Covid-19. Nem todos os casos positivos estarão nas contagens da DGS

por RTP
Rafael Marchante/Reuters

Acusações e críticas de diversas autoridades de saúde e de autarcas levantam dúvidas quanto à veracidade dos números reais de casos de Covid-19, em Portugal. Há discrepâncias nos registos e, possivelmente, a infeção tem uma dimensão superior à confirmada pela Direção-Geral da Saúde, segundo avança o Expresso, este sábado.

Depois de as acusações de Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, criticando a atuação das autoridades de saúde no combate à pandemia, surgiram outras vozes críticas quanto à situação epidemiológica em Portugal.

Profissionais de saúde, autoridades no terreno e antigos responsáveis da DGS apontam discrepâncias nos registos, como surtos noticiados que não aparecem logo no boletim nem nas estatíticas da DGS, ou diferenças entre o número total de infeções e a distribuição por concelhos - denunciando haver "um número maior de casos registados pelas autoridades de saúde do que o reportado na base de dados totais" - e ainda alguns concelhos que, segundo o boletim oficial, não apresentam novos infetados há semanas, mas onde continuam a dar entrada nos serviços de urgência locais novos doentes e onde têm sido identificados casos positivos nas unidades de saúde pública.

Os boletins diários da DGS indicam que desde o início de junho, mais precisamente desde dia 6, cerca de um quarto dos concelhos portugueses não registam novos casos, incluindo os concelhos mais populosos da região norte que contabilizaram centenas de infetados nos meses anteriores. Mas de acordo com o jornal Expresso, "tanto os hospitais como as unidades de saúde pública do Norte confirmam o registo de novos casos em alguns destes concelhos durante o último mês", contrariando os números oficiais.

"A partir da segunda semana de junho, no serviço de Urgência que monitorizo diariamente, o número tem vindo a subir, embora não seja uma evolução dramática", disse ao jornal Nelson Pereira, médico do Serviço de Urgência do Hospital de São João, no Porto.

"Nas duas últimas semanas de maio e na primeira de junho, havia um ou outro novo infetado e agora temos uma média de três por dia. Claramente, temos tido casos confirmados de residentes nos concelhos do Porto, Maia e Gondomar", acrescentou, indicando que há cerca de oito infetados em cada um destes município.

Há quase um mês que os dados da DGS indicam que não há novas infeções em determinados concelhos do Norte - como o Porto, Matosinhos ou Gondomar, que confirmaram ao jornal a existência de novas infeções - , mas a médica de saúde pública da região, Mariana Carrapatoso, considera que essa "ausência de novos casos nos dados não corresponde à realidade e tem causado dificuldades na comunicação com a população e até com as autarquias". Até porque muitos destes novos casos na região têm ligações aos surtos identificados em Lisboa, uma vez que as populações se deslocam e que "há pessoas que residem no Norte mas que trabalham em Lisboa e que foram infetadas".

Lousada foi dos primeiros concelhos a identificar surtos de Covid-19, ainda em março, e, segundo o boletim, não tem havido novos casos nas últimas semanas. No entanto, a unidade de saúde pública local já confirmou que os dados não batem certo, porque foram contabilizadas infeções novas neste período.

A explicação encontrada pelas autoridades locais para esta discrepância é a possibilidade de os números por concelho não incluirem os registos feitos pelos laboratórios. De facto, os dados da DGS indicam que 78 municípios não tiveram nenhum caso novo entre 6 de junho e 1 de julho - o que levanta dúvidas quando as autoridades locais contradizem os números oficiais.
Testes em massa em Lisboa "sem interesse"

Os delegados de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo criticam a testagem em massa nos setores da construção civil e do trabalho temporário que tem sido realizado nas últimas semanas na região. Em causa estão a falta de registos de resultados e de dados concisos.

Um médico de saúde pública de Lisboa explicou que "a Autoridade para as Condições do Trabalho decidiu fazer testes em massa, muitos sem interesse" e que havia cerca de "15 mil nomes para identificar", entre os registos das pessoas que tinham sido testadas.

"Tínhamos registos apenas como ‘estagiário’, ‘Mico’, ‘José Costa’. Veio tudo aqui parar"
, criticou o especilista.

Dos 15 mil testes realizados, 731 deram positivo à Covi-19 mas não terão sido todos registados na plataforma especifica para os laboratórios porque foram feitos por universidades e por laboratórios privados, que não registaram os resultado por não estarem inscritos na Entidade Reguladora da Saúde (ERS).

"A academia porque não é um prestador de saúde e os laboratórios porque a regularização na situação ERS implica pagar, e não o tinham feito".

Uns falam em "apagão" estatísticos, outros poderam na possibilidade de alguns concelhos conseguirem, de facto, controlar a propagação do novo coronavírus e evitar novis surtos.

Para além de haver laboratórios e universidades que não reportam os casos, há ainda atrasos de dias no registo de novas infeções no sistema.

A diretora-geral da Saúde disse mesmo ao Expresso que "há várias disfunções no sistema".

"Se um laboratório não notifica em 24 horas nós não sabemos, mas cada vez mais estão a notificar mais rapidamente e a percentagem de laboratórios que ainda não notificam casos [por falta de registo na ERS] é residual. Nas academias só não estão a notificar alguns centros de investigação mas também estarão a ser regularizados", garantiu Graça Freitas. "O que escapa, acaba por ser apanhado no sistema dos médicos ou pela relação direta dos delegados de saúde com os laboratórios".

Há ainda outras falhas na hora de registar no sistema oficial. Alguns médicos, por exemplo, não reportam os novos casos por considerar que os laboratórios que fizeram os testes já os registaram.

O problema é que os dois sistemas não comunicam, os médicos e os laboratórios não têm acesso à plataforma uns dos outros e não têm como saber se já foram registados os casos novos.

Embora a DGS seja a única fonte que tem acesso a todos os dados oficiais, incluindo o nome dos doentes, as unidades de saúde pública locais dizem ter "muitas vezes mais dados do que a DGS" sem perceber porquê.

Mas segundo a diretora-geral da Saúde isso explica-se porque a nível local a estatística é mais precisa e imediata e, no boletim, os dados por concelho "referem-se ao total de notificações médicas no sistema SINAVE, não incluindo notificações laboratoriais, como tal pode não corresponder à totalidade dos casos".
Falhas de comunicação abafam 200 casos em Lisboa

O balanço da DGS na sexta-feira relatava 374 casos novos de infeção, relativamente ao dia anterior, mas este número será provisório devido a uma falha com 200 notificações no SINAVE por parte de um parceiro laboratorial do ministério da Saúde.

Numa nota acrescentada ao relatório divulgado nesse dia, pode ler-se que os dados referentes à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) "têm como fonte os dados agregados dos respetivos ACES". Isto porque, segundo a DGS, "a não-notificação laboratorial no SINAVE LAB por um parceiro privado em 3 dias da semana em curso originou cerca de 200 notificações cuja distribuição ainda carece de análise".

Marta Temido adiantou, na conferência de imprensa, que se optou por esta fonte já que um dos parceiros privados não reportou resultados durante três dias e, nas últimas 24 horas, notificou 200 novos casos.

Os números dos últimos dias tinham registados nos últimos dias uma diminuição em Lisboa e Vale do Tejo, mas estes valores vão ter de ser corrigidos nos próximos dias.

Atualmente, os dados oficiais da Direção-Geral da Saúde apontam para um total de 43.156 casos de infeção. No entanto, revistas as dúvidas e os registos das autoridades de saúde locais, os números podem ser superiores aos conhecidos.
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