"Ainda Te Manifesto" é um desabafo sobre a situação política na Guiné-Bissau
No seu novo livro, "Ainda Te Manifesto", o escritor guineense Amadú Dafé redige um desabafo, em forma de cartas dirigidas a Mimá, figura que metaforicamente simboliza a Guiné-Bissau, sobre a situação política do seu país, contou à Lusa.
Em entrevista à Lusa sobre o livro que será lançado sábado em Lisboa, Amadú Dafé explicou que tudo começou após uma conversa com uma amiga em que esta lhe falava de uma obra que era "uma espécie de autoajuda com técnicas `muito inspiradoras` para escrita literária".
"E eu respondi-lhe que se alguém precisasse de um livro de autoajuda para escrever um livro, então não está pronto para escrever um livro. Depois de desligarmos, eu por acaso fiquei a pensar naquilo e aquelas técnicas de escrever para pessoas que nos teriam de alguma forma influenciado ou impactado positivamente ou negativamente", contextualizou.
O escritor, que é também apresentador do Mar de Letras, da RTP África, ficou com essa questão em mente e lembrou-se de pessoas que foram muito importantes na sua vida e que a distância e a correria do dia-a-dia afastaram, explicou.
Decidiu então escrever-lhes cartas a relatar a sua vida e percebeu, ao reler o conteúdo, que já estava demasiado "metido na política" e, por isso, "mais do que manifestar o amor" que sente por essas pessoas, devia manifestar a sua posição política face à conjuntura na Guiné-Bissau, frisou.
"Acredito que amar os outros é também amar a coletividade onde essas pessoas se inserem, um projeto político qualquer que vise devolver-lhes, quanto mais não seja, o orgulho, mas também a sua própria dignidade e a sua liberdade", declarou.
"Mimá é então o nome dessa pessoa a quem eu comecei a escrever as cartas. Portanto, quando eu comecei a redigir as cartas optei por dirigir a essa pessoa, mas ao longo do livro já lhe dei uma configuração em que essa Mimá se confluísse com a ideia de uma Guiné-Bissau propriamente também a quem eu falava no livro. Assim, de alguma forma, Mimá acaba por ser uma metáfora da própria Guiné-Bissau com quem eu quis conversar ao longo do livro", contextualizou.
A realidade atual da Guiné-Bissau acabou por despertar a necessidade de publicar este livro, confessou: "A necessidade de escrever o livro não foi por esta conjuntura, mas publicar o livro foi precisamente por ela".
"Quando se sente a necessidade de fazer constar, em relatórios de organismos ou outras entidades públicas ou privadas, qualquer que seja o comportamento de um regime negativo, é porque, de facto, o que está por detrás, o que está na base, é muito mais violento, é muito mais perigoso, é muito mais enraizado do que se pode imaginar, não é?", alertou.
Contudo, Dafé frisou que os relatórios nunca conseguem "demonstrar tudo".
"[Os relatórios] dizem apenas os grandes acontecimentos, mas não os pormenores, como por exemplo as escolas que não funcionam, os hospitais que não existem e quando existem as pessoas morrem ainda ou por uma dor de cabeça ou por uma dor de barriga qualquer porque não há diagnósticos, ou os diagnósticos não se conseguem com nenhuma eficácia porque os equipamentos não são adequados, os profissionais não estão devidamente treinados e preparados", lamentou.
Para o escritor, o que se passa é uma grande preocupação para qualquer guineense "que acompanhe a violência da Guiné-Bissau ou da diáspora".
Contudo, considerou, "há alguns guineenses próximos do Governo conscientes destes problemas internos", mas estão demasiado focados "em alguma migalha que o regime lhes vai dando e consentem, calam e fingem que não se passa nada".
O livro "Ainda Te Manifesto" vai ser lançado no anfiteatro 10 da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), na Cidade Universitária, sábado, às 17:00.
A sessão contará com a participação da cantora e jornalista Karyna Gomes, da jornalista Carla Adão e da diretora da Casa da Cultura da Guiné-Bissau, Rita Ié.