Artistas Unidos precisam de 1ME para fazerem Teatro Paulo Claro de um armazém decadente
O Teatro Paulo Claro, em Marvila, é um armazém da antiga zona industrial de Lisboa, a precisar de obras urgentes de reabilitação e de um milhão de euros para vir a ser de facto um teatro, segundo os Artistas Unidos.
Quem o disse foi Pedro Carraca, um dos atuais dirigentes da companhia, no final de um ensaio de imprensa da peça "Jantar", de Moira Buffini, cuja estreia está marcada para dia 23, depois de adiada duas semanas, por causa de "problemas técnicos surgidos no espaço" que a companhia ocupa desde 26 de setembro.
Situada ao lado da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, a "nova casa" dos Artistas Unidos é um armazém de mais de 800 metros quadrados, de pé direito elevado e aspeto bastante decadente, com o telhado a necessitar de obras urgentes e onde nada existe.
Num espaço enorme e desnudo, para onde os Artistas Unidos estão a transportar o material de que dispõem, cinco pequenas divisórias envidraçadas semelhantes a `aquários` e uma casa de banho completam o espaço que, nas palavras de Pedro Carraca, tem "muito potencial, mas onde tudo falta fazer".
"Um espaço numa zona com potencial no futuro, (...), que tem um tamanho e uma área muito interessantes e com muitas possibilidades, mas onde vai ser preciso um investimento gigante", na ordem de "um milhão de euros". "E não estou a fazer contas por cima", enfatizou.
Telhado novo, instalações elétricas novas, material novo, arranjo e pintura de paredes, construção de instalações sanitárias e de saída de emergência contam-se entre as tarefas "hercúleas" que a companhia fundada por Jorge Silva Melo, em 1995, tem pela frente.
"Ao fim de 30 anos e 200 espetáculos, ganhámos um teatro", afirmou Pedro Carraca, com alguma ironia, agradecendo, todavia, o esforço da Câmara de Lisboa para lhes arranjar uma sede. "Se não, a companhia fechava".
A autarquia de Lisboa sempre se "mostrou recetiva e disponível" para encontrar um espaço para a companhia, depois desta ter sido obrigada a abandonar o Teatro da Politécnica, disse Pedro Carraca.
"Na verdade, o nosso problema foi resolvido e aí temos que lhe agradecer publicamente isso", disse o ator e encenador, referindo-se ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas.
Com um contrato de cedência por 10 anos, renovável anualmente, a companhia viveu tempos "muito difíceis e de muita incerteza" desde julho de 2024, quando abandonou o Teatro da Politécnica, entre o Largo do Rato e o Príncipe Real.
À felicidade de "uma casa nova" - "porque nós temos acesso ao espaço, ponto" - junta-se a consciência do "investimento gigante" que há que fazer para a tornar num teatro, superando "a transição bastante dolorosa", vivida até agora.
No Teatro da Politécnica, tiveram de "destruir" um espaço onde estavam há 13 anos, "para servir de armazém de coisas que nem sequer [sabem] se lá estão ainda", disse, sublinhando que "a morte daquele espaço", que era o da companhia, foi também "a morte de um espaço para aa cidade".
"Foi bastante doloroso, mas como nós dizíamos na altura não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira, nem, na verdade, a quarta vez que isso nos aconteceu, e tínhamos esperança de que conseguíssemos alterar essa realidade", lembrou.
Pedro Carraca recordou ainda a travessia que mediou as conversações imediatas iniciadas com a autarquia de Lisboa, os avanços e recuos entre a saída da Politécnica e a ocupação do novo espaço em Marvila com, pelo meio, a hipótese de voltarem ao espaço d`A Capital, no Bairro Alto, onde estiveram entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000.
Uma "travessia" que foi sendo sempre "equilibrada com as possibilidades futuras de concretização ou não, consoante os espaços" que lhes apareciam, mas durante a qual os Artistas Unidos "acreditaram sempre com perseverança", conseguindo manter a atividade, que era "essencial" para a companhia.
Com "a ajuda de bastantes instituições, como o Teatro Meridional, a autarquia de Lisboa e o Centro Cultural de Belém", além de outras ofertas de teatros que foram recebendo, a companhia conseguiu apresentar os seus espetáculos: "Uma solidariedade de vários grupos que, sem obrigação nenhuma, se dispuseram" a estender-lhes "a mão", referiu.
Pedro Carraca está mesmo convencido de que se não tivessem conseguido manter-se em funcionamento, a companhia podia ter acabado, até porque teriam um problema com a Direção-Geral das Artes, com quem já estavam em incumprimento por não terem sala própria.
Do ponto de vista "anímico do próprio grupo não sei como conseguiríamos manter a esperança, um ano parados".
"Mesmo agora, olhando para a tarefa que temos em mãos... Uma coisa é a energia do esforço da destruição, que foi o que sentimos na Politécnica (...), e isso é uma energia muito triste - de repente, há um sentido de inutilidade na nossa própria vida que é dolorosa".
Depois, quando começaram a travar "a luta pela sobrevivência", que "é uma luta de construção, de continuidade, houve um alimento dentro do grupo inteiro", dos atores "à senhora da limpeza", com a certeza de que iam conseguir.
A partir do momento em que começaram a travar "a luta pela sobrevivência", "um momento dentro do grupo com muitas discussões, momentos tensos, mas num sentido positivo", passou-se a outra etapa.
Por isso, Pedro Carraca mostra-se "muito agradado" que todo o esforço da companhia tenha chegado a algum lado e que agora possam "partir a cabeça e as costas a pensar como podem reconstruir" a nova casa.
Questionado sobre se as obras no telhado, as primeiras que têm de fazer, não implicam o fecho do teatro, o ator e encenador disse não saber, mas mostrou-se esperançado de que não.
Ainda antes das obras, para as quais estão a pedir orçamentos, há que "desentupir algerozes num telhado" que não sabem "se tem segurança para o fazerem".
E se, por um lado, o tempo das chuvas se aproxima, por outro, a companhia também precisa delas para verificar onde existem infiltrações.
Quanto ao montante para as obras, Pedro Carraca afirmou que a companhia foi "acumulando algum dinheiro para se precaver em relação a um futuro incerto".
A verba de que dispõem, no entanto, é quase zero face à carência de obras no edifício, pelo que se encontram a estudar várias formas de financiamento.
Esperando não terem de fechar o teatro, e acreditando que a obra no telhado pode ser feita de forma faseada, o ator e encenador afirma que "a casa está podre, ainda está completamente desarrumada, não está pintada, nem pronta para receber pessoas".
"Mas vamos abrir e mostrar como é que ela está" - e como irá melhorando, ao longo do tempo.
Da mesma forma que convidaram pessoas para esvaziarem o Teatro da Politécnica, não afastam a hipótese de voltar a convidá-las para um dia "fazerem qualquer coisa", no novo local. "Talvez para pintar paredes, para virem ajudar-nos a construir o espaço" ou até mesmo para fazerem "um `crowdfounding`", diz, ao mesmo tempo que dá uma gargalhada.
Uma coisa é certa, não é já que os Artistas Unidos conseguirão ter o que desejam e o novo espaço permite: duas salas em funcionamento, uma para a companhia, outra para acolherem grupos que não tenham espaço e possam ter carreiras decentes na cidade, "sem ser a preços exorbitantes de aluguer de sala e, sim, com divisão de bilheteiras, numa espécie de risco".
A meta temporal para o cumprimento desse objetivo é desconhecido de momento, mas Pedro Carraca espera "conseguir ter isso no prazo de um ano".
O novo espaço também lhes permite montar espetáculos em vários locais do armazém, além da ideia de palco convencional, tal como fizeram n`A Capital.
As únicas certezas que a companhia tem de momento é que irá estrear "Jantar", de Moira Buffini, e que está a "viver um pesadelo, mas um pesadelo positivo", afiançou Pedro Carraca.
Um princípio de que a companhia também nunca abdicou foi o de se manter na capital, apesar de terem tido ofertas para fora de Lisboa.
"Um grupo que começa com uma peça chamada `António, um rapaz de Lisboa`, deveria ser de Lisboa", afirmou Pedro Carraca, lembrando o primeiro trabalho da companhia.
"Ou nos querem ou não nos querem. Ou sentem que este projeto é fundamental para a cidade ou não é. E se não for acabamos", concluiu.