Bárbara Wagner & Benjamin de Burca inauguram duas vídeo-instalações em Lisboa

por Lusa

A dupla de artistas Bárbara Wagner & Benjamin de Burca inauguram hoje uma exposição em Lisboa, composta por duas curtas-metragens centradas na música e na dança como forma de autoexpressão, de artistas brasileiros e canadianos.

A Galeria da Boavista, junto ao Cais do Sodré, alberga a partir de hoje, e até ao dia 12 de abril, uma exposição da brasileira Bárbara Wagner e do alemão Benjamin de Burca, dupla de artistas radicada no Recife, que trabalham em parceria desde 2011, tendo desenvolvido diversas obras audiovisuais, da performance ao cinema documental.

É o caso dos dois documentários experimentais que compõem esta mostra, intitulada "Estás vendo coisas": dois filmes musicais - a rodar em duas salas distintas da galeria -- interpretados por artistas e `performers` de diferentes origens, que exploram o modo como as expressões da cultura popular respondem às condições socioeconómicas.

Na primeira sala da galeria, situada no piso térreo, apresenta-se "RISE", um filme de 2018 focado na poesia e na palavra falada e cantada, em Toronto, no Canadá.

Esta curta-metragem tem como pano de fundo a recém-inaugurada extensão da rede de metro de Toronto, que liga o centro da cidade às periferias e segue um grupo de artistas jovens -- poetas e músicos -- que vão, sequencialmente, cantando e recitando poesia, uns estáticos, outros a dançar.

"Esta obra foi produzida no Canadá com um grupo de músicos de hip hop, principalmente canadianos de ascendência afro-caribenha" que vivem contextos culturais e sociais particulares, e que aqui usam palavras de empatia para exaltar valores como o trabalho, o amor e a justiça, subvertendo os códigos que usam este género narrativo e musical para glorificar o crime e a "objetificação" do corpo feminino, explicou Benjamin de Burca, durante uma apresentação à imprensa.

Segundo o artista, "tudo foi feito com a poesia dessas pessoas", que escreveram os textos e compuseram as músicas. Depois os artistas fizeram o `script` com essas poesias e o resultado enche os túneis do metro, as plataformas, as escadas rolantes com música, poesia e dança, tecendo narrativas de subversão e resistência.

"Usámos o metro para falar sobre essas questões contemporâneas de pertença", afirmou Benjamin de Burca, explicando que este é um "trabalho conceptual" de "educação através do entretenimento, que trata o hip hop como filosofia".

Sendo o hip hop um "movimento politizado que fala sobre problemas na sociedade", foi usado pelos artistas para expressar o seu relacionamento com as questões da identidade e da autorrepresentação, dando desta forma voz a minorias e comunidades marginalizadas pela sociedade.

No filme, a palavra "RISE" inspira-se no grupo Reaching Intelligent Souls Everywhere (Alcançando Almas Inteligentes em Todo o Lado, em tradução livre), que propõe precisamente o conceito de educação através do entretenimento.

A cultura popular expressa pela música e pela dança é também a base do outro filme da exposição, e que lhe dá nome, apresentada no andar de baixo da galeria.

"Estás vendo coisas" -- lançado em 2017 -- centra-se na música Brega do Norte do Brasil, tendo como mote a indústria videográfica deste género musical.

"Neste filme quisemos tratar mais o panorama da indústria. É um trabalho mais afetivo que pretende mostrar que este lado da música e da dança mais popular também é trabalho", explicou Benjamin de Burca, dando como exemplo quando uma fotografia de alguém a dançar é publicada no Instagram e obtém imediatamente comentários do género "vai trabalhar".

"Mas ele estava a trabalhar. Ele que era um vendedor de milho no cais, influenciado pelo Governo PT, que abriu mais possibilidades para essas pessoas, como as tecnologias, conseguiu dedicar-se à dança e deixar de vender milho", ilustrou o artista.

A música brega surgiu na década de 1970 inspirada pelas músicas românticas norte-americanas, tendo sofrido transformações ao longo dos anos decorrentes da inclusão de ritmos musicais como o Reggaeton ou o kizomba. O que começou por ser um género musical de mau gosto, é hoje um fenómeno de massas produzido por artistas, como os que são apresentados neste filme.

MC Porck e Dayana Paixão protagonizam este documentário musical, rodado na `boîte` "Planeta Show", onde atuam regularmente.

A ação alterna entre as cenas de espetáculo, exuberantes, sexualizadas e de ostentação, com as dos bastidores, onde os artistas se entregam a uma melancolia, que Benjamin de Burca e Bárbara Wagner optaram por não retirar à cena, até porque espelha a "incerteza que as pessoas estavam a viver naquele momento [das filmagens]" no Brasil, com o `impeachment`, explicou o autor.

"O filme é numa `boîte`, apresentada como uma caixa escura, para retirar todos os problemas e preconceitos do mundo, e deixá-los de fora. Só não retirámos a melancolia, porque entendemos que é um direito que eles têm", explicou.

A música de fundo é sempre composta por ritmos de brega, ruídos como os de um metrónomo, e danças sexualizadas, protagonizadas por homens e mulheres de calções muito curtos a fazer movimentos como o conhecido `twerk`.

"Estás vendo coisas" foi exibida na 32.ª Bienal de São Paulo em 2016. Dois anos depois, os artistas levaram a vídeo-instalação "RISE" à mesma bienal e, em 2019, à Berlinale e à primeira bienal de arte de Toronto.

No mesmo ano, a dupla representou o Brasil na Bienal de Veneza com a sua mais recente produção, "Swinguerra", um filme que retrata uma competição de dança entre um grupo de `swingueira`, música da Baía, um grupo de brega, e dois grupos de maloka, uma nova forma de dança do Recife, que os artistas descobriram durante as suas pesquisas de música e dança para o filme.

A exposição "Estás vendo coisas" está patente de terça a sexta-feira, da parte da tarde, e sábado e domingo durante todo o dia.

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