Celebração do fado esgotou Brooklyn Academy of Music
Nova Iorque, 03 dez (Lusa) - A Brooklyn Academy of Music, sala de espetáculo de referência em Nova Iorque, esgotou sexta feira à noite para ouvir e celebrar o fado, património da Humanidade que mostrou raízes, cambiantes e uma estrela - Camané.
Os perto de 2.000 espetadores que encheram a Howard Gillman Opera House, entre eles muitos portugueses que vieram matar saudades ou mostrar a música do seu país a amigos norte-americanos, foram recebidos com o virtuosismo das guitarras do coletivo Lisboa Soul - Ricardo Parreira na portuguesa e Marco Oliveira e Manuel d´Oliveira na clássica e viola, acompanhados pelo angolano Yami no baixo.
A surpresa prolongou-se para aqueles que esperavam mergulhar desde logo na melancolia do fado, com Ritinha Lobo a trazer até ao palco o falar crioulo, os ritmos e a dança de Cabo Verde, com a bateria de Mário Marques e o piano de Carlos Garcia.
Só depois de uma incursão pelos cruzamentos do fado com a música africana e latino-americana as cantoras Micaela Vaz e Vânia Conde levaram o espetáculo para caminhos mais tradicionais, cantando "Gondarém", celebrizado por Amália, entre outros temas.
Sentadas no centro do palco, ambas tentaram algumas vezes, sem sucesso, levar o público a acompanhar a música com palmas.
As primeiras grandes ovações da noite foram para Marco Oliveira, que cantou e tocou temas como "A Casa da Mariquinhas", acompanhado só pela guitarra e baixo, com o restante palco escurecido e apenas um foco sobre os três músicos a fazer lembrar o ambiente de intimidade e mistério de uma casa de fados.
O histórico Rodrigo foi a primeira "celebridade" a subir ao palco, e em "Fado do Fado" explicou ao público que "O Fado tem um fado, um destino/ desde menino, ser português/ Nasceu num bairro antigo de Lisboa/ Não foi à escola, mal sabe ler/ Deu os primeiros passos lá na rua/ Cresceu à toa pela cidade/ E a primeira palavra que aprendeu/ Nunca a esqueceu/ Foi a saudade".
Vestido todo de preto e de barba grisalha, recorreu a um inglês escorreito para contar que desde o balcão da imigração nos Estados Unidos lhe perguntavam se "era padre".
"Não sou, sou cantor de fado. Comecei há 50 anos", anunciou.
Antes de dar o palco a outra voz histórica do fado, Beatriz da Conceição, cantou "uma em estilo antigo, estilo muito antigo" e desceu do palco para cantar cara a cara com o público, ilustrando a voz com gestos carregados de emoção.
Mais reservada, Beatriz da Conceição cantou clássicos como "Passa por Mim no Rossio" ou "Pomba Branca", antes do intervalo e do cabeça de cartaz - Camané.
A debater-se com uma constipação na sua estreia nos Estados Unidos, Camané pisou o palco cantando "Sei de um Rio", acompanhado de José Manuel Neto na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença na viola e Paulo Paz no Contrabaixo.
Com alguma dificuldade em comunicar em inglês, seguiram-se temas como "Lembra-te Sempre de Mim", "Último Recado" ou "Fado Sagitário".
Com "Ela Tinha Uma Amiga" Camané levou ao riso o público - pelo menos o que entendia português - o momento mais bem disposto do concerto.
"Ela tinha uma amiga chamada Maria/ Que nunca sabia por onde ela andava/ Ela tinha uma amiga chamada Maria/ De quem se servia quando me enganava/ E quando eu lá ia, e não a encontrava/ Era sempre a Maria/ Que me dizia que ela não tardava/ Que me jurava que ela voltaria", cantou.
Para aqueles que não conhecem o fado, ficou a faltar uma explicação do título ou do contexto das músicas seguintes, como "Dança de Volta", "Súplica" ou "Marcha do Bairro Alto".
Falando em português, Camané apresentou o último fado, "Triste Sorte", como obra de referência de uma das suas principais referências, Alfredo Marceneiro.
Para o "encore" estava guardado "Senhora do Livramento", e uma surpresa: os músicos acompanharam o fadista na descida do palco para cantar "Saudades Trago Comigo" em "acapella", brindado por metade da casa com uma ovação de pé.