Concerto de Keith Jarrett no CCB apaga "má memória" de actuação agitada
O pianista Keit Jarrett actuou domingo com o seu trio no Centro Cultural de Belém (CCB), num concerto muito aplaudido pelo público que "apagou a má memória" da exibição agitada de há 25 anos no Coliseu dos Recreios.
Num Grande Auditório completamente cheio, Keith Jarrett, acompanhado por Gary Peacock, no contrabaixo, e Jack DeJohnette, na bateria, veio ao palco por duas vezes, despedindo-se da assistência com uma interpretação muito pessoal do clássico "When I fall in Love".
Há 25 anos, o pianista, considerado um dos mais criativos e originais músicos contemporâneos, ficou irritado com o fumo e o ruído das cinco mil pessoas que o foram ouvir ao Coliseu dos Recreios, abandonando o palco e voltando só meia hora depois para concluir o concerto, quando muitos já tinham deixado a sala.
Com fama de difícil e facilmente irritável com o barulho na assistência, Keith Jarrett iniciou o concerto apenas quando a sala ficou em silêncio, demonstrando desde logo o seu virtuosismo ao piano em temas como "Bye Bye Blackbird", "Around Midnight" e "My Foolish heart".
A organização do concerto tinha avisado logo de início que ninguém entraria após o início do espectáculo, que o público deveria desligar os telemóveis e "tossir o mínimo possível". Nessa altura quase todas as cerca de 1.700 pessoas tossiram em coro para poder silenciar o recinto antes da performance.
Pelas 19:30, quem conseguiu bilhetes - esgotaram em Julho - entrou rapidamente para estar na sala antes das 20:00, hora marcada no programa, e tomou café a correr para não ser impedido de entrar.
Rui Veloso foi um dos que fez questão de regressar para apreciar a exibição do trio de jazz, após uma experiência "horrível" em 1981, no Coliseu de Lisboa, relatou à agência Lusa.
"Fiquei irritado naquela noite, mas não foi com Jarrett, foi com o público. Pensavam que estavam num concerto de rock e fizeram muito barulho", lembrou o músico, revelando ter sido um dos que se foi embora quando o pianista abandonou o palco.
O concerto de hoje veio "apagar a má memória" daquele dia: "Compensou muito. Foi bom. Foi um dos primeiros músicos que eu ouvia e vê-lo ao vivo em boas condições valeu a pena", comentou, só lamentando a pouca comunicação com a assistência.
Admiradores de todas as idades entraram com algum nervosismo no Grande Auditório na expectativa de rever ou conhecer pela primeira vez o talento de três mestres do jazz que ultrapassaram as seis décadas de vida e tocam juntos desde 1983.
A primeira parte do concerto decorreu com alguns problemas técnicos que levaram Keith Karrett a levantar-se por duas vezes e a sair e entrar rapidamente do palco, mas a exibição continuaria sem grandes percalços, com o líder do trio a ficar cada vez mais à vontade.
Já na segunda parte, começou a virar-se para o público e a sorrir, revelando o seu agrado com o decorrer do concerto, o que levaria a responder ao apelo da assistência e a regressar por duas vezes e mostrar de novo a sua destreza ao piano.
O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, também não quis perder o concerto do trio norte-americano. Foi com um dos filhos, que "já está habituado a ouvir maratonas de jazz em casa", referiu à Lusa.
"Foi sublime", comentou.
"Se há um sentido para a palavra génio aplica-se a esta grande figura da música", disse, acrescentando que conhecia Jarrett dos anos 70, quando actuou num outro concerto histórico em Cascais, acompanhando Miles Davis.
Pedro Abrunhosa, João Gil e Mário Laginha foram outros músicos portugueses que se encontravam no CCB.
Mário Laginha, que assistiu a um concerto do trio há um ano, em San Sebastian, disse à Lusa, antes do concerto, que as exibições do pianista "nunca são más, mas o resultado final depende sempre do seu humor", mas esta, considerou, no fim, "foi excelente e o contentamento de Jarrett com o público era muito visível, portanto foi uma conquista mútua".