Material exposto em salas de aula pode influenciar atenção dos alunos

por Nuno Patrício - RTP
Serão os objetos visuais expostos em sala de aula influênciadores na concentração das crianças? Nuno Patrício - RTP

São cada vez mais raros os ambientes de ensino, nas camadas mais novas, que não apresentam elementos visuais como desenhos, pinturas, fotos, pósteres entre outros objetos expostos nas paredes. Elementos estes, em sala de aula, podem contribuir para a distração das crianças e, por consequência, podem prejudicar a aprendizagem na escola.

A conclusão é de um grupo de psicólogos do polo da Universidade de Aveiro (UA) do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS). É precisamente com base neste princípio que Pedro Rodrigues e Josefa Pandeirada desenvolveram um método de estudo e investigação que permitiu avaliar o comportamento dos alunos em ambientes com e sem “distratores visuais”.
Paredes preenchidas, distração garantida?
Psicólogos de formação, Pedro Rodrigues e Josefa Pandeirada afirmam que um dos estudos do comportamento humano é saber como reagimos a estímulos. Neste contexto e no seguimento do trabalho de doutoramento do investigador Pedro Rodrigues, este trabalho procura analizar a influência de determinados ambientes no desempenho cognitivo de atenção e memória das crianças.

A introdução de novas tecnologias, e a utilização cada vez mais presente de tablets, computadores, telemóveis e outros conteúdos eletrónicos, geram pontos de fuga e de distração nas crianças, que as desviam do normal curso de aprendizagem, mas não só. O ambiente circundante em sala de aula com cartazes e elementos decorativos também pode influenciar a aprendizagem.  Para a realização deste estudo foi necessário o envolvimento de 64 crianças provenientes de várias escolas do concelho de Aveiro com idades compreendidas entre os 8 e os 12 anos. Cada criança teve de responder a um conjunto de quatro tarefas simples, para avaliação da atenção dada e recurso à memória, com atividades que os participantes enfrentam no seu dia-a-dia, nomeadamente na escola. Todos participaram em duas sessões experimentais, com intervalo entre elas de 14-21 dias.

Pedro Rodrigues em entrevista à RTP refere que “a questão da distração visual é muito estudada, (…) mas o que é certo é que pouco se sabe sobre a influência efetiva que o ambiente visual circundante tem na performance cognitiva, em particular das crianças como foi o caso deste trabalho”, agora publicado no Journal of Experimental Child Psychology.


Mais carga visual, desempenho cognitivo menor - uma conclusão imediata, mas determinada em ambiente controlado e fora do normal ambiente escolar. Aos alunos de várias escolas foram pedidas várias tarefas, replicadas pelos diferentes agrupamentos, no sentido de verificar as reações. Para a psicóloga Josefa Pandeirada, ao criar estas condições, através de uma pequena cabine, e na apresentação ao aluno de elementos visuais, conseguia-se extrapolar os comportamentos disruptivos de memória e concentração.


"As crianças tiveram melhor performance nas tarefas de memória e mais respostas corretas nas duas tarefas de atenção quando estavam expostas à plataforma livre de elementos distratores, do que quando esta continha as imagens” refere o investigador da UA. No teste realizado, as crianças foram sentadas, uma a uma, numa mesa onde responderam às tarefas, sendo rodeadas por um conjunto de 24 imagens apelativas, distribuídas numa plataforma branca. Na outra sessão experimental, as crianças foram igualmente sentadas perante a mesma mesa onde desenvolveram as mesmas tarefas, mas desta vez foram expostas à plataforma de cor branca sem qualquer elemento visual exposto.

Em geral, o desempenho das crianças nas tarefas cognitivas foi significativamente melhor quando estas foram realizadas em ambiente de baixa carga visual (plataforma sem elementos visuais) do que em ambiente de alta carga visual (plataforma com as 24 imagens expostas), como explica Pedro Rodrigues, investigador da UA.


Em concreto, “as crianças tiveram melhor performance nas duas tarefas de memória e mais respostas corretas nas duas tarefas de atenção quando estavam expostas à plataforma livre de elementos distratores do que quando esta continha as imagens”.

De acordo com o investigador o estudo não permite ainda avançar com implicações diretas no âmbito escolar, “uma vez que os elementos visuais apresentados no ambiente de alta carga visual foram de natureza diversa e não exclusivamente sobre conteúdos escolares, como é mais típico na sala de aula”.

Pedro Rodrigues adianta que os próximos passos passam precisamente por realizar estas mesmas experiências em ambiente escolar, para depois extrapolar resultados.

Ambientes nas salas de aulas mudam cada vez mais e conforme as épocas festivas
Estimular os alunos no ambiente escolar tradicional torna-se cada vez mais difícil. A introdução de novas tecnologias, e a utilização cada vez mais presente de tablets, computadores, telemóveis e outros conteúdos eletrónicos, geram pontos de fuga e de distração nas crianças, que as desviam do normal curso de aprendizagem.

Com o avançar da idade, adquirimos capacidades que nos habilitam a controlar a distração. Não quer dizer que ela não se manifeste: apenas conseguimos controlar melhor essa função. Mas com a velhice perdemos valências e voltamos a ter quebras na atenção e concentração.No ensino estatal e com fracos recursos, muitas das formas de cativar a atenção dos alunos passam por muita paciência e imaginação. Ferramentas que os professores colocam à disposição dos alunos como forma de compensação, mas também de os “agarrar” e de tornar atrativo o ambiente escolar. Trabalhos que passam pela construção de cartazes temáticos, geralmente ligados ao ensino da matéria lecionada, mas muitos deles também ligados às épocas temporais e festivas que o ano letivo atravessa.

Material expositivo, muito dele que acaba “pregado” nas paredes das salas de aula. Mas será e terá este material exposto uma fonte positiva de informação ou será este condicionante e fonte de distração?

"Se inicialmente uma alteração no aspeto visual da sala pode causar mais problemas, ou mais distração, com a passagem do tempo pode também haver a dita habituação", refere a investigadora Josefa Pandeirada. "Apesar de tudo, estes elementos visuais não são assim tão estáticos e vão sofrendo algumas alterações", explica.


Atenção e concentração com a idade comporta-se como uma onda
O estudo em curso realizado pelos investigadores da Universidade de Aveiro do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), revela para já qual o grau de distração de um grupo restrito de crianças numa determinada faixa etária. Mas de acordo com os dois psicólogos, este estudo também foi aplicado a jovens e pessoas mais velhas.

De acordo com Pedro Rodrigues e Josefa Pandeirada, com o avançar da idade adquirimos capacidades que nos habilitam a controlar a distração. Não quer dizer que ela não se manifeste: apenas conseguimos controlar melhor essa função. Mas com a velhice perdemos valências e voltamos a ter quebras na atenção e concentração - um dado já confirmado, que os dois psicólogos da UA prometem divulgar em mais pormenor em novas publicações sobre o assunto.



Para já, Pedro Rodrigues adianta que este estudo permite analizar um conjunto de ações cognitivas básicas e simples que estão na base das atividades diárias.

Os seres humanos estão permanentemente rodeados de elementos visuais, e é importante, refere o investigador, saber de que forma é que estes estímulos nos influenciam positivamente ou negativamente no desempenho das nossas funções, do lazer ao meio profissional, quer ao nível de atenção na condução à realização de funções que obriguem à concentração absoluta como, por exemplo, intervenções cirúrgicas.



Este estudo é pioneiro e é primeira vez que é testado nos moldes apresentados pelos dois investigadores, aliando as tarefas cognitivas ao ambiente visual circundante. Pedro Rodrigues tem esperanças de poder continuar a avançar com este projeto, sempre com a necessidade de fontes de financiamento, que permitirão ao investigador uma melhor análise comportamental face a elementos distratores, e suas influências, no nosso dia-a-dia.

O trabalho de investigação intitulado “When visual stimulation of the surrounding environment affects children’s cognitive performance” é parte integrante do projeto de doutoramento de Pedro Rodrigues, recentemente concluído na UA, sob orientação de Josefa Pandeirada. Este projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, e teve como instituições de acolhimento o CINTESIS, o DEP da UA e o Instituto Biomédico de Investigação da Luz e da Imagem (IBILI) da Universidade de Coimbra.
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