Covid-19 e poluição. Os problemas que a Índia enfrenta no inverno

por RTP
Anushree Fadnavis - Reuters

A chegada do outono na Índia já é quase sinónimo de aumento da poluição no país. Com as queimadas destinadas a preparar terrenos para as próximas colheitas, aumenta o já conhecido smog nas grandes cidades como Nova Deli. Mas este ano a preocupação da comunidade médica da Índia é maior, uma vez que se teme que o ar tóxico possa agravar os problemas respiratórios de muitos doentes com Covid-19.

Começaram as queimadas nas zonas agrícolas, comuns antes do inverno, e as grandes cidades começam a ficar cobertas por uma fumaça e um ar denso. O ar fica especialmente poluído em cidades como a capital Nova Deli, onde o fumo dos campos de cultivo queimados, as emissões dos veículos, as usinas de energia, os canteiros de obras e a fumaça dos fogos de artifício da festa religiosa de Diwali se misturam e formam uma nuvem tóxica que permanece até à primavera.

Os alertas para os riscos para a saúde pública da poluição e deste smog não são recentes. Mas este ano as preocupações são maiores.

Com o início da temporada de poluição do outono, médicos e cientistas começaram a advertir para o facto de a deterioração da qualidade do ar poder piorar ainda mais os problemas do Covid-19 do país, principalmente na capital.

Um dos principais sintomas e mais frequentes em casos graves da infeção pelo novo coronavíru é a dificuldade respiratória. E de acordo com os médicos, se o ar ambiente se tornar repentinamente mais tóxico, como acontece todos os anos nesta época no norte da Índia, então mais pessoas infetadas pelo Sars-Cov-2 podem ser internadas no hospital ou mesmo morrer.

Neste momento, a Índia é o segundo país mais afetado pela Covid-19 e um dos países do mundo onde a pandemia avança com mais rapidez. O número total de óbitos na Índia, desde o início da pandemia, é de 115.914 e o de casos ultrapassa os 7,6 milhões.

As autoridades de saúde indianas têm alertado para o potencial risco do vírus se espalhar durante a temporada de festivais religiosos em curso e durante a qual se prevê grandes aglomerações de pessoas em templos e áreas comerciais.

A Índia tem agora que enfrentar dois grandes desafios de saúde que provocam problema a nível do sistema respiratório e que estão a atingir o seu pico ao mesmo tempo.

Embora a pandemia tenha afetado economica e socialmente a Índia e tenha reduzido o trânsito confuso característico do país, os níveis de poluição não diminuiram. Mas uma portuguesa a viver temporariamente na Índia relembra que pandemia veio agravar as necessidades dos mais pobres e dos sistemas de saúde.

Entrevistada pela jornalista da Antena 1 Sandra Henriques, Catarina Morais refere que, considerando o contexto pandémico, os "hospitais na Índia não estão preparados para abarcar com tanta gente".

As autoridades de saúde da Índia temem que a chegada da estação da poluição possa representar uma dupla ameaça, colocando as pessoas em maior risco de infeção grave e aumentando a pressão sobre os serviços de saúde.

"A combinação da poluição do ar com a Covid-19, e especialmente porque isso vai acontecer durante os meses de inverno, é algo com que realmente nos devemos preocupar e tomar as medidas adequadas, para não deixarmos aumentar muito o número de casos"
, disse à CNN Randeep Guleria, diretor do All India Institute of Medical Sciences (AIIMS).
Poluição na Índia aumentou em 2019

O rápido crescimento económico das últimas duas décadas na Índia, assim como o aumento da urbanização e do trânsito deixou as cidades indianas severamente poluídas. A Índia já enfrenta esta questão da poluição poluição anual há muito tempo. Entre as 30 cidades com a pior poluição atmosférica do mundo 21 são indianas, de acordo com o Relatório Mundial de Qualidade do Ar de 2019 da IQAir AirVisual.

Já no ano passado, a Índia tinha 14 das 20 cidades com o ar mais perigoso do mundo e os especialistas em saúde apelaram para os riscos que estas condições amosféricas podem causar, como danos cerebrais, problemas respiratórios e até morte prematura.

Nova Deli foi classificada como a cidade mais poluída do mundo e a qualidade do ar no ano passado atingiu níveis 20 vezes superiores ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera "seguro".

O perigo está nas partículas microscópicas prejudiciais, conhecidas como PM 2,5. Estas partículas minúsculas têm menos de 2,5 micrometros de diâmetro, o que significa que podem se alojar profundamente nos pulmões e passar para outros órgãos ou para a corrente sanguínea. Estas micro partículas podem afetar o desenvolvimento pulmonar das crianças e causar redução crónica da função pulmonar.

Segundo o Índice de Qualidade de Vida do Ar da Universidade de Chicago, os habitantes de Nova Déli podiam viver mais 10,2 anos se o ar fosse limpo o suficiente para atender aos padrões da OMS a nível de concentrações de partículas.

Embora durante o confinamento imposto no país, devido à Covid-19 em março, os níveis de poluição tenham diminuído a níveis históricos - tendo sido possível voltar a ver os Himalaias em certas regiões -, a qualidade do ar em Nova Déli teve os piores registos de sempre este ano.
População prepara-se para crises sanitárias
Tanto a população de Nova Deli como os profissionais e saúde estão a preparar-se para a dupla ameaça à saúde pública do próximo inverno.

"Com a pandemia da Covid em todo o mundo e o nível de poluição a aumentar simultaneamente, há definitivamente um risco maior de aumentar em número e em gravidade de infeção por Covid-19", disse à CNN Suranjit Chatterjee, médico de medicina interna do Indraprastha Apollo Hospital de Deli.

Nova Delhi está apenas a começar agora a entrar na temporada da poluição, com mais queimadas do que em anos anteriores e as festividades de Diwali a decorrer nos próximos meses. Ao mesmo tempo,e embora as infeções por Covid-19 na Índia estejam a diminuri gradualmente, ainda se registam novos casos entre os 45.000 a 70.000 por dia - e as autoridades de saúde globais estão alertar para o risco de o inverno poder trazer uma nova vaga.

"Por causa do ar frio, o vírus pode sobreviver no meio ambiente por muito mais tempo e, portanto, ser mais infeccioso"
, disse Guleria, da AIIMS.

Mas existem outros fatores que aumentam o risco de infeção, disse ainda: "quando está frio, as pessoas ficam em casa com mais frequência e mantêm as janelas fechadas, o que cria pouca ventilação".

A verdade é que, segundo um estudo divulgado pela Universidade de Harvard, níveis mais altos de poluição do ar podem estar associados a taxas de mortalidade mais altas por Covid-19.

"Muitas das doenças pré-existentes que aumentam o risco de morte em pessoas com Covid-19 são as mesmas doenças provocadas pela exposição de longo prazo à poluição do ar"
, lê-se no estudo.

No entanto, não são apenas as pessoas com doenças pré-existentes que correm risco, porque a poluição do ar em geral danifica o sistema imunitário.

"Mesmo pessoas normais (na Índia) são mais predispostas a infeções em ambientes de alta poluição", explicou ainda o médico.

Mas os especilista têm esperança que os cidadãos possam estar mais bem preparados e protegidos neste inverno, uma vez que já usam máscaras faciais e têm medidas de precuação, o que pode protegê-los melhor da poluição e da Covid-19.
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