Bienal de Arte de Veneza 2026 responde a exaustão global com riqueza dos "tons menores"

A Bienal de Arte de Veneza de 2026 vai decorrer sob o tema "In Minor Keys", da curadora Koyo Kouoh, recém-falecida, uma visão transformadora da arte num "sussurro poético" de resistência, introspeção e alegria perante tempos de exaustão global.

Lusa /

A apresentação do título "In Minor Keys" ("Em Tons Menores", em tradução livre") e tema da 61.ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza realizou-se hoje, na cidade italiana. A mostra irá decorrer de 09 de maio a 22 de novembro de 2026, com pré-inauguração nos dias 07 e 08 de maio nos Giardini, no Arsenale e noutros locais do centro de Veneza, segundo a organização.

O tema estava inicialmente previsto ser revelado em 20 de maio, mas a Bienal decidiu adiar face à morte repentina da curadora africana Koyo Kouoh, dez dias antes, aos 57 anos, notícia recebida "com profundo pesar por todo o mundo da arte e da cultura", sublinhou hoje a organização.

Com "o total apoio da família de Koyo Kouoh, a Bienal de Veneza decidiu levar a cabo o projeto da sua Exposição", indicou hoje a organização, na apresentação feita pela equipa da curadora, acrescentando que o projeto será "seguindo tal como [Koyo Kouoh] o concebeu e definiu, com o objetivo adicional de preservar, valorizar e divulgar amplamente as suas ideias, e o trabalho que prosseguiu com tanta dedicação até ao fim".

O projeto daquela que seria a primeira mulher nascida em África a liderar este histórico certame mundial apresenta-se como uma "partitura coletiva" cujo nome e inspiração vem da estrutura musical frequentemente associada à melancolia, à improvisação e à intimidade, mas, no contexto da Bienal de Arte de Veneza 2026, foi transformada numa metáfora mais ampla.

"A tonalidade menor, na música, alude tanto à estrutura de uma canção como aos seus efeitos emocionais. É uma ideia rica, tão rica que rapidamente ultrapassa a sua definição técnica e se derrama em metáforas. Convoca os estados de espírito, o blues, a chamada e a resposta, a morna, a segunda linha, o lamento, a alegoria, o sussurro", lê-se no projeto deixado por Kouho, que cita autores de origem africana como o poeta Édouard Glissant, o músico Patrick Chamoiseau e a escritora Toni Morrison.

A 61.ª Exposição Internacional de Arte será produzida pela Bienal de Veneza com a contribuição dos profissionais selecionados e diretamente envolvidos por Koyo Kouoh, numa equipa composta pelos conselheiros Gabe Beckhurst Feijoo, Marie Helene Pereira e Rasha Salti, o editor-chefe Siddhartha Mitter e o assistente Rory Tsapayi, que apresentaram o projeto na conferência de imprensa, com muitas citações da curadora-geral desaparecida.

"As tonalidades menores recusam o bombardeamento orquestral e as marchas militares a passo de ganso, ganhando vida nos tons calmos, nas frequências mais baixas, nos zumbidos, nas consolações da poesia", segundo Kouoh, que imaginou "um arquipélago de oásis: jardins, pátios, complexos, pistas de dança, os outros mundos que os artistas criam, universos íntimos e de convívio que refrescam e sustentam mesmo em tempos terríveis, na verdade, especialmente em tempos terríveis".

De acordo com a equipa, a curadora-geral criou uma constelação de práticas artísticas que ressoam em registos mais silenciosos desafiantes das narrativas dominantes através de uma poética "mais sensorial e menos didática" dirigida aos visitantes.

A visão de Kouoh -- sublinharam - é baseada numa "profunda crença no artista como intérprete vital da condição social e psíquica", e, por outro lado, a exposição não pretende fazer "um comentário didático sobre as crises globais, mas uma experiência sensorial, relacional e transformadora".

Partindo de referências da improvisação do jazz, da poética das Caraíbas e da metáfora do jardim crioulo, a exposição apresenta a prática artística "como refúgio e proposta radical".

Os "tons menores" surgem na filosofia de enquadramento como metáforas sonoras, sociais e espaciais para ilhas de resistência, para oásis de auto-cuidado, ambientes de beleza e alegria, apesar da tragédia dos desastres climáticos, guerras mortíferas e crises económicas em curso.

No projeto entregue em abril à Bienal, a curadora descreve uma exposição em que "o tempo é recuperado da aceleração, em que a arte não é exaustiva nem esgotante, mas antes nutritiva, fortificante e necessária".

Rory Tsapayi leu um texto que Kouoh tinha preparado para apresentar na conferência de imprensa: "Estou cansada, as pessoas estão cansadas, o mundo está cansado, até a arte está cansada. Talvez tenha chegado o tempo de termos outra coisa diferente. Precisamos de curar, de beleza, de brincar, de estar outra vez com o amor, dançar, fazer e dar comida, de descansar e recuperar, de respirar. Precisamos da radicalidade da alegria. Chegou a altura".

Em outubro de 2024, Koyo Kouoh aceitou o convite do presidente da Bienal de Veneza, Pietrangelo Buttafuoco, para assumir o cargo de diretora artística do Departamento de Artes Visuais, com a tarefa de conceber a curadoria a 61.ª Exposição Internacional de Arte, e, até ao início de maio deste ano, a curadora "trabalhou intensamente" no desenvolvimento do projeto curatorial, definindo o seu enquadramento teórico, selecionando os artistas e as obras, designando os autores do catálogo, a identidade gráfica da exposição, a arquitetura dos espaços expositivos, e estabelecendo um diálogo com os artistas convidados a participar.

Por seu turno, o presidente da bienal, Pietrangelo Buttafuoco, disse, na conferência de imprensa: "O trabalho de Koyo Kouho toca-nos, e nela encontramos a prática artística a prevalecer à existência individual. A sua proposta é um sussurro, o `tom menor` sob o qual a luz pode encontrar o seu espaço".

A curadora camaronesa-suíça Koyo Kouoh nomeada para dirigir a Bienal de Arte de Veneza de 2026, morreu em 10 de maio, pouco antes de ser anunciado o tema e título do maior certame mundial dedicado à arte contemporânea.

Na altura, a organização lamentou a sua morte "surpreendente e prematura", lembrando-a como figura de destaque na cena artística internacional, conhecida pelas suas exposições focadas no feminismo e na arte africana.

A nomeação de Kouoh para a Bienal visava representar uma visão "mais inclusiva e global da arte contemporânea", e reconhecer "um trabalho e compromisso com a diversidade cultural e a justiça social através da arte".

Nascida nos Camarões e criada na Suíça, Koyo Kouoh dirigia desde 2019 o Museu Zeitz de Arte Contemporânea Africana, na Cidade do Cabo, e recebeu em 2020 o Grande Prémio suíço Meret Oppenheim.

Na edição de 2024 da Bienal de Arte de Veneza, com 86 representações nacionais, o Pavilhão de Portugal alcançou um recorde histórico de 83.800 visitantes com o projeto "Greenhouse", das artistas Mónica de Miranda, Sónia Vaz Borges e Vânia Gala.

A instalação, centrada nas intersecções entre arte, ecologia e política, transformou o Palazzo Franchetti num "jardim crioulo" com esculturas, som, dança, oficinas e debates sobre identidade, cultura e pertença, seguindo o tema central da bienal, "Estrangeiros por toda a parte", lançado pelo curador-geral, o brasileiro Adriano Pedrosa.

Todos os pormenores do projeto "In Minor Keys" de Koyo Kouoh - incluindo a lista de artistas convidados para a Exposição Internacional, a identidade gráfica, o design e a lista dos países participantes serão anunciados numa outra conferência de imprensa a realizar em Veneza, em 25 de fevereiro de 2026, anunciou hoje a organização.

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