"Pandemia de não vacinados" ameaça combate à Covid-19 nos EUA

por Inês Moreira Santos - RTP
Etienne Laurent - EPA

Os casos de Covid-19 aumentaram, na última semana, 70 por cento nos Estados Unidos. Também o número de hospitalizações de pessoas não vacinadas e de mortes devido à infeção pelo SARS-CoV-2 estão a crescer nos últimos dias. Considerando o agravamento da situação epidemiológica no país e a preocupante disseminação da variante Delta, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) alertou, na sexta-feira, para "uma pandemia de não vacinados".

Nas últimas três semanas, os casos de Covid-19 triplicaram nos EUA, estando a aumentar os internamentos e o número de óbitos entre as pessoas não vacinadas. Embora a taxa de infeção e de hospitalizações ainda não sejam tão altas como as relatadas em janeiro, as autoridades de saúde começam a recear a reversão da tendência de decréscimo dos últimos meses e alertam para casos de doença e até morte "desnecessárias" e evitáveis.

Com o alivio das restrições e o início do verão, a maioria dos Estados norte-americanos reabriu os estabelecimentos fechados pela pandemia e retomou grande parte das atividades. Ao mesmo tempo, muitos aproveitaram para tirar férias, viajar, e, sendo julho o mês das festividades nos EUA, para se reunir com família e amigos. Mas nos últimos dias, os novos casos de infeção aumentaram, pelo menos, dez por cento em 46 Estados.

Na conferência de imprensa semanal da 'task force' da Casa Branca, na sexta-feira, as autoridades alertaram para o número crescente de infeções no país e para o risco de maior transmissão, e consequente disseminação, da variante Delta entre as pessoas não vacinadas contra a Covid-19. Só na sexta-feira foram reportados mais de 33 mil casos diários.

A diretora do CDC, Rochelle Walensky, afirmou que os EUA estão a registar uma média de 26 mil casos por dia – a média dos últimos sete dias é 70 por cento mais elevada do que na semana anterior - e que as hospitalizações e os óbitos causados pela Covid-19 aumentaram 36 por cento e 26 por cento, respetivamente. Segundo Walensky, o país enfrenta um "momento crítico" na pandemia, visto que o vírus continua a propagar-se.

"Há uma mensagem clara que está a chegar-nos: isto está a tornar-se a pandemia dos não vacinados", referiu a diretora do CDC.

"Estamos a ver surtos de casos em zonas do país que têm taxas de vacinação baixas porque as pessoas que não foram vacinadas estão em risco. As comunidades que completaram a vacinação estão, de forma geral, bem", acrescentou.

Contudo, Walensky frisou que as autoridades de saúde federais e estaduais têm registados cada vez mais internaentos e mortes por Covid-19 entre os indivíduos não vacinados.

"Nós sabemos que 99,5 por cento das pessoas que estão no hospital são pessoas que não foram vacinadas, e as pessoas que estão a morre de Covid não foram vacinadas", disse Jen Psaki, assessora de imprensa da Casa Branca, na sexta-feira. "Os dados são muito claros".
Pandemia "ameaça" pessoas não vacinadas
O coordenador da 'task force' norte-americana para a Covid-19, Jeff Zients, considerou, também na conferência de imprensa, que atualmente a pandemia "ameaça principalmente pessoas não vacinadas" e que, além disso, as autoridades prevêem um aumento de contágios nas próximas semanas, uma vez que há populações com baixas taxas de vacinação.

"Quarenta por cento dos novos casos na semana passada ocorreram em quatro Estados, um em cada cinco na Flórida", referiu.

No entanto, acrescentou, "há sinais de que o aumento de casos está finalmente a levar as pessoas dessas comunidades a tentarem vacinar-se, superando a média nacional da taxa de vacinação".

Embora o número de novos casos permaneça muito abaixo do pico da pandemia no inverno, este recente aumento levou muitos especialistas a considerar necessário novas restrições para evitar que os sistemas de saúde fiquem sobrecarregados, especialmente porque o ritmo de vacinação diminui.

Depois de um início explosivo, a campanha de vacinação dos Estados Unidos começou a ter menos adesão, havendo pessoas com medo ou a recusar qualquer. A Administração Biden receia que a hesitação quanto à vacinação esteja, também, a ser alimentada pela desinformação nas redes sociais.

"[As redes sociais] estão a matar pessoas", afirmou Joe Biden, em resposta aos jornalistas na sexta-feira. "A única pandemia que temos está entre os não vacinados e [as redes socias] estão a matar pessoas".
Não vacinados ameaçam combate à pandemia

Nos Estados Unidos já foi totalmente vacinada 48,3 por cento da população, de acordo com o CDC. A taxa de doses administradas nacionalmente caiu de uma média diária de mais de 3,4 milhões em meados de abril para cerca de 421 mil por dia, na semana de 4 a 10 de julho.

Nos Estados da Florida, Texas, Califórnia e Missouri foram reportados mais de 40 por cento dos novos casos de Covid-19 do país na semana passada.

No Mississippi, por exemplo, os indivíduos não vacinados representaram 94 por cento dos novos casos, 87 por cento das hospitalizações e 93 por cento das mortes esta semana, de acordo com Thomas Dobbs, o principal oficial de saúde do Estado. O Mississippi tem a taxa de vacinação mais baixa dos Estados Unidos, com apenas 33,6 por cento da população totalmente vacinada.

As autoridades de saúde consideram que, neste momento, a recusa de muitos em ser vacinados continua a ser um grande obstáculo na luta contra a pandemia. Os especilaistas frisam mesmo, segundo o Guardian, que grande parte das pessoas não vacinadas nos EUA podem potenciar a formação de mais mutações do vírus e, potencialmente, gerar variantes mais transmissíveis e cada vez mais mortais.

Isto é, as pessoas não vacinadas não correm apenas um risco maior de contrair Covid-19, mas também podem prejudicar toda a campanha de vacinação nos EUA se qualquer variante futura for significativamente resistente às vacinas existentes atualmente.

"Pessoas não vacinadas são basicamente a bucha de canhão do vírus. O vírus precisa de pessoas para infetar a fim de se replicar e quanto mais pessoas vulneráveis ​​ou suscetíveis à infeção ele possui, maior a probabilidade de sofrer mutação", explicou ao jornal britânico Michael Saag, professor de medicina e doenças infecciosas da Universidade do Alabama, em Birmingham.

Na opinião de Susan Hassig, professora associada de epidemiologia na Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical de Tulane, "as populações não vacinadas, de qualquer tamanho, são o terreno onde o vírus acabará por gerar alguma forma de mutação que provavelmente será um problema para nós".

Mas este aumento de casos também foi associado à disseminação da variante Delta, altamente transmissível, que agora é responsável por mais da metade das novas infeções, de acordo com o CDC. Esta variante é uma mutação mais contagiosa e agressiva do vírus que agora é a dominante e é um resultado direto da mutação do coronavírus em pessoas que foram infetadas.

Embora ainda não seja certo se há ou não necessidade de reforçar a vacinação com uma terceira dose ou com a vacinação anual, os epidemiologistas alertam que as mutações podem desafiar a imunidade das vacinas.

"Essa tem sido a preocupação o tempo todo. Falamos sobre isso desde o início e, como previsto, várias variantes surgiram. Esses vírus vão continuar a surgir e é apenas uma questão de acaso e uma questão de tempo, se uma das variantes for resistente, até certo ponto, à imunidade proporcionada pela vacinação", referiu Saag.

Com a prevalência da variante Delta, o aumento do número de casos e as lacunas nas taxas de vacinação, as autoridades de saúde pública estão a incentivae a manutenção de medidas preventivas, como o distanciamento social e uso de máscara para limitar a transmissão.

Mas, como Hassig e Saag concordaram, a proteção mais eficaz contra futuras mutações do vírus e variantes atuais é ser totalmente vacinado.

"O que podemos fazer é vacinar todos. Isso protege-nos em primeiro lugar de sermos infetados e se o vírus não for capaz de infetar, não se vai replicar e não gerará uma nova variante", explicou Saag.
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