Atores, escritores e políticos judeus apelam para sanções a Israel
Atores, escritores, personalidades e políticos judeus de todo o mundo divulgaram hoje uma carta aberta aos líderes mundiais e à ONU apelando para que imponham sanções ao Governo de Israel pela violenta ofensiva a Gaza.
"Invade-nos o desassossego perante a acumulação de provas que apontam para que as ações de Israel se enquadram na definição jurídica de genocídio e as tentativas de fugir à responsabilidade e voltar a impor o mesmo padrão falhado de impunidade. Não toleraremos isso", lê-se na missiva.
Entre os signatários, contam-se a autora canadiana Naomi Klein ("A Doutrina do Choque"), o ator norte-americano Wallace Shawn ("Gossip Girl" e "Donas de Casa Desesperadas"), a ex-primeira-ministra belga Simone Susskind e os vencedores de Óscares Jonathan Glazer e Yuval Avraham, bem como figuras públicas israelitas como o ex-presidente do parlamento israelita Avraham Burg e o negociador Daniel Levy.
"A pressão internacional foi um elemento-chave para alcançar este cessar-fogo e, para garantir que perdura, não pode afrouxar. Este cessar-fogo deve ser entendido como um começo, não um fim, pois o risco de regressar a uma realidade política marcada pela indiferença perante a ocupação e o conflito em curso é demasiado elevado", sustentam os subscritores.
A carta é divulgada um dia antes da reunião dos líderes da União Europeia (UE) em Bruxelas, esta quinta-feira, por entre rumores de que planeiam congelar as sanções propostas contra Israel, após o acordo de cessar-fogo.
"Recusamo-nos a permitir que prossiga esta afronta à nossa consciência coletiva, que não tem lugar nos valores do judaísmo nem nas lições que nos são ensinadas pela história do nosso povo (...) A nossa solidariedade com o povo palestiniano não constitui uma traição ao judaísmo; pelo contrário, incorpora a própria essência dos nossos valores", acrescenta-se na carta.
É por isso que centenas de subscritores, impulsionados pela associação Jews Demand Action (Judeus Exigem Ação), exortam a que as decisões do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), entre as quais os mandados de captura do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e de outros membros do seu Governo, sejam cumpridas e que se recorra a "sanções específicas para órgãos governamentais e pessoas responsáveis por violar o direito internacional e se suspenda relações com entidades comerciais envolvidas em tais violações".
Instam ainda a que a ajuda humanitária chegue a todos os palestinianos na Faixa de Gaza e rejeitam "as falsas acusações de antissemitismo que exploram a história coletiva dos judeus para prejudicar a reputação daqueles com quem lutamos pela paz e pela justiça".
O negociador Daniel Levy observou, citado no comunicado: "Devemos pôr fim a esta vergonha e exigir um futuro melhor para os judeus e os palestinianos. Apelamos aos líderes mundiais para que rejeitem a cumplicidade com o `statu quo` da ocupação, do `apartheid` e do círculo vicioso de genocídio por Israel dos palestinianos, e para que garantam o respeito pelo direito internacional e o fim da impunidade".
Está em vigor desde 10 de outubro um acordo de cessar fogo entre Israel e o movimento islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza, a primeira fase de um plano de paz proposto pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, após negociações indiretas mediadas pelo Egito, Qatar, Estados Unidos e Turquia.
Esta fase da trégua envolveu a retirada parcial do Exército israelita para a denominada "linha amarela" demarcada pelos Estados Unidos, linha divisória entre Israel e a Faixa de Gaza, a libertação de 20 reféns em posse do Hamas e de 1.968 prisioneiros palestinianos.
O cessar-fogo visa pôr fim a dois anos de guerra em Gaza, desencadeada pelo ataque de 07 de outubro de 2023 do Hamas a Israel, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 sequestradas.
A retaliação de Israel fez pelo menos 68.234 mortos - entre os quais mais de 20.000 crianças - e 170.373 feridos, na maioria civis, segundo números hoje atualizados (com as vítimas da quebra do cessar-fogo por Israel) pelas autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Fez igualmente milhares de desaparecidos, soterrados nos escombros e espalhados pelas ruas, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções e fome, causada por mais de dois meses de bloqueio de ajuda humanitária e pela posterior entrada a conta-gotas de mantimentos, distribuídos em pontos considerados "seguros" pelo Exército, que regularmente abria fogo sobre civis famintos.
Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa "situação de fome catastrófica" e "o mais elevado número de vítimas alguma vez registado" pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo, mas a 22 de agosto emitiu uma declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.
Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU acusara Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça, e uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais de defesa dos direitos humanos.