas. Caso alguém galgasse os muros da unidade, devia fazer-se primeiro tiros de aviso, acima da cabeça; "e, se alguém quiser saltar, fogo nele! Atira-lhe num joelho!"

No mesmo depoimento, Otelo volta depois ao facto de ser Costa Martins o emissário escolhido por Costa Gomes para transmitir a proposta aos páraquedistas. Elabora depois uma explicação, que deixa no ar a hipótese de um envolvimento do PCP na iniciativa dos páraquedistas.

Para isso relaciona as "ligações" de Costa Martins ao PCP, outras alegadas ligações do segundo comandante do Ralis, Diniz de Almeida, ao PCP, e o oferecimento de Ribeiro Pacheco para atacar os Comandos da Amadora.

Precisa depois que o PCP "pode não ter tido intervenção activa", mas "deve ter dado luz verde para fazer. Se desse resultado, o PCP estava lá, ganhava posição. Se não desse resultado o PC não tinha nada a ver com aquilo".

Otelo defende-se também das acusações de "traição" que lhe foram lançadas, diz, pelo PCP e por Diniz de Almeida. Argumenta que só trai quem estava por dentro e depois não cumpre os seus compromissos. Ora, insiste Otelo, a primeira vez que ouviu falar da ocupação das bases pelos páraquedistas foi às 4h30 da manhã, na conversa com Costa Martins citada atrás.

Otelo assume ainda a sua amizade com alguns dos novembristas, como Vasco Lourenço e o falecido Vitor Alves - embora, recorda, este fosse o elo de ligação habitual com a Embaixada norte-americana e com a CIA.

E, recorda ainda, foi por via de Vítor Alves que Carlucci recebeu o "Documento dos Nove". Leu-o, aprovou-o, transmitiu essa apreciação favorável a Vítor Alves, que equivalia a uma luz verde, e mandou-o imediatamente para Kissinger, em Washington. Desse modo, sublinha Otelo, Carlucci foi em Portugal o primeiro civil a ter conhecimento do "Documento dos Nove".
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