Autora da BD "Corpo de Cristo" diz que ainda há muito por falar sobre saúde mental

A autora espanhola Bea Lema considera que "ainda há muito por fazer e por falar" sobre saúde mental, um tema que aborda na banda desenhada autobiográfica "Corpo de Cristo", que apresentará em novembro no festival AmadoraBD.

Lusa /

"Corpo de Cristo" é a primeira banda desenhada da autora galega Bea Lema, acaba de ser publicada em Portugal pela editora Iguana e serve de pretexto para uma exposição de originais no festival AmadoraBD.

De inspiração biográfica, o livro é protagonizado por Vera, uma menina que relata a sua relação com a mãe, profundamente religiosa e a quem foi diagnosticada uma doença mental, da qual recusava receber tratamento médico.

A narrativa acompanha o crescimento de Vera e o impacto da doença da mãe dentro da própria família e na relação com vizinhos, amigos e outros familiares. Vera acaba por se tornar, desde cedo, cuidadora da mãe, perante uma sociedade que tem dificuldades em lidar com a doença mental.

Com algum humor e sensibilidade, o livro é um retrato sobre o papel de cuidador, quase sempre atribuído à mulher, sobre traumas, incompreensão e estigma de quem tem uma doença mental, sobre fanatismo religioso e patriarcal.

O desenho, entre a ilustração e a banda desenhada, foi feito numa técnica mista com canetas de feltro e bordados manuais e à máquina, coloridos e a preto e branco.

"Corpo de Cristo", uma obra na qual Bea Lema começou a trabalhar há quase dez anos, teve uma primeira edição desenhada em galego, mas o projeto foi depois desenvolvido numa residência artística em Angoulême, França, da qual resultou esta banda desenhada e bordada, amplamente elogiada e premiada, nomeadamente com o prémio do público no festival de banda BD de Angoulême 2024 e com o Prémio Nacional de BD de Espanha 2024.

Em entrevista à agência Lusa, Bea Lema explicou que nesta autoficção queria contar a sua própria história, entender o que é a loucura, como é que se tornou mãe da sua própria mãe e porque é que a responsabilidade de um problema de saúde mental recai sempre no próprio doente.

"Não há uma escuta [do doente] e não se valoriza o contexto pessoal, como vive, como é o seu passado, o seu contexto. Quando comecei a trabalhar nisto percebi que existem movimentos [dentro da psiquiatria] que criticam este tipo de abordagem", contou.

Em "Corpo de Cristo", a mãe de Vera diz que tinha um demónio no corpo e que só a fé e a religião a podiam curar.

"Para mim, esses demónios tinham outro valor, tinham uma mensagem sobre a raiz do problema, associado ao abuso, dentro da família. Isso existe em muitos casos e ainda é um tabu", sublinhou a autora.

Para Bea Lema, as questões sobre saúde mental estão na atualidade "e isso é super positivo". "Mas quando falamos de psicoses ainda há muito por fazer e falar. E isso é porque causa medo, a psicose é como uma perda de controlo e há um imaginário coletivo que associa a um filme de terror, associa a alguém perigoso".

Bea Lema bordou dezenas de páginas de história à mão, com materiais reciclados e já usados, remetendo para a história da mãe, que costurava, e para uma técnica que dá espaço ao erro e enriquece visualmente a narrativa.

"Interessa-me também a ideia de reutilização, o tecido como algo vivido, que tem uma história associada, é metafórico sobre segundas oportunidades", explicou.

Sobre "Corpo de Cristo", Bea Lema acaba de concluir uma adaptação da história para uma curta-metragem de animação, a estrear-se em novembro em Espanha.

"A banda desenhada é um meio muito livre e o papel dá espaço para tudo, mas a animação também me entusiasma, porque me leva a outros sítios e a um trabalho em equipa".

O Festival de Banda Desenhada da Amadora começa na quinta-feira e, entre as exposições, está uma dedicada a "Corpo de Cristo", com uma seleção de originais bordados. De acordo com a organização, Bea Lema estará no festival no fim de semana de 01 e 02 de novembro.

 

 

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