Livro recorda bastidores do "ataque aos milionários" no Verão Quente de 1975

por Lusa

Lisboa, 08 abr (Lusa) -- O livro "O ataque aos milionários", de Pedro Jorge Castro, que é apresentado na quarta-feira, em Lisboa, evidencia a ação do militar Rosário Dias, adjunto do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, na detenção dos líderes de grandes grupos económicos.

Os factos remontam a março de 1975 e ao período subsequente, durante o qual, até à tomada de posse do VI Governo Provisório, liderado pelo almirante Pinheiro de Azevedo, se desencadearam prisões de vários empresários, como Rui Moreira, dono da Molaflex, mas com destaque para três famílias: os Mello, nas mãos de quem estava a CUF - Companhia União Fabril, o maior grupo empresarial português da altura, os Espírito Santo e os Champalimaud.

O alarme foi dado, escreve o jornalista e historiador Pedro Jorge Castro, pela tentativa de um golpe contra revolucionário, liderado pelo general António de Spínola, no dia 11 de março de 1975, que levou Vasco Gonçalves a refugiar-se na base naval do Alfeite. Acalmados os ânimos, o primeiro-tenente de Marinha Eduardo Rosário dos Santos, de 37 anos, decidiu então prender os administradores do Banco Espírito Santo, que estavam reunidos.

O autor conta que, quando o grupo de detidos chegou às portas da cadeia de Caxias, o diretor do estabelecimento não os autorizou entrar sem o mandado de captura, ao que o condutor de uma das viaturas que os transportava terá exclamado: "Mas estão aqui os Espírito Santo todos presos e não os deixam entrar? É a galinha dos ovos de ouro...".

Seguiram-se outras detenções, cujo processo é contado minuciosamente, a par e passo, pelo autor, com base em entrevistas e documentos inéditos.

A extensa lista de arquivos consultados pelo autor inclui os particulares de Fernando Martins, José Roquette, João Mendes de Almeida, assim como os dos ministérios das Finanças, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, da Associação 25 de Abril, do Centro de Documentação do 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, e da agência Lusa, entre outros.

O autor anexa à obra a "lista dos membros dos ex-corpos sociais dos bancos que estiveram interditos de sair para o estrangeiro, após a nacionalização da banca".

A obra, intitulada "O ataque aos milionários -- O cerco às famílias Espírito Santo, Mello e Champalimaud depois da Revolução de 1974: as detenções, o dia-a-dia na prisão, as contas congeladas e a fuga para o exílio", editada pela Esfera dos Livros, é apresentada na quarta-feira, às 18:30, na FNAC do Chiado, em Lisboa, pela economista Helena Garrido e a socióloga Maria Filomena Mónica.

O livro "O ataque aos milionários" é dividido em três partes -- "Antes", "A Revolução" e "Limite" -, cada uma subdividida em capítulos.

Na primeira é contextualizado o tecido empresarial português antes da Revolução de 1974, os conflitos no seio da família Mello, a rivalidade entre Jorge de Brito e Miguel Quina, o período de Governo de Marcello Caetano.

Na segunda, a Revolução, o denominado Período Revolucionário Em Curso (PREC), os governos provisórios (do segundo ao quinto), liderados por Vasco Gonçalves.

Na terceira, as nacionalizações, nomeadamente da CUF, nas mãos da família Mello, a fuga para o exílio, as manobras diplomáticas que levaram às primeiras libertações dos empresários e o fim do denominado "Gonçalvismo".

Quanto à figura do militar Rosário Dias, que o autor destaca como "o homem que os prendeu" (os empresários e as famílias citadas), recebeu um louvor de Vasco Gonçalves, que o referencia como "profundamente honesto, responsável e inteligente", que "contribuiu para a solução de conflitos laborais".

Rosário Dias foi um dos militares implicados na tentativa de golpe militar de 25 de novembro de 1975, pelo que foi afastado da Marinha, onde só foi reintegrado em 2002, depois da sua morte, em outubro de 1981, em Lisboa.

O antigo primeiro-tenente tinha entretanto saído do país e ido residir para a Hungria, onde fez um doutoramento com uma bolsa do Governo magiar, sobre a integração de Portugal na economia mundial.

No seu funeral, no Feijó -- lembra o autor do livro -, Vasco Gonçalves voltou a elogiar o antigo adjunto, que apontou como "um homem puro, frontal, corajoso, por vezes mesmo audacioso". O ex-chefe de gabinete Sousa Lobo, por seu lado, que também assistiu, "desmaiou de comoção", escreve Pedro Jorge Castro.

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