Crânio de predador do Jurássico português testemunha relação entre a Península Ibérica e a América do Norte

O conjunto de fósseis resgatado na jazida de Andrés, a sul de Pombal, foi atribuído ao dinossáurio carnívoro, Allosaurus fragilis, que viveu durante o Jurássico Superior português. Os mais recentes dados apresentados esta quinta-feira no Museu de História Natural e da Ciência reforçam a hipótese de que, há 145 milhões de anos, "ainda existia uma estreita relação biogeográfica entre a Península Ibérica e a América do Norte", momentos antes do afastamento completo dos continentes e da constituição do Oceano Atlântico.

Carla Quirino - RTP /
Fóssil de 145 milhões de anos resgatado da jazida de Andrés. Escala: 10 cm Elisabete Malafaia

A história dos Allosaurus fragilis portugueses remonta ao ano de 1988, quando surgiu uma "descoberta inesperada" e que resultou num achado de grande importância para a paleontologia de dinossáurios, explica a paleontóloga Elisabete Malafaia, do Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 

O achado foi revelado "durante obras para construção de um anexo agrícola, na localidade de Andrés (concelho de Pombal)", acrescenta.

Nessa altura, José Amorim, dono do terreno, encontrou vários ossos fossilizados comunicando de imediato ao Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Foi organizado uma escavação de emergência resultando na descoberta de parte do esqueleto de um dinossáurio carnívoro.

No conjunto dos fósseis descoberto estavam "ossos da cintura pélvica e dos membros posteriores, preservados ainda na posição anatómica que tinham quando o animal viveu, há cerca de 145 milhões de anos" descreve a investigadora.

Esses fósseis foram identificados como "pertencendo à espécie Allosaurus fragilis", um dos mais "icónicos predadores do Jurássico", refere o comunicado do Museu de História Natural e da Ciência.

Esta espécie, até então, estava identificada apenas na Formação de Morrison, dos EUA, ou seja, outro lado do Atlântico.

O achado de Andrés representava a primeira evidência de Allosaurus fragilis fora da América do Norte, "sugerindo uma ligação entre as faunas de dinossáurios dos dois lados do então incipiente Atlântico Norte", acrescentam os investigadores.
América do Norte e Portugal com o mesmo predador

A jazida de Andrés continuou a dar que falar anos mais tarde quando foram encontrados novos fósseis como um "crânio parcial excecionalmente bem preservado" agora apresentado no estudo.
Caixa craniana quase completa e bem preservada. Escala: 5 cm | Foto: Elisabete Malafaia

Os cientistas estabeleceram comparações detalhadas com fósseis da América do Norte sendo possível confirmar a presença, em Andrés, da espécie Allosaurus fragilis.

"A presença de formas morfologicamente indistinguíveis em ambos os lados do Atlântico sugere que, no final do Jurássico (há cerca de 150 milhões de anos), ainda existia uma estreita relação biogeográfica entre a Península Ibérica e a América do Norte", sublinha a investigação.

Ou seja, com áreas terrestres ainda ligadas, a fauna circulava entre continentes.

"Essas massas terrestres estavam mais próximas, pois o Atlântico Norte estava apenas a começar a formar-se, o que pode ter permitido a migração de dinossáurios, como Allosaurus, entre estas regiões" sustenta a equipa de cientistas.
O carnívoro do Jurássico português

Este indivíduo apresentaria um crânio com perto de 70 centímetros de comprimento. Os cientistas estimam ainda que o animal teria 6,5 metros de comprimento e pesaria 850 quilos. 

O Allossauros fragilis deste estudo representa um dos mais completos dinossáurios carnívoros do Jurássico Superior da Europa, diz a equipa da investigação.
 
Imagens de tomografia computorizada dos ossos lacrimais, um dos elementos mais característicos de Allosaurus, recolhido em Andrés | Elisabete Malafaia

"Estas descobertas reforçam a importância do registo fóssil português e, em particular da região de Pombal, para compreender a história evolutiva dos dinossáurios terópodes (carnívoros bípedes)" sublinha Elisabete Malafaia.

Maxila do Allosaurus fragilis deste estudo, apresenta 39, 4 cm de comprimento com 17 alvéologos e quatro dentes | Foto: Vasco Guerreiro/FCUL

Para além do valor científico, este património paleontológico tem "um enorme potencial educativo e cultural, sendo também uma ferramenta importante para promover o desenvolvimento sustentável e fortalecer a identidade da região", conclui.

Localização da jazida de Andrés de onde originam os fósseis do dinossauro carnívoro da espécie Allosaurus fragilis em estudo | Grafismo - Elizabete Malafaia

O material paleontológico recolhido no sítio de Andrés enquadra-se no Jurássico Superior momento da Bacia Lusitâniana - bacia sedimentar peri-atlântica formada aquando da fraturação do supercontinente Pangea - no momento em que ainda se estava a formar devido à expansão do oceano Atlântico Norte. A Bacia Lusitâniana estendia-se da Arrábida até a norte de Aveiro, e para interior, até depois da serra do Montejunto.

Há 145 milhões de anos, a jazida de Andrés apresentava um ambiente de rio que atraia uma grande variedade de animais. No registo fóssil, os paleontólogos documentaram peixes, lepidossauros (grupo que inclui lagartos, serpentes e tuataras), crocodilos, pterossauros (répteis voadores), e vários tipos de dinossáurios.
Alguns dos fósseis podem ser vistos no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Os restantes fósseis ainda estão a ser preparados e fazem parte da coleção do Museu de História Natural e da Ciência | Foto: Vasco Guerreiro/FCUL

José Amorim nunca construiu o armazém mas pode dizer que tinha um dinossauro no quintal.

Este estudo foi liderado pela paleontóloga Elisabete Malafaia, do Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e resulta dos projetos de investigação desenvolvidos sobre o registo fóssil do Jurássico Superior de Portugal. O trabalho conta ainda com a participação de investigadores do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Universidade de Lisboa, e do Grupo de Biología Evolutiva da Universidad Nacional de Educación a Distância de Madrid.

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