Cantora que levou `sinal dos chifres` para o rock diz que símbolo nada tem a ver com o diabo

por Lusa

A vocalista dos norte-americanos Coven, que se estreiam hoje em Portugal, na Figueira da Foz, esclarece que o `sinal dos chifres`, por eles introduzido no rock em 1969 e usado mundialmente, nada tem a ver com o diabo.

Desengane-se, portanto, quem vê no símbolo - os dedos mindinho e indicador espetados, disseminado a nível planetário em concertos de hard rock e heavy metal - os `cornos de Lúcifer` ou qualquer apelo a práticas satânicas, se bem que o mistério e os rituais ligados à magia, ao ocultismo, à bruxaria e aos fantasmas que, acredita, "andam por aí", sejam uma constante no discurso de Jinx Dawson.

"É um símbolo de bom acolhimento, de boas-vindas. Eu não o inventei, apenas o aprendi, mas foram os Coven que o começaram a usar na música", disse à agência Lusa Jinx Dawson.

Explicou que o símbolo "é ancestral, está cá há centenas de anos" e que contactou com ele, a primeira vez, ainda criança, quando acompanhou o avô e as irmãs deste a um ritual de LHP (sigla anglo-saxónica para Left Hand Path, o Caminho da Mão Esquerda ou o Caminho do Mal, uma tradição esotérica do mundo ocidental relacionada com a magia negra), numa cela na cave da mansão onde cresceu, em Indianápolis, na região centro-oeste dos EUA.

"Alguém apareceu à porta, fez isso [o sinal dos chifres] e deixou-nos entrar. E eu, que já tinha idade suficiente, perguntei o que era aquele sinal e responderam que significava que éramos seus semelhantes e que podíamos entrar, era um sinal de que éramos bem-vindos à cerimónia esotérica", disse Jinx Dawson.

Em 1969, os Coven - pioneiros do chamado rock oculto e cuja denominação provém precisamente do imaginário ligado à magia e bruxaria - lançaram o seu álbum de estreia "Witchcraft Destroys Minds & Reaps Souls", definido como maldito e banido das lojas, devido ao conteúdo considerado satânico e à apologia e glorificação feita a Satanás.

O disco de estreia incluía o "sinal dos chifres` - que a vocalista já exibia no início e final dos concertos, desde 1967, ano em que os Coven se formaram em Chicago, tinha a cantora 17 anos - mas também cruzes invertidas, chamas e artefactos relacionados com o ocultismo na recriação de um ritual satânico, com Jinx Dawson deitada nua num altar, rodeada pelos membros da banda.

Foi o que bastou, argumenta a vocalista, para que outras bandas - que não nomeou - seguirem "o exemplo e a liderança" dos Coven, tendo chamado a si o uso e alguns a autoria do símbolo, algo que lhe desagradou.

"Não o fizeram bem e nem sequer sabiam o que significava. Não gostei, na altura, mas depois considerei que esta era a minha missão de vida, reintroduzi-lo e mostrá-lo às pessoas, não pensei era que fosse tanta gente, pensei que fosse uma coisa subterrânea, mas agora é omnipresente, está por todo o lado, é impressionante", frisou.

"O que é que eu fiz? Estraguei tudo, as minhas tias estão de certeza muito zangadas comigo", brincou a vocalista.

Ainda sobre o álbum de estreia - que celebra 50 anos e sustenta a digressão europeia que começa hoje em Portugal e que segue para Espanha, França, Itália, Alemanha, República Checa e Rússia - Jinx Dawson afirma que foi "um trabalho académico".

"Não foi por querer ser uma estrela de rock. Tinha dinheiro de família, não estava à procura de ter um carro novo, nem estava à procura da fama", sustenta.

Admite, no entanto, que contrariou a família e que em "Witchcraft Destroys Minds & Reaps Souls" fez coisas "que não deveria ter feito", o que deixou os seus familiares "muito zangados".

Já depois de muita polémica, nomeadamente envolvendo organizações católicas e também, mais tarde, devido ao chamado medo do satanismo, um pânico moral que eclodiu nos EUA no início da década de 1980 - os Coven acabaram por suspender a carreira durante cerca de 30 anos, regressando aos palcos e aos discos apenas em 2007.

"As pessoas não nos compreenderam e não gostaram. Até tive guitarristas que recusaram tocar connosco, questionavam `essas coisas das bruxas e do oculto` e avisavam que isso lhes iria destruir a carreira", lembrou Jinx Dawson.

Em entrevista à Lusa no palácio Sotto Mayor, na Figueira da Foz, uma propriedade do início do século XX, detida pelo Casino local, que combina elementos neoclássicos com estilo renascentista e gótico, Dawson disse "sentir-se em casa" e assinalou algumas semelhanças com a mansão de família onde viveu.

"É como se eu já cá estivesse estado antes", assinalou.

A cantora passeou demoradamente pelos três pisos visitáveis, acompanhada pela guia Cristina e por elementos do festival Woodrock, onde tocará hoje, observou pinturas, interagiu com o mobiliário, desejou um possível encontro com o espírito da filha do dono original do edifício, que ali terá morrido, viu portas a "abrirem-se sozinhas" e diz ter experienciado as "energias" do espaço, suspeitando que o palácio terá algo oculto, ainda não revelado.

Dona de uma voz forte e vibrante, Jinx Dawson não resistiu a demonstrá-la, fazendo-a ecoar pelos corredores e salas do palácio, concluindo a visita não sem antes experimentar o piano da sala de música da propriedade.

Contacta com os seguidores "a todo o tempo", muito através das redes sociais, mesmo se as viagens e digressões lhe retiram disponibilidade para "escrever a toda a gente".

"Não lhe chamo fãs, chamo-lhes queridos amigos. Não gosto de ter fãs, a palavra fã vem de fanático e eu não acho que os meus queridos amigos sejam malucos. São meus amigos, fazem parte do círculo dos Coven", argumentou.

A líder da banda norte-americana - única integrante da formação original e que se faz acompanhar por músicos a que chama "New Blood", o sangue novo dos Coven - acedeu a revelar alguns pormenores sobre o concerto de hoje, agendado para as 23:55 e com cerca de uma hora e meia de duração, no Woodrock, na Praia de Quiaios, a norte da Figueira da Foz.

"Chamamos-lhe um ritual, em vez de um espetáculo e, basicamente, é biográfico, é a minha história com a banda. Estive escondida por muito tempo e depois reapareci. Acho que toda a gente sabe que eu saio de um caixão no palco, porque já viram fotografias, significa o meu regresso e o reivindicar do meu trono", alegou Jinx Dawson.

Senhora de uma boa disposição a toda a prova, a norte-americana revela uma vitalidade e energia contagiante, que lhe esconde a idade real de 69 anos, mantendo o espírito adolescente e irreverente do início de carreira, quando partilhou o palco com nomes como os Yardbirds (do amigo Jimmy Page, mais tarde guitarrista dos Led Zeppelin), Alice Cooper ou Black Sabbath, ou histórias, que espera lançar em livro, com Jim Morrisson (The Doors), Jon Lord (Deep Purple) ou Mick Jagger (The Rolling Stones), entre outros.

Na Figueira da Foz, Jinx Dawson `chocou` de frente com a nortada da costa atlântica, que permanentemente lhe despenteia os cabelos louros, mas não deixa de destacar "todo o verde" que vai da serra da Boa Viagem à mata nacional de Quiaios, onde, junto à praia, começou na quinta-feira e termina no sábado, a 7.ª edição do Woodrock, sete, o seu número místico.

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