Covid-19. Só uma em cada dez pessoas de países pobres será vacinada em 2021

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Na Europa, nos Estados Unidos e na maioria dos países do leste asiático os governos já compraram milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 e preparam os planos de vacinação para as populações. Mas os países mais pobres ou em desenvolvimento não vão conseguir vacinar nove em cada dez pessoas no próximo ano, revela esta quarta-feira um relatório.

No Reino Unido a vacinação em massa dos grupos mais vulneráveis começou na terça-feira e, embora ainda aguardem pela aprovação das agências de medicamentos, os Estados Unidos e a Europa já encomendaram vacinas suficientes para inocular e proteger as populações a partir das próximas semanas. Enquanto os países ricos estão a comprar em massa as três vacinas para as quais foram anunciados resultados de eficácia, os países mais desfavorecidos não terão capacidade para vacinar nove em cada dez pessoas.

A People's Vaccine Alliance divulgou um relatório, esta quarta-feira, que alerta que cerca de 70 países pobres ou em desenvolvimento só serão capazes de vacinar uma em cada dez pessoas durante o próximo ano, porque a maioria das vacinas mais promissoras - a da Moderna, Pfizer e Astrazeneca - já foram compradas pelos países mais ricos.

Os países mais ricos, ou pelo menos com capacidade para comprar doses suficientes das vacinas e proteger a população da Covid-19, representam apenas 14 por cento da população mundial. Contudo, detêm já 53 por cento das vacinas mais promissoras.

Segundo o relatório, as nações mais ricas compraram doses suficientes para vacinar toda a população quase três vezes até ao final de 2021, se todas as vacinas atualmente em testes clínicos forem aprovadas.

O Canadá está no topo da lista dos países que mais doses acumulam: comprou mais doses per capita do que qualquer outro país, tendo o suficiente para vacinar cada pessoa cinco vezes, refere a organização, que inclui a Anistia Internacional, a Frontline AIDS, a Global Justice Now e a Oxfam.
Vacina para todos, mas só em alguns países

Apesar de a farmacêutica AstraZeneca já se ter comprometido a fornecer 64 por cento das doses da vacina, desenvolvida com a Univerisadade de Oxford, para inocular pessoas em países em desenvolvimento, a organização alerta que não será suficiente porque uma empresa sozinha não consegue fornecer grande parte do mundo.

E embora já estejam a ser tomadas medidas a nível global para garantir que o acesso às vacinas será justo e igual em todo o mundo, os ativistas consideram que são necessárias ações urgentes por parte dos governos e da indústria farmacêutica.

O projeto Covax, uma aliança global, conseguiu já garantir 700 milhões de doses de vacinas para serem distribuídas entre os 92 países mais pobres envolvidos nesta organizção.

"Ninguém deve ser impedido de receber uma vacina que salva vidas por causa do país em que vive ou da quantidade de dinheiro que tem. Mas, a menos que algo mude drasticamente, muitos milhões de pessoas em todo o mundo não receberão uma vacina segura e eficaz para Covid-19 nos próximos anos", alertou Anna Marriott, gestora de políticas de saúde da Oxfam.

As doses da vacina da Pfizer e BioNTech, aprovada no Reino Unido na semana passada, irão quase todas para os países ricos, tendo sido comprado pelo Ocidente 96 por cento das doses. A vacina Moderna, que usa uma tecnologia semelhante e tem 95 por cento de eficácia, vai exclusivamente para países ricos.

Mas é preciso relembrar que os preços de ambas são elevados e as condições de armazenamento em temperatura extremamente baixas vão dificultar os países mais desfavorecidos a acederem a estas vacinas.

Já a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que tem 70 por cento de eficácia, é estável em temperaturas normais de frigorificos e o preço definido é relativamente baixo para permitir acesso a todos. Mas, no máximo, esta vacina consegue chegar a 18 por cento da população mundial no próximo ano.
Governos e farmacêuticas devem garantir acesso a todos
A People's Vaccine Alliance está a apelar a todas as empresas farmacêuticas que trabalham no desenvolvimento e produção de vacinas contra a Covid-19 a compartilhar a sua tecnologia e propriedade intelectual através da Rede de Acesso à Tecnologia Covid-19 da Organização Mundial da Saúde, para que possam ser fabricadas milhões de doses a mais de vacinas seguras e eficazes, de forma a que seja possivel haver proteção contra a doença disponível para todos.

"Todas as empresas farmacêuticas e instituições de investigação que trabalham numa vacina devem compartilhar a ciência, a tecnologia e a propriedade intelectual utilizada na vacina para que possam ser produzidas doses seguras e eficazes. Os governos também devem garantir que a indústria farmacêutica coloca a vida das pessoas acima dos lucros", afirmou Heidi Chow, da Global Justice Now.

A Aliança também pede, neste documento, aos governos para que façam tudo ao seu alcance para garantir que as vacinas se tornem um bem público global - gratuitas, distribuídas de forma justa e com base nas necessidades.

"A acumulação de vacinas prejudica ativamente os esforços globais para garantir que todos, em todos os lugares, possam ser protegidos da Covid-19", referiu Steve Cockburn, Chefe de Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional. "Os países ricos têm obrigações claras sobre os direitos humanos, não apenas de se abster de ações que possam prejudicar o acesso às vacinas em outros lugares, mas também de cooperar e prestar assistência aos países que dela necessitem".

"Ao comprar a grande maioria das doses mundiais de vacinas, os países ricos estão a violar as suas obrigações no que toca aos direitos humanos. Em vez disso, se trabalhassem com outros para compartilhar conhecimento e aumentar a oferta, poderiam ajudar a pôr fim à crise global da Covid-19", concluiu.

As três vacinas que já provaram a sua efcácia receberam mais de cinco mil milhões de dólares em financiamento público, o que para a organização significa que deviam ter a responsabilidade de atuar para o interesse público global.

"Os países ricos têm doses suficientes para vacinar todas as pessoas quase três vezes, enquanto os países pobres não têm o suficiente para chegar nem mesmo aos profissionais de saúde e às pessoas de risco", disse Mohga Kamal Yanni, da People's Vaccine Alliance.

"O sistema atual, em que as empresas farmacêuticas usam fundos do governo para investigações, retêm direitos exclusivos e mantêm a tecnologia em segredo para aumentar os lucros, pode custar muitas vidas", alertou ainda.

Os ativistas consideram, portanto, que é necessário priorizar os direitos humanos e não os lucros para salvar a humanidade e a economia global da pandemia.
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