Brasileiros celebram ancestralidade angolana ao ritmo da Kizomba
A sonoridade da Kizomba ecoa nas ruas de Taguatinga, no entorno de Brasília, onde vários alunos de uma escola de dança disseram à Lusa estarem a celebrar a "ancestralidade angolana" e a língua portuguesa ao ritmo da `jinga` africana.
O som reconhece-se ao longe, mas é preciso entrar na escola "Eu Sou Top" para ver os corpos unidos, em sintonia, e identificar que é Kizomba que os sete alunos de Samuel Paula dançam, em Taguatinga, a cerca de 30 quilómetros do centro de capital do Brasil.
Naquele pequeno grupo, reduzido devido à pandemia de covid-19, há alunos que dançam este ritmo angolano há vários anos, uma outra está a ter a sua segunda aula, há brasileiros, mas também uma colombiana. Apesar das diferenças, todos são unânimes em reconhecer que a Kizomba "soa a familiar", numa celebração das raízes africanas.
"É a minha dança predileta, que mora no meu coração, que fala na minha alma. Acho que as letras das músicas realmente têm um conteúdo muito importante e é muito gostoso de ouvir e ainda mais de dançar", disse à Lusa Carina Figueira, que começou a dançar Kizomba em 2014.
O fascínio por esta dança levou-a a viajar até Luanda, capital angolana, onde aproveitou para conhecer a Kizomba e o Semba na raiz. Aí, garante, "o casamento foi feito e selado".
"Apaixonei-me, não tem explicação. (...) Os angolanos são um povo super alegre e a Kizomba vem desde as crianças pequeninas e, apesar de ser uma dança tão sensual, não tem essa conotação sexual lá. Kizomba é sinónimo de alegria e é isso que os angolanos transmitem naquela raiz que eu consegui sentir", frisou a aluna.
"Paixão" foi mesmo a palavra mais usada pelos alunos do professor Samuel Paula para se referirem a este ritmo africano.
Para Wesley Castro, dançar é uma terapia e foi isso que o levou a procurar saber mais sobre Kizomba, em 2016. Contudo, ao contrário da maioria dos alunos, o brasileiro confessou que não se "apegou" logo de início, devido a dificuldades técnicas, tendo pensado mesmo em desistir.
Mas, como nem todos os amores resultam à primeira vista, Wesley deu uma nova oportunidade a esta dança e hoje diz ser "completamente apaixonado": "Danço outros ritmos, mas a kizomba é o primeiro amor".
Um dos motivos para essa conexão com a Kizomba é o facto de as músicas serem cantadas em português.
"É maravilhoso, principalmente porque (...) consigo entender o que eu estou dançando, o que é muito importante. Acaba por haver uma familiaridade maior. (...) Então, Kizomba é paixão, é amor, é vida. (...) Devido à questão histórica do Brasil, temos muito da cultura africana aqui no Brasil. (...) É um povo irmão e acho que é por isso que a Kizomba está crescendo no Brasil. É uma irmandade", avaliou.
Menos experiente é Marina Pereira que, apesar de estar a ter apenas a sua segunda aula, já se encontra totalmente rendida, afirmando que a Kizomba "é muito diferente das outras danças", mas soa-lhe a "familiar" devido ao "sangue africano" que corre nas veias de muitos brasileiros.
Já Paola Carvalho, que começou a dançar Kizomba em 2018, revelou que, devido à pandemia, aproveitou para começar a ver vídeos angolanos para aprimorar a sua técnica e se "aproximar da raiz", algo que considera muito importante.
"Apaixonei-me porque dançar kizomba é uma forma de você se aproximar da cultura angolana (...). Os nossos professores fazem questão de nos aproximar da história de Angola e da dança. Kizomba significa encontro, confraternização, festa, alegria. Então, é desse jeito que eu me sinto quando danço", reforçou.
Mas nem só de brasileiros se forma esta turma, que conta também com Stefanny Barbosa, uma colombiana que conheceu a Kizomba no Panamá, mas que foi aprimorando o seu estilo com as vivências que adquiriu em outros países, como os Estados Unidos ou Brasil.
"Os brasileiros (...) fazem uma mistura digamos que `mais rebolada`, mais sensual. Não tão rígida, como em outras culturas. Mas isso é interessante, porque todas são lindas. (...) A kizomba tem-se tornado uma moda no mundo inteiro e tem músicas em todas as línguas. Temos Kizomba em espanhol também (...) Há cantores maravilhosos caribenhos, por exemplo, que estão cantando Kizomba", contou.
Além do amor pela dança, o ponto em comum entre estes alunos é Samuel Paula, um jovem professor de 30 anos que, em 2014, teve o seu primeiro contacto com a Kizomba, que o levou a Angola anos mais tarde, para "conhecer a cultura e dançar na raiz".
Em declarações à Lusa, em Taguatinga, Samuel Paula admitiu que a experiência de conhecer o berço da Kizomba fez a sua dança ter "um boom" e evoluir "completamente".
"Quando você conhece mais profundamente, você consegue entender o que as músicas querem dizer, (...) principalmente quando entram em conteúdos mais antigos, em que falam do que a Angola já passou. Aí, consigo entender um pouquinho da `sofrência` que eles passaram, começamos a ter um discernimento das coisas e a criar o respeito que precisamos de ter quando falamos de Kizomba", disse.
Sobre a junção de ritmos dos dois países, ligados historicamente, o professor revelou que, apesar de os brasileiros apresentarem "um pouquinho de resistência" a novas danças, "as pessoas passam a amar" a Kizomba e, posteriormente, "passam a amar a cultura, o país, o continente africano, e as coisas vão crescendo e disseminando".
Apesar de a pandemia ter feito com que perdesse cerca de 60% dos seus alunos, Samuel Paula encontra-se mais otimista em relação ao seu futuro profissional, garantindo que, nos dias hoje, a "vontade louca de os alunos dançar já começa a falar mais alto" e as aulas já começam a regressar ao normal.