Autor de "Terra Negra" diz que pouco se aprendeu com o Holocausto
O historiador Timothy Snyder disse à Lusa que os políticos e as sociedades atuais não souberam interpretar os perigos do nazismo como uma ideologia que provoca o caos destruindo estados e instituições.
"Temos a tendência de ver o Holocausto como tendo sido causado por um Estado autoritário mas e se o Holocausto foi causado por um tipo de Estado que destrói os outros Estados? Desta forma podemos ver as consequências das destruições dos Estados", disse à Lusa o autor do livro "Terra Negra" que vai ser lançado este mês em Portugal.
Timothy Snyder, professor de História na Universidade de Yale, Estados Unidos, e vencedor do Prémio Hannah Arendt, é considerado como um importante e polémico historiador do século XX, tendo publicado, entre outros, "Terras Sangrentas", sobre o genocídio dos judeus no leste europeu durante a Segunda Guerra Mundial, além de inúmeros artigos sobre o genocídio dos judeus e de outros povos pelos regimes nazi e comunista, no século passado.
Para o autor do livro "Terra Negra", a história do Holocausto tem de continuar a ser um tema contemporâneo porque a visão do mundo hitleriano não gerou por si só o genocídio dos judeus havendo uma "coerência secreta" que provocou um novo tipo de política destrutiva e um novo conhecimento sobre a capacidade para o homicídio em massa.
"Eu creio que a invasão norte-americana do Iraque em 2003 foi feita com base numa ideia errada do que foi o Holocausto. Uma das razões para a invasão foi a ideia de que se anularmos o Estado coisas boas podem acontecer. É evidente que a destruição do Estado iraquiano só podia conduzir a coisas más", afirma o historiador da Universidade de Yale que alerta igualmente para os perigos da hegemonia de Moscovo no leste europeu.
"Da mesma forma estou preocupado com a intervenção russa na Ucrânia, em parte porque põe em causa fronteiras legítimas e Estados legítimos na Europa o que nos pode conduzir por caminhos perigosos", acrescenta Timothy Snyder sublinhando que o Holocausto não é apenas um facto histórico, mas é também um aviso.
À luz dos acontecimentos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, Snyder diz que está "muito preocupado" com a desintegração da União Europeia como resultado do incremento dos nacionalismos populistas, sejam na Hungria ou em França acrescentando que a dissolução da Europa "não é apenas uma coisa má" porque - refere - muitos dos Estados podem "rapidamente" ser postos em causa se não se encontrarem no quadro da União Europeia.
Snyder parte do princípio de que a Segunda Guerra Mundial é de tal forma importante que todos devem aprender com o Holocausto mas frisa que as lições têm de ser consistentes em relação ao que "de facto" aconteceu.
"Se o meu argumento estiver correto então devemos olhar para coisas que geralmente não vemos. Eu concordo com as pessoas que dizem que devemos estar em alerta sobre o antissemitismo. Mas, as ideias de Hitler foram publicadas numa altura de grande insegurança e de escassez de recursos alimentares nos países desenvolvidos do ocidente. As pessoas devem entender isto", frisa o historiador.
"Podemos regressar aos tempos de escassez de alimentos? É possível. Os chineses, por exemplo, podem comportar-se de forma semelhante aos alemães dos anos 1930", diz o autor do livro "Terra Negra".
Sendo assim, historicamente, para Timothy Snyder as ideias de Hitler e o livro "Mein Kampft" devem ser colocados no contexto do conceito da globalização.
"Hitler é filho da primeira globalização (Primeira Guerra Mundial). Nós somos filhos da segunda globalização (Segunda Guerra Mundial). As ideias horríveis que ele tinha eram coerentes com a globalização e foram uma reação que conduziu a essa mesma globalização para um fim extraordinariamente sangrento", alerta o historiador norte-americano.
O livro "Terra Negra" (Bertrand Editora, 605 páginas, tradução de Pedro Carvalho e Guerra e Rita Carvalho e Guerra) chega às livrarias portuguesas no dia 05 de fevereiro.