Álbum de estreia de Raquel Martins reflete busca pelo sentimento de `casa`

A guitarrista Raquel Martins edita hoje o álbum de estreia, a partir de Londres, onde vive há quase dez anos, experiência que está refletida nas canções cujo som condensa toda a música que a influenciou ao longo da vida.

Lusa /

Os 12 temas que compõem "London, when are you gonna feel like home?" começaram a ser escritos numa altura em que Raquel Martins, de 25 anos, sentia que "não tinha muito chão, estava entre duas coisas": o Porto, onde nasceu e cresceu, e Londres, para onde se mudou aos 17 anos para estudar guitarra na universidade.

Em entrevista à Lusa, numa videochamada a partir de Londres, recordou que nessa altura passava muito tempo em digressão com outros artistas, com quem começou a tocar no final do curso. "Estava sempre na estrada. Quando uma pessoa volta da estrada está a voltar para onde? Qual é que é o sítio certo para voltar?", questionava-se.

Foi no final de uma das digressões, muito cansativa, que decidiu que tinha de criar o álbum, um objetivo que tinha desde sempre.

"Escrevi o nome do álbum numa folha de papel, e o álbum acabou por ser o processo, literalmente, cronológico de tudo, de `o que é que é casa`. Eu estava só a ler sobre isso, a ver filmes, exposições, sobre o que era este sentimento que eu estava a querer ter de volta, e que não existe porque é uma coisa de sobrevivência. [Fazer o álbum] Ajudou-me imenso a fechar esse tópico na minha cabeça", partilhou.

As letras refletem esse sentimento, que acredita ser comum a muitos imigrantes e expatriados, a dada altura da vida.

Para Raquel Martins, "o mais natural foi cantar em inglês", visto que "pensava em inglês, sonhava em inglês, e a música que ouvia em Portugal a maior parte era em inglês". Embora se ouçam algumas frases em português, língua que começa a sair "mais naturalmente", quanto mais volta a ter vida em Portugal.

No som condensa influências de sempre e outras mais recentes.

"Adoro música brasileira, sempre foi muito importante para mim", disse, referindo nomes como Milton Nascimento, João Gilberto e Elis Regina.

Quando chegou a Londres ouvia muita música jazz. Na mesma época, começou a ficar "muito interessada em pessoas que têm o seu próprio som, as pessoas que conseguem canalizar a mistura de influências", como Sampha ou Lianne La Havas.

"Eu não acredito que as pessoas estejam a criar uma coisa nova, o som das pessoas é só tudo o que elas já ouviram, misturado. Somos todos uma mistura de influências. Com este álbum acho que consegui pôr num corpo de música tudo o que eu era naquela altura, e agora já está a mudar", disse.

Além de tocar guitarra, que começou em pequena ao pegar na guitarra do avô, "que não era músico profissional mas tinha uma guitarra", Raquel Martins também canta.

A vergonha de cantar, por achar que "cantar a sério era cantar aquelas canções de r`n`b, com aquelas `runs` todas e aqueles vozeirões", perdeu-a quando começou a gostar de ouvir artistas que "não têm vozes perfeitas, mas que são eles mesmos".

"Isso deu-me confiança", disse.

Ter tido aulas de canto também ajudou. Já com a produção das músicas, que assume no álbum, "foi super audodidata".

"Quando comecei a tocar lembro-me de gravar coisas no computador, sozinha. Sempre tive esse gosto. Com este álbum percebi que é das minhas coisas preferidas. Uma pessoa consegue construir o mundinho que quiser. É quase um laboratório", contou.

Depois de escrever e produzir os temas, Raquel Martins levou amigos músicos para estúdio e pô-los "a tocar por cima das músicas, bateria, baixo, trompete".

"Mas foi um álbum que foi mais feito no meu quarto e depois estúdio. Não é um disco que soe ao vivo. Eu estava mais interessada em buscar coisas orgânicas e depois trazer para o eletrónico e para o computador, e tentar mexer com esses sons, que é o que gosto mais de fazer", partilhou.

"London, when are you gonna feel like home?" terá concertos de apresentação em Londres, no dia 28 de setembro, e em Lisboa, em 20 de novembro, no Lux-Frágil.

Nas atuações, além de Raquel Martins haverá mais dois músicos em palco. "Somos três e temos umas `stations`. Estou a tocar imensos instrumentos, ele [um trompetista] está a tocar imensos instrumentos, e temos um baterista e percussão", explicou.

Preparar as músicas do disco para serem apresentadas em concerto "está a ser o trabalho de uma vida". "Dei tantas camadas [às músicas]. Há músicas que têm 400 faixas, que é impossível recriar [ao vivo]", explicou.

Para se dedicar à carreira a solo, Raquel Martins tinha parado de tocar com outros artistas, mas este ano recebeu um convite do músico britânico Loyle Carner ao qual acedeu e que a levou a subir a um dos palcos principais do festival de Glastonbury em junho.

"Nunca tinha feito um espetáculo nessa escala", referiu. Em outubro tem mais concertos agendados com o músico, com quem está a aprender muito e que conheceu em Portugal, no festival de Paredes de Coura.

Raquel Martins nunca conseguirá saber se o seu percurso teria sido diferente se não tivesse saído do Porto para Londres, mas sente que "Portugal está a ficar cada vez mais diversificado, que é a coisa que Londres tem".

"[Em Londres] O nicho é muito rentabilizado, é sustentável. Uma pessoa pode viver de música estranha, porque há muita audiência para música estranha", disse.

Para já, continuará a residir em Londres, embora não saiba por quanto tempo. Gostava de voltar antes de 2030.

"Acho que é cada vez mais possível e cada vez acredito mais na exportação, uma coisa que Espanha está a fazer imenso. Em Portugal, temos cada vez mais confiança de ver a nossa identidade, está a ver-se muito na música. E depois é exportar para o mundo, porque as pessoas começam a ter o seu próprio som. Acho isso muito interessante, por isso acho que é uma altura mesmo fixe para música portuguesa", afirmou.

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