Um milhão de espécies em risco. Planeta caminha para o declínio

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Daniel Becerril, Reuters

O cenário apocalíptico do planeta já foi traçado na dimensão ficcional centenas de vezes, mas agora está à vista de todos, pelo menos dos especialistas. Perda nos níveis de ar puro e água potável, do volume de florestas capazes de filtrar o CO2, declínio das populações de insectos polinizadores, perda de peixe rico em proteínas e das florestas capazes de bloquear tempestades. As suspeitas de que o planeta caminha vertiginosamente para o seu ocaso estão no draft de um relatório das Nações Unidas que alerta para um milhão de espécies em risco devido à actividade humana.

Trata-se para já de um primeiro esboço que deverá ainda ser rectificado pelos especialistas, mas no essencial o relatório que chegou às mãos da Agência France Presse não deverá sofrer alterações no que é a sua conclusão fundamental: a Terra caminha para um cenário negro, contrário ao que sempre considerámos essencial para a existência da vida dos seres humanos, os mesmos agentes que insistem nesse padrão destrutivo.

O relatório adverte para “a iminente e rápida aceleração do nível global de espécies em extinção”. O ritmo dessas perdas, acrescenta, “é já milhares de vezes superior a qualquer período de tempo considerados os últimos 10 milhões de anos”.

“Meio milhão a um milhão de espécies estarão em risco de extinção, muitas delas nas próximas décadas”, alerta a investigação da Plataforma Intergovernamental para os Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services – IPBES, no original).

Os cientistas estimam que o planeta Terra seja actualmente casa de cerca de oito milhões de espécies, na sua grande maioria insectos. Muitos especialistas temem que uma extinção em massa esteja já a caminho.

Em termos filosóficos, o relatório trilha um dos poucos temas comuns a todos os seres do planeta, a sua sobrevivência e a manutenção de um habitat viável. Um ponto que remete para a questão das escolhas de organização social e do modelo económico à escala global. Como refere um artigo em The Guardian, a solução poderá estar nos nossos bolsos, na coragem de questionar o capitalismo como algoritmo organizacional.
Um planeta, dois problemas

O relatório da ONU que ainda aguarda os últimos retoques – especialistas de 130 países vão juntar-se à mesa em Paris para rever o estudo linha por linha – vem juntar-se às preocupações com o aquecimento global que levaram em 2015 os governantes mundiais à Cimeira de Paris para desenhar uma solução escapatória para travar a subida das temperaturas no planeta. Ao factor estufa acrescenta-se agora o perigo em que incorre a biodiversidade, um verdugo igualmente implacável para a vida terreste. De acordo com os investigadores, uma e outra são ameaças suficientemente poderosas que exigem acção o quanto antes.

“Nós precisamos de reconhecer que as alterações climáticas e a perda de [diversidade] natural são igualmente importantes, não apenas para o ambiente, mas também como factores económicos e de desenvolvimento”, declarou à France Presse Robert Watson, líder da equipa das Nações Unidas responsável pelo relatório, acrescentando, sem referir as conclusões constantes do estudo, que “a forma como produzimos os nossos alimentos e energia está a desregular [os processos naturais] e os bens que obtemos a partir da natureza”.

Este ponto referido por Robert Watson entronca já nas próprias formas de luta que têm sido implementados por uma nova geração de activistas, agora liderada por Greta Thunberg, jovem e carismática estudante sueca de 16 anos, justamente apontada ao Nobel da Paz pelas suas iniciativas radicais em nome do clima e de um planeta viável para as próximas gerações.
Consumo versus subsistência

É o próprio especialista da ONU que refere à AFP que “há dois fortes factores indirectos para a perda de biodiversidade e das alterações cimáticas: o número [crescente] de pessoas no mundo e a sua capacidade para consumir”.

A situação é crítica e está a levar à exaustão dos solos, à deflorestação acelerada e a uma produção intolerável de gases de estufa. O ponto comum nestes factores é a mão humana e o seu modelo económico.

Os objectivos podem numa primeira análise ser considerados essenciais, a subsistência dessa crescente massa humana, mas a realidade também nos mostra que a aceleração da exploração dos meios naturais tem frequentemente em vista o enriquecimento e o lucro de uma franja restrita de pessoas.
A emergência de um novo activismo

É neste sentido que um novo activismo pode vir a ganhar o seu terreno de protesto. Para 27 de Setembro está prevista uma greve laboral a nível mundial. Ao invés das soluções de consenso e de compromisso até agora desenhadas para aliviar a carga da acção humana sobre o planeta, o sucesso da iniciativa poderá colocar os líderes políticos e da economia mundial em sentido na medida em que os efeitos de uma paralisação global seria desde logo sentida nos lucros do final do dia.

Ao mesmo tempo, estamos também aqui a falar de uma mudança de paradigma com a nova onda de activistas que rompem com o quadro em que foram criados os seus pais, nascidos nas últimas décadas do século XX, herdeiros do sonho consumista que se seguiu à Segunda Grande Guerra.

Estes novos ambientalistas, ao contrário dos pais, por um lado não vêem como novidade os riscos ambientais, eles estão já a vivê-los, e por outro percebem que esse consumo que se expande é um dos grandes responsáveis pelo problema.
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