Investigadores britânicos descobriram que uma "cópia" da Magna Carta de propriedade de Harvard, nos Estados Unidos, é de facto um documento original, extraordinariamente raro, dos anos de 1300. Esta descoberta significa que a versão que a universidade norte-americana adquiriu, na década de 1940, é uma das apenas sete Magna Carta que sobrevivem da edição ordenada por Rei Eduardo I em 1300.
Catalogada com o nome HLS MS 172, esta Magna Carta é um dos muitos documentos da Biblioteca da Faculdade de Direito de Harvard. Acreditava-se, porém, que seria uma cópia não oficial do manuscrito, originalmente concedida pelo rei João em 1215.
O documento foi adquirido em 1946 pela Biblioteca por 27 dólares (atualmente 24 euros). Sabe-se também que um mês antes desta compra um veterano da RAF o tinha vendido a uns revendedores de livros de London Sweet & Maxwell por 42 libras (atualmente 50 euros).
Estabelecer a autenticidade e a proveniência
Numa pesquisa on-line recentemente feita pelos especialistas britânicos David Carpenter e Nicholas Vincent, professores de história medieval no Kings College London e na Universidade de East Anglia, tropeçaram nesta versão da Magna Carta e foram capazes de determinar que o manuscrito medieval não era uma mera cópia, como se acreditava.
Em vez disso, perceberam que era um "original raro", tornando-se uma das sete edições da confirmação do rei Eduardo I - nos anos de 1300 - da Magna Carta que ainda sobrevivem.
“Eu estava a vasculhar todos estes livros de estatutos online tentando encontrar cópias não oficiais da Magna Carta e eu imediatamente pensei: meu Deus, isto parece um original da confirmação de Eduardo I da Magna Carta em 1300, embora, é claro, as aparências sejam enganosas”, contou David Carpenter ao Guardian.
Carpenter e Nicholas Vincent decidiram usar uma bateria de testes para estabelecer a autenticidade do documento HLS MS 172.

O documento conhecido como HLS MS 172 passou por testes diversos para se aferir a autenticidade | Universidade de Direito de Harvard
Os bibliotecários do Weissman Preservation Center de Harvard fotografaram o HLS MS 172 recorrendo a um sistema de imagem multiespectral portátil com uma câmara de formato médio e painéis de luz que iluminaram os objetos em comprimentos de onda da luz visível para as bandas ultravioleta e infravermelha não visíveis ao olho humano.
Bill Christens-Barry combinou digitalmente e processou as imagens capturadas nos diferentes comprimentos de onda com ferramentas estatísticas avançadas. Todos os dados de imagem e metadados foram organizados para a faculdade de Harvard hospedar em formato padrão para acesso e investigação | Universidade de Direito de Harvard
“Usando imagens espectrais e luz ultravioleta, investiguei palavra por palavra e apercebi-me que combinava perfeitamente com os outros seis (manuscritos existentes e estudados)”, disse Carpenter.
“Um pequeno detalhe extraordinário sobre a caligrafia é o "E" inicial no início de Edwardus. A letra seguinte – o D – de Edwardus também é uma letra maiúscula, o que é bastante incomum. E ainda assim encontra-se essa letra maiúscula "D" nos outros seis originais".
A escrita e ordem de palavras do HLS MS 172 correspondia aos originais da carta de 1300 | Universidade de Direito de Harvard
Carpenter e Vincent acreditam que o documento foi emitido para o antigo bairro parlamentar de Appleby, em Cumbria, em 1300.
O manuscrito terá sido “então transmitido por uma família aristocrática do século XVIII, os Lowthers, que então a deram a Thomas Clarkson, o principal abolicionista da escravatura. E então, através da propriedade de Clarkson, seguiu para Forster Maynard, um piloto da I Guerra que acabou como comandante da base aérea em Malta, no início da II Guerra Mundial. A proveniência deste documento é extraordinária”, explicaram.
O manuscrito terá sido “então transmitido por uma família aristocrática do século XVIII, os Lowthers, que então a deram a Thomas Clarkson, o principal abolicionista da escravatura. E então, através da propriedade de Clarkson, seguiu para Forster Maynard, um piloto da I Guerra que acabou como comandante da base aérea em Malta, no início da II Guerra Mundial. A proveniência deste documento é extraordinária”, explicaram.
HLS MS 172 como “um dos documentos mais valiosos do mundo”
A Magna Carta é um documento régio emitido pela primeira vez pelo rei João em 1215 que garantia as liberdades e direitos dos seus súbditos e colocando também a Coroa sob a autoridade da lei.
Esta deliberação foi considerada como um passo fundamental na evolução dos Direitos Humanos contra os governantes opressivos. Assim, a Magna Carta acabou por influenciar o enquadramento das constituições de muitos outros estados, em particular na Europa.
O documento - que circulou nos condados da Inglaterra - foi reeditado após 1215 por sucessivos reis ao longo dos anos até 1300, o que significa que "pode ter havido 200 originais", argumentou Vincent.
Hoje, 25 desses originais sobrevivem das várias edições entre 1215 e 1300, a maioria das quais no Reino Unido. Há mais dois nos Arquivos Nacionais de Washington DC, e um na Casa do Parlamento em Camberra, na Austrália.
“Esta é uma descoberta fantástica”, diz Carpenter. "A Magna Carta de Harvard merece celebração, não como uma mera cópia, manchada e desbotada, mas como um dos documentos mais significativos da história constitucional mundial, uma pedra angular das liberdades passadas, presentes e ainda a serem conquistadas", sustenta.
“A Magna Carta afirma um princípio fundamental de que o governante está sujeito à lei”. Quem detém o poder “se quiser agir contra alguém, tem que fazê-lo por processo legal. É a pedra fundamental da tradição ocidental de direito e democracia”, sublinha Carpenter, que descreve o HLS MS 172 como “um dos documentos mais valiosos do mundo”.
Magna Carta de 1300, edição do rei Eduardo I | Universidade de Direito de Harvard
"É um ícone tanto da tradição política ocidental quanto do direito constitucional", acrescentou Vincent, citado na BBC.
“Se se perguntar a alguém qual é o documento mais famoso da história do mundo, provavelmente vão dizer a Magna Carta”, realçou.
“Se se perguntar a alguém qual é o documento mais famoso da história do mundo, provavelmente vão dizer a Magna Carta”, realçou.
Amanda Watson, reitora assistente da Universidade de Direito de Harvard para biblioteca e serviços de informação, felicitou “os professores Carpenter e Vincent pela descoberta fantástica".
E acentuou que "este trabalho exemplifica o que acontece quando coleções magníficas, como a da Harvard Law Library, são abertas a estudiosos brilhantes", destacando ainda que “por trás de toda revelação académica está o trabalho essencial dos bibliotecários, que não apenas recolhem e preservam os materiais, mas criam caminhos que, de outra forma, permaneceriam ocultos”.
Em termos de valor monetátio, atualmente este documento valerá muito. Vincent não avança com palpites, mas recorda que "a Magna Carta de 1297 foi vendida em leilão, em Nova Iorque, no ano de 2007 e arrecadou 21 milhões de dólares (cerca de 12,5 milhões de euros), por isso estamos a falar de uma soma muito grande de dinheiro".
Esta edição de 1300 da Magna Carta foi digitalizada e disponibilizada ao público e pode ver-se aqui em detalhe.