A novela da revolução segundo Pudovkin

por RTP
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Vsevolod Pudovkin (1893-1953) distinguia-se do contemporâneo Sergei Eisenstein, por preferir contar nos seus filmes destinos individuais entrelaçados com a história dos grandes acontecimentos da época. Com frequência as prioridades temáticas de um têm sido contrastadas com as do outro.

Esta diferença é particularmente sensível nos filmes que a ambos foram comissionados para a comemoração dos dez anos da Revolução de Outubro.

Assim, o "Outubro" de Eisenstein relata a luta pelo poder nos meses anteriores à tomada do Palácio de Inverno e tem no seu guião personagens tão destacadas como Kerensky, Lenine, Trotsky, Antonov-Ovseenko. Pelo contrário, "O fim de S. Petersburgo", de Pudovkin, embora referindo-se em boa parte ao mesmo período histórico e ao mesmo desfecho, toma como centro da narrativa o percurso de um jovem camponês.



O protagonista - de quem nunca se diz o nome, como em parte tendia a suceder no cinema mudo, sempre que não se tratasse de personagens históricas - deixa a aldeia, a fugir da fome, e procura trabalho em S. Petersburgo no ano de 1913.

Tentado a entrar ao serviço de um fábrica, como fura-greves, confronta-se inicialmente com os grevistas e, em parte por ingenuidade, acaba por facilitar à polícia a detenção de um conterrâneo seu, residente há mais tempo na cidade e trabalhando desde antes na fábrica. Pagará depois com a prisão os seus remorsos e as suas tentativas para corrigir o mal que fizera.

Curioso, nessa parte da narrativa, é o anacronismo que faz do operário mais antigo um "comunista". Na verdade, a designação não existia ainda e os próprios bolcheviques continuavam ainda a considerar-se social-democratas.

Entretanto começa a guerra e o jovem é mobilizado à força. O filme retrata a carnificina que se abate diariamente sobre as trincheiras, e vai contrastando regularmente essas imagens com a euforia dos especuladores bolsistas.

Ao irromper a revolução de Fevereiro, o jovem regressa a Petrogrado e destaca-se a sublevar os companheiros do seu regimento a favor da agitação que aí vão fazer os bolcheviques. E reencontra a mulher do grevista que denunciara, ela própria inicialmente hostil à militância política do marido, mas agora completamente ganha para a causa da revolução.

O filme de Pudovkin é o contraponto, mais intimista, do "Outubro" de Eisenstein, e tenta transpor para a tela, na pele de personagens individuais, alguns arquétipos da sociologia marxista: o camponês atrasado, o operário de vanguarda, o patrão ganancioso, o especulador sem escrúpulos. A forma da transposição atinge por vezes as raias de uma simplificação estereotipada, como é propiciado pelo filme mudo, e como é exigido sob a férula do estalinismo.

E também os processos dinâmicos da revolução se encontram transpostos de forma idêntica: o camponês atrasado, a mulher hostil aos grevistas, ambos são arrastados pela vaga de fundo da revolução.

O título do filme, "O fim de S. Petersburgo", alude à ruptura com o passado czarista. Ao triunfar na antiga capital dos czares, a revolução irá mudar-lhe o nome para Leninegrado. Mas também isso constitui um anacronismo porque só irá suceder após a morte do líder, em 1924, quando este já não puder defender-se contra o culto da sua própria personalidade.
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