Conceito de literatura varia de acordo com tipo de leitor - Liberto Cruz

Póvoa de Varzim, 13 Fev (Lusa) -- O poeta Liberto Cruz defendeu hoje que há quem considere que é literatura o que é evidente e não-literatura o que não é evidente, consoante o tipo de leitor que se é.

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"Como é óbvio, a não-evidência da literatura agora reclamada e posta à nossa consideração, pretende referir-se ao conjunto de obras literárias de reconhecido valor, com um rigoroso uso estético da linguagem escrita, como indicam, aliás, os manuais correntes", disse o autor, numa mesa da 10ª edição do encontro literário de expressão ibérica Correntes d`Escritas, que decorre até sábado na Póvoa de Varzim, sobre o tema "É Literatura tudo o que não é evidente".

Rodeado de outros escritores que também puseram o tema em causa -- Eugénio Lisboa, Manuel Gusmão, Antonio Garrido e Pedro Sena-Lino -- Liberto Cruz questionou: "Mas será que é evidente que é literatura tudo o que não é evidente? Não estaremos simultaneamente a restringir, por um lado, e a alargar, por outro, o conceito de literatura?".

"Para um leitor de Margarida Rebelo Pinto, uma obra de Maria Gabriela Llansol não é evidente e para um leitor de Maria Gabriela Llansol, uma obra de Margarida Rebelo Pinto também não é evidente. Embora as razões e os critérios de selecção sejam diferentes, ambos se identificam numa nítida não-evidência que não os aproxima, pelo contrário, os afasta definitivamente", sustentou.

Apesar de afirmar saber que escolheu "dois casos extremos de ficção, de duas autoras muito conhecidas, por qualidades antagónicas", o poeta frisou que "não deixa de ser interessante verificar que o termo `evidente` tem, para os seus eventuais leitores, padrões muito contrários".

Assim, prosseguiu, "para um leitor avisado, a obra de Maria Gabriela Llansol será considerada, sem equívoco, literatura, e para um leitor pouco esclarecido, a mesma obra não será literatura, por não ser evidente".

"Quanto à obra de Margarida Rebelo Pinto, ela será, consoante o tipo de leitor, considerada literatura por ser evidente e não-literatura por não ser evidente", sustentou.

Segundo Liberto Cruz, "estas evidências ou não-evidências que tanto se contrariam, porque têm concepções e juízos diversos, conforme a natureza e a preparação literária dos seus utentes, necessitam, sem dúvida, de ser ponderadas e analisadas".

"Veremos, então, que nem tudo o que não é evidente é literatura e vice-versa", concluiu.

"Há uma espécie de aragem oculta, inesperada, controversa e enigmática -- enfim, um `quid` -- que tende a percorrer e a instalar-se na obra de um autor e que é dotada de uma força decisiva, com idoneidade para fazê-la adquirir ou perder um estatuto literário", sublinhou o poeta.

Afinal de contas -- prosseguiu -- "trata-se apenas de um problema de construção ou de desconstrução da linguagem".

"Temos assim, para concluir, que esta definição de que `É Literatura tudo o que não é evidente` só é susceptível de ser aplicada à chamada `literatura literária`. Tudo parece indicar que sim, mas não sei, confesso que não sei... A evidência tem por vezes literaturas que a literatura desconhece", rematou.

ANC.


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